CHAVES ERA BIZARRO 💀
0[Música] Com as histórias tão bonitas que me deste entre castelos. Todos atentos. Olhando pra TV. Aí vem Chaves, Chaves, Chaves. Como historinha bem gostosa de se ver. Chaves. É impossível assistir o seriado Chaves sem sentir que há algo profundamente errado ali. [Música] Por exemplo, muitos esquecem que o Chaves não mora no barril. Ele vive na casa de número oito. Moro lá no oito. Eu moro na casa número oito, que às vezes eu entro no barril assim, mas é só porque é só por exp. É. Sendo um órfão e morador de rua, foi acolhido por uma idosa. Mas essa casa nunca é mostrada. Nem sua suposta mãe adotiva aparece em cena. se ela realmente existe, porque o menino está sempre com fome. Afinal, ela não deveria cuidar dele? Outra teoria é que esse pátio e o número oito apareceram no quadro do programa Xesperito Los Caquitos ou Os Ladrões em português, já que Bolanhos aproveitava os cenários para fazer gravações de outros programas. Ainda outro detalhe perturbador, o verdadeiro nome do protagonista nunca é revelado. Sempre que ele tenta pronunciá-lo, é abrupamente interrompido, como se a própria narrativa quisesse ocultar algo. Pois a mim nunca chamaram pelo nome certo. Oxa, Chaves, como é seu nome? Meu nome certo. Olha ele aí, ó. O nome original da série El Chavo Del faz referência à sua suposta casa, mas o número oito deitado é também o símbolo do infinito, algo que muitos fãs passaram a associar com a morte. Afinal, o que acontece depois dela é infinito, seja para o bem, seja para o mal. Javin, odeio um pirulito. Dessa vez eu te dou. Dico, você não pode atingir mesmo para sempre. Você me negou como muitas vezes. Não existe não é culpa sua. Em todos os universos do meu brinco, meu mesmo, na família perder da onde quer que eu resista. Você não pode viver assim, fingindo que ainda estou aqui. Talvez Roberto Bolanos tenha enchido sua obra de sinais ocultos e símbolos que só os mais atentos conseguiriam decifrar para revelar um sentido mais sombrio e moralizante. Essa teoria é tão perturbadora quanto imaginar caminhar pela vila à noite naquele cenário que mais parece ter sido arrancado de uma realidade alternativa. Os corredores são sempre os mesmos. As paredes bees com detalhes marrons parecem se repetir infinitamente. Cenários estranhos. Um céu que nunca aparece. E mesmo quando vemos a parte de fora da vila, ela parece real, quase como um cenário improvisado que esconde algo. A vila inteira é um lim space, um espaço entre realidades, desconfortável e vazio. As portas raramente levam a algum lugar. Os poucos cômodos vistos parecem cópias uns dos outros, com móveis genéricos e vazios de vida. [Música] A vila é um liminal space, um espaço liminar, um lugar que existe entre o real e o imaginário, entre o que é familiar e o que é perturbador. Assim como os corredores de hotéis abandonados ou shoppings desertos, a vila carrega uma atmosfera de sonho, mas não um sonho bom. É como se fosse um pedaço de realidade mal renderizado, o ambiente estático incapaz de mudar com o tempo. É sempre o mesmo clima, a mesma iluminação, como se o tempo tivesse realmente parado. E isso deixa uma pergunta incômoda no ar. Será que a vila é apenas um cenário de comédia ou uma prisão para aqueles personagens? [Música] Na vila dos Chaves, o tempo não passa. Observe com atenção. Chaves sempre tem 8 anos. O Seu Madruga está sempre devendo 14 meses de aluguel. Nunca mais, nunca menos. Não importa o quanto tempo avance, a dívida permanece congelada, como se ele estivesse preso em um ciclo de eterno fracasso. Seu barriga aparece constantemente para cobrar o aluguel e sempre leva uma pancada ao entrar na vila. Toda vez é quase como um ritual, um evento programado que precisa acontecer para que o ciclo continue. [Música] Foi sem querer querendo. Sim, sempre diz a mesma coisa. Toda vez que eu chego nessa vila, você me recebe com um golpe. Toma. Chaves está condenado à fome. A cada episódio, ele sente o mesmo vazio. A gula não se manifesta como excesso, mas como uma eterna carência. As brigas, os tapas, os desentendimentos. Tudo se reinicia episódio após episódio. É como se ninguém evoluísse, ninguém aprendesse nada. Eles estão aprisionados em uma rotina que se repete para sempre, como personagens de um pesadelo que não percebem estar sonhando. Será que eles sabem que estão presos ou seriam apenas almas condenadas, obrigados a reviver seus pecados até que encontrem redenção, se é que isso é possível. [Música] do silêncio. Ver se é possível a comunicação com os mortos. O lup da vila não é apenas uma ferramenta narrativa de comédia. Talvez seja o maior sinal de que estamos vendo um purgatório. [Música] Eles não vivem, não aproveitam as coisas, apenas existem. E o cotidiano que parece tão comum é, na verdade, o maior tormento, a repetição infinita. [Música] Chaves é o retrato da fome insaciável. Ele está sempre com fome, pedindo comida, roubando pequenos pedaços, mendigando migalhas e, por mais que coma, nunca se sacia. Talvez o castigo de Chaves seja viver na eterna necessidade. Chaves, não me diga que você comeu todos os churros. Seu Madruga é o símbolo da preguiça e da negligência. Ele passa dias evitando trabalho, sempre com desculpas, tentando sobreviver sem esforço. Quando tenta um emprego, fracassa rapidamente e volta ao ciclo de inadiplência e violência. Seu castigo é viver eternamente como um homem fracassado, devendo 14 meses de aluguel, incapaz de romper o ciclo que ele mesmo criou. Nenhum trabalho é ruim. O ruim é ter que trabalhar. Em segundo lugar, seu barriga é a encarnação da vareza. Ele é obsecado por cobrar o aluguel, visitando a vila quase todos os dias para garantir que ninguém escape da dívida. A ganância dele é mascarada por um tom amigável, mas na essência ele se preocupa mais com o dinheiro do que qualquer coisa. Seu castigo é a repetição sem fim de cobrar valores que jamais serão pagos, levando pancadas toda vez como punição pelo seu apego material. Kiko é o menino mais rico da vila. Tem brinquedos, roupas novas, comida na mesa, mas nunca está satisfeito. Ele inveja qualquer mínima atenção que Chaves receba, mesmo sendo um menino órfão e faminto. Chaves? Não gostaria de comer um sanduíche de preso. Que quer tudo, quer os brinquedos, quer o carinho, quer ser o centro do mundo. Sua punição é conviver eternamente com o que ele mais despreza, o moleque pobre, que mesmo assim é mais amado que ele. [Música] Chiquinha é marcada pela raiva e pela manipulação. Ela provoca os vizinhos, engana o pai e se diverte com o caos que causa. É intolerante, explosiva e parece se alimentar do sofrimento alheio. Seu castigo é estar presa num ambiente onde as provocações sempre voltam contra ela, criando um ciclo interminável de pequenas vinganças. Hum, hum, que delícia o meu pirulito. Hum, hum, hum. Dona Florinda é o orgulho personificado. Ela se acha superior a todos os outros moradores. Humilha o Seu Madruga, protege o Kiko como se fossem de uma casta nobre e dificilmente admite estar errada. Sua punição é viver cercada por gentalha numa vila onde nunca encontrará o status social que acredita merecer. Ué, mas que mamãe mamãe mãezinha mãezinha. O que que foi? Dona Florinda, que milagre aparecer por aqui. O professor Girafales é o homem sedento de desejo. Ele visita a dona Florinda com flores e café episódio após episódio numa dança de flirt que nunca chega a lugar nenhum. Sua punição é abstinência eterna, uma relação congelada no tempo, onde o desejo nunca é satisfeito. Até sempre, dona Florinda. [Música] A bruxa do 71, digo, digo, a dona Clotilde, carrega a vaidade em excesso. Preocupa-se com a aparência e com o que os outros pensam, tentando seduzir seu madruga. e se mantendo sempre como a mulher elegante. Ai, Seu Madruga, que se case comigo. Seu castigo é ser rejeitada eternamente, presa em uma forma física que carrega o peso de seus anos, de sua solidão. É você, Satanás? Olha daqui. [Música] Jainho aparece e desaparece da vila de maneiras quase únicas. Ele carrega cartas, mas elas parecem mais um peso simbólico do que uma correspondência real. Há quem diga que Jaiminho é um médium, o único personagem consciente que está transitando entre dois mundos, o mundo dos vivos e o da vila, que seria o purgatório. E se tanga mandápio fosse uma metáfora para o mundo dos vivos? Quando ele fala de lá, parece nostálgico, como se estivesse se lembrando de um lugar que não pode mais alcançar. Bom dia. O que tem de bom? Talvez ele seja uma alma que ainda consegue visitar o mundo real de tempos em tempos, mas a custa de um enorme esforço. Talvez Jaiminho saiba a verdade sobre a vila, mas tenha aceitado o seu papel de mensageiro. Eu eu sou novo carteiro. E que culpa que eu tenho? [Música] que vocês têm? Ladrão. Ladrão. Sem dúvidas, essa série é cheia de cenas bizarras. Há um momento em que os personagens acreditam que Chaves roubou o dinheiro. A atmosfera muda completamente. Todos olham para ele com desprezo e raiva, como se ele fosse um verdadeiro criminoso. Ladrão, ladrãozinho. Ladrão, ladrão. Chaves fica acuado, envergonhado e chorando no canto. A sensação é sufocante, como se fosse uma punição psicológica muito maior do que o erro cometido. É quase como se a vila estivesse julgando-o por um pecado que ele nem lembra de ter cometido. Ladrãozinho, seu ladrão. Ladrão, ladrão, seu ladrão, ladrão, ladrão, ladrão, ladrão, ladrão, ladrão, ladrão. A primeira vista, o seriado mostra chaves como um personagem querido, sempre cercado por vizinhos e participando das confusões na vila. Mas se observar com mais atenção, algo profundamente errado. Quase ninguém ajuda o Chaves. Ele é um órfão, faminto, sem casa e sem família. Mesmo assim, os moradores raramente se compadecem de sua situação. Me lembrei que tem muitas vezes que o Chaves não janta, nem toma café e nem almoça. Ai bem, então imagino que vieram preparados para comer. Tô falando de dinheiro. São 4.500. O que disse? que são 4500. Cada lanche custa 1500. Três lanches de presunto 4500. Mas é que fiquei pensando como é possível que hajam meninos como Chaves e muitos outros que não têm absolutamente nada para comer. Mas o que é que o senhor queria, professor? Ninguém se importa com os problemas dos outros. Mas é o qu? É preciso amor de compaixão. Sim, sim. De vez em quando alguém oferece um pedaço de pão ou um copo d’água, mas é sempre algo temporário, um alívio momentâneo para o menino que logo volta a sentir fome. Ninguém jamais o convida para morar dentro de casa, para dormir em uma cama. Ninguém sequer se pergunta como um garoto tão pequeno sobrevive sozinho na vila. Durante o aniversário do Kiko, vemos os personagens e suas versões mais exageradas. A vaidade, o orgulho, a inveja e a raiva transbordam. A briga começa por um pedaço de bolo, logo toma conta de um episódio inteiro, transformando um momento de festa em um verdadeiro caos. Muito menos ninguém, ninguém, ninguém. para que eu possa passar o dia todo comendo tudo sozinho. Não, nenhum personagem fala claramente sobre o seu passado ou de onde venho. Por que Chaves está sozinho na vila? Se a dona Florinda é tão rica, por ela continua morando ali? Esse apagão de memórias reforça a ideia de que eles perderam as lembranças após morrer. Estão presos no purgatório. No fim, talvez a vila dos Chaves nunca tenha sido apenas um cenário de comédia. Talvez ela seja um retrato cruel da condição humana, onde as mesmas dores se repetem e onde ninguém percebe que está preso. A vila seria então um teatro de almas condenadas, representando eternamente seus papéis, sem saber que são apenas marionetes de um ciclo infinito, condenados a repetir erros, desejos e arrependimentos. [Música] go for [Música] FL