POR TRÁS DA FACHADA: AS MARCAS FAMOSAS QUE ESCONDEM AS OPERAÇÕES DO PCC
0Algumas marcas que você consome todos os dias, roupas, mercados, até delivery de comida, podem ter algo em comum que nunca passou pela sua cabeça, serem fachada para o crime. O PCC, com sua inteligência empresarial, foi além das fronteiras e entrou num jogo ainda mais perigoso, o da legalidade. E o pior, quase ninguém percebe. Mas quem viveu isso de dentro, como eu vivi, sabe o preço que se paga. E hoje, pela primeira vez, eu vou contar tudo sem rodeios, sem censura. O que eu vivi, o que eu vi, não é para qualquer um carregar. Mas chegou um ponto que Calar virou covardia. E depois de tudo que passei, eu já não devo mais lealdade a ninguém, muito menos para um sistema que me usou como peão e depois quis me apagar quando comecei a pensar demais. Eu cresci no meio do caos, favela apertada, com barraco enfileirado, cheiro de feijão com arroz e porrada rolando no fundo da viela. Vi meu pai sumir quando eu ainda brincava de pipa. Minha mãe guerreira segurando tudo sozinha, mas a vida cobra caro demais de quem não tem nada. E logo cedo demais aprendi que ou você impõe respeito ou ninguém lembra que você existe. Entrei no crime pequeno. Primeiro era o corre da biqueira. Favores simples, olhar o movimento, avisar quando vinha a viatura. Depois passei paraa entrega, pros contatos, ganhei confiança. Quando vi, já tava dentro. A sigla me acolheu como uma família. No começo, até parece uma ideologia, sabe? Tipo um código de honra entre nós. Mas isso é só a isca. Quando você acorda, já tá mergulhado num sistema que te engole sem piedade. Só que, diferente do que muita gente pensa, o PCC não vive só de favela, de troca de tiro, de tráfico em beco escuro. Não. O buraco é muito mais embaixo. A mente por trás da facção entendeu uma coisa que poucos perceberam, que o verdadeiro poder não tá na arma, tá no dinheiro limpo. E foi aí que começou uma nova fase dentro do comando. Uma ordem silenciosa foi espalhada pros irmãos mais próximos da sintonia. Encontrar caminhos legais para lavar dinheiro sujo. E não era só montar lojinha para disfarçar. Ponto. A ideia era infiltrar o capital da facção no mercado formal, abrir empresas de verdade, marcas que pudessem crescer, que ganhassem prêmios, selo de sustentabilidade, que aparecessem na TV como exemplo de superação. Eu fui um dos escolhidos para começar isso. Já tinha subido na hierarquia, tinha disciplina, sabia me expressar bem. Eles viam em mim alguém que poderia transitar entre os dois mundos, o da quebrada e o do empresário. Só que o que eu não sabia é que essa transição ia me custar a alma. Começou com uma empresa pequena, um mercadinho no centro de São Paulo, tudo certinho no papel, CNPJ, contador, nota fiscal, dinheiro limpo entrando e saindo. Mas o capital inicial veio direto da fronteira, grana do tráfego, e ninguém questionava, porque quem recebia também levava a parte. O segredo, aprendi rápido, era fazer parecer legítimo, porque no fim das contas ninguém quer saber de onde veio o dinheiro, só se ele rende. Com o tempo, o mercadinho virou distribuidora. Depois, vieram as lojas de roupa, as marcas conscientes, com discurso de inclusão, empregando ex-dentos para ganhar a simpatia da mídia. A verdade, os donos por trás nem sabiam o que era resgatar ninguém. Era tudo fachada e eu eu ajudava a construir isso. Era uma sensação estranha. Por fora, eu era um empresário respeitado. Andava de blazer, falava bonito, dava entrevista. Por dentro, continuava respondendo à sintonia, passando porcentagem, lavando milhões, tudo de forma que nem a receita, nem o Ministério Público, nem ninguém pudesse provar, porque tecnicamente tudo estava certo. Só que o coração daquilo era o crime pulsando disfarçado de oportunidade. Eu olhava para minha mãe, agora morando bem, sem faltar nada. Meus filhos com escola boa, plano de saúde, até viagem paraa Europa, tudo que eu não tive. Eu dei, mas à noite o travesseiro não mentia e lá no fundo eu sabia. Era questão de tempo até alguém querer minha parte ou me fazer calar. O que eu tô contando aqui ninguém tem coragem de falar, porque quem fala some e quem sabe finge que não sabe. Mas agora é tarde para mim. Já tô fora, longe. E talvez essa seja minha última chance de limpar um pouco da sujeira que ajudei a espalhar. E não, isso aqui não é só sobre mim, isso é sobre o Brasil inteiro, que compra produto de fachada, frequenta lugar financiado por sangue e nem desconfia. O PCC entendeu que a guerra se vence com nota fiscal, não confuziu. E você nem percebeu quando perdeu. Se alguém me dissesse anos atrás que o PCC ia deixar de lado o fuzil para segurar um contrato social, eu teria rido. Mas a verdade é que a mente por trás da facção entendeu uma coisa que mudou tudo. O Brasil não se domina com bala, se domina com empresas, com CNPJ, com nota fiscal quente lavando sangue frio. Foi num desses encontros em um sítio afastado, perto de Campinas, que escutei pela primeira vez o termo capital protegido. Um dos cabeças da sintonia falou, olhando nos nossos olhos: “A guerra agora é outra. Quem continuar pensando como bandido de rua vai ser descartado.” O recado era claro. Ou a gente subia de nível ou virava estatística. A estrutura já estava sendo montada. advogados pagos à base de ouro, contadores especializados em engenharia tributária e até exauditores da receita que agora jogavam no nosso time. Tudo para garantir que o dinheiro sujo saísse limpo do outro lado. E qual era o caminho mais eficaz? Criar empresas de fachada que vendiam um produto real, com lucro real, só que todo o capital de giro vinha do tráfico. O resultado? Um império legalizado com a alma podre. Eu fui designado para abrir a primeira cadeia de lanchonetes da facção. O nome era simpático, o cardápio simples, o atendimento padrão. A ideia era atingir bairros de classe média e gerar boa reputação. Com o tempo, vieram franquias. E o detalhe, todos os franquados eram laranjas. Gente simples, endividada, que assinava contrato sem saber que estava lavando grana da facção. Não parou por aí. Criamos marca de roupa com discurso social, dizendo que era produzida por ex-dentos com campanhas de marketing tocando no emocional das pessoas. Tinha até documentário, parceria com influencers, programas de TV elogiando a inclusão social promovida pela empresa. O público aplaudia emocionado. Enquanto isso, cada peça vendida era uma conta bancária lavada. O crime sorria no camarim. A lavagem evoluiu. Começamos a participar de licitações públicas através de empresas terceirizadas, limpeza urbana, segurança patrimonial, fornecimento de merenda escolar, tudo feito dentro da lei no papel. Por trás, contratos superfaturados, propinas bem distribuídas e a grana suja ganhando carimbo de origem nobre. O mais surreal era ver como as portas se abriam quando a grana entrava certinho. Vereadores, prefeitos, secretários, todo mundo tinha um preço e a facção pagava. Às vezes nem era preciso ameaçar. Bastava oferecer um apoio de campanha, um cargo comissionado, uma viagem, uma promessa de que ninguém ia investigar. As ONGs também viraram ferramenta. Patrocinávamos projetos sociais em comunidades, construíamos centros culturais, fazíamos festas beneficentes com logotipo da marca no banner e com isso ganhávamos o selo de empresa cidadã. Alguns líderes comunitários eram, na prática, coordenadores do nosso braço empresarial. Ganhavam comissão, repassavam informação e ainda apareciam na TV como referência em ação social. Eu comecei a perceber que o Brasil era um terreno fértil para esse tipo de negócio. Um país onde a burocracia é confusa, a fiscalização é fraca e os valores são flexíveis. Onde o dinheiro certo nas mãos certas, compra silêncio, respeito e até prêmios. A facção crescia sem disparar um único tiro, só com inteligência, disfarce e uma linguagem que agradava os dois lados, o do crime e o da lei. Mas essa ascensão teve um custo. A cada conquista, a cada loja aberta, eu me sentia mais distante do moleque que fui, o cara que vendia trufa na rua para ajudar em casa. Eu via meus filhos estudando inglês, minha esposa sorrindo com a casa nova, mas dentro de mim algo apodrecia, porque eu sabia que tudo aquilo tinha o cheiro da morte de outros. E o mais perigoso é que a maioria da sociedade não quer saber a origem do sucesso. Desde que a loja seja bonita, o produto seja bom e o discurso seja bonito, ninguém questiona. O consumidor fecha os olhos e é assim que o PCC comprou o Brasil. com cartão de crédito, não com armamento pesado. A guerra silenciosa que eu vi de perto é mais perigosa do que qualquer confronto com a polícia, porque enquanto a bala chama manchete, o dinheiro calado corrompe tudo ao redor. E nesse jogo, quem perde é sempre quem não vê. Muita gente acha que o PCC ainda vive no tempo de esconder dinheiro em saco plástico ou dentro de pneu. Mas o que ninguém vê e poucos têm coragem de contar é que o verdadeiro poder da facção hoje está nos bastidores de empresas conhecidas. Sim, dessas que anunciam na televisão, tem loja em shopping e até ganham selo de sustentabilidade. Eu entrei direto nessa engrenagem. Fui encarregado de fazer a ponte entre a firma e o setor privado. A ordem era clara: aproximar, investir e, se necessário, assumir. A facção já tinha grana de sobra e não queria mais deixar o dinheiro parado. A estratégia era simples e quase invisível: investir em pequenas e médias marcas em ascensão, injetar dinheiro como se fossem sócios anjos e depois assumir o controle por dentro silenciosamente. Uma dessas marcas vendia cosméticos naturais. Começou com produção caseira, ganhou espaço nas redes sociais e explodiu nas vendas. A gente chegou oferecendo ajuda para crescer. Criamos CNPJS, abrimos novas unidades, colocamos laranjas no administrativo. Em 2 anos, a empresa tava em grandes drogarias do país. E parte do lucro, lavagem pura. Ninguém desconfiava. Quem iria suspeitar de uma empresa vegana que planta árvore em comunidade carente? Outro caso foi uma rede de clínicas populares. Era o cenário perfeito, grande fluxo de dinheiro, alta rotatividade de funcionários e pouca fiscalização. Abrimos unidades em várias cidades, principalmente na periferia. De fora era um projeto louvável, mas por dentro a clínica servia como rub de movimentação financeira e pior como local de inteligência. Ali a gente coletava dados, escutava conversas, monitorava lideranças comunitárias, até rastreava policiais, tudo com a desculpa de oferecer atendimento médico. E não era só isso. Restaurantes famosos, marcas de roupa descolada, empresas de marketing digital, aplicativos de transporte. Tudo isso teve em algum momento um sócio oculto com ligação direta à facção. E você pode pensar, mas ninguém descobriu. Descobriram, sim. Alguns jornalistas investigaram, bateram na trave, mas quando começaram a se aproximar demais, ou recebiam ameaças sutis, ou eram contratados para consultorias bem pagas. E se não aceitassem? Bom, alguns sumiram das redações. Teve uma vez que um promotor tentou abrir investigação sobre uma rede de supermercados que estava claramente envolvida com capital ilícito. O nome da rede aparecia em movimentações com empresas fantasmas e depósitos de valores incompatíveis. No outro dia, o promotor recebeu uma ligação anônima avisando o nome completo dos filhos dele, onde estudavam e os horários da escola. No dia seguinte, o processo foi arquivado por falta de provas. Essas marcas ganham prêmios, fazem parcerias com ONGs e são queridinhas da mídia. Enquanto isso, dentro dos bastidores, há reuniões onde se decide onde o dinheiro vai ser lavado, quais contratos vão ser fechados e quais políticos devem ser apoiados na próxima eleição. É uma mistura de narcoimpresa com máfia empresarial. Eu me lembro de um evento beneficente em Lisboa, organizado por uma dessas marcas com fachada social. Lá estavam artistas, políticos, empresários, todo mundo sorrindo pra câmera. No camarim, um dos líderes da facção passou por mim e sussurrou: “Tá vendo? Hoje a gente não precisa mais de fuzil, basta um blazer e uma taça de vinho.” E o pior é que ele tava certo. O crime organizado entendeu o sistema melhor do que os próprios donos do sistema. Eles não querem mais explodir bancos, querem ser donos dos bancos, não querem mais assaltar cargas, querem ter as transportadoras, não querem mais subornar político, querem eleger o político. Quando percebi isso tudo, me deu nojo, porque eu vi que a luta não era mais só contra o tráfico ou a violência, era contra uma teia invisível, onde o dinheiro criminoso se misturava ao capital de investimento, ao mercado formal, a economia que sustenta o país. Era uma metástase silenciosa e o Brasil era o corpo sendo invadido. A cada marca do bem que aparecia nos comerciais, eu me perguntava: “Será que essa também tem o dedo da facção?” E aí eu entendi que o verdadeiro perigo não tá no que o PCC mostra, tá no que ele esconde. E é isso que ninguém se atreve a contar. Se tem um lugar onde o PCC cresceu sem que ninguém percebesse ou fingisse não perceber, foi na política. Durante muito tempo, eu mesmo acreditava que os caras estavam limitados aos presídios, aos becos e aos becos da periferia. Mas quando você sobe de cargo na hierarquia, você entende que o jogo verdadeiro acontece nas câmaras legislativas, nos gabinetes com ar- condicionado e nos jantares discretos em Brasília. Eu mesmo participei de um desses jantares. Era um restaurante fechado em Lisboa, longe dos olhos da imprensa. Na mesa, três figuras públicas do Brasil, dois empresários com negócios no ramo de transportes e energia e um dos advogados da firma. Eu fui levado como segurança disfarçada, mas ouvi tudo. A pauta era simples, dinheiro de campanha em troca de favores futuros. E não era centavo, era cifra de sete dígitos em euro. A lógica era clara. O PCC percebeu que não precisava mais pressionar político com ameaça. Bastava financiar o certo no momento certo e ter o retorno depois em forma de leis brandas, cortes de verbas em determinadas investigações ou até nomeações de juízes e delegados de confiança. Teve um caso emblemático que me marcou uma candidata à deputada estadual com discurso de comunidade e justiça social. Ela era popular na quebrada, cresceu com apoio real das bases, mas sua campanha estava quebrada e a gente entrou com a tal ajuda. Pagamos gráfica, comício, impulsionamento digital, tudo sob nome de ONG intermediária. Ela ganhou e uma semana depois da posse, um projeto de lei que dificultava investigações financeiras foi pro plenário. Adivinha quem votou a favor? Essas conexões são montadas como teias. Não se trata só de comprar o político, mas de financiar os aliados dele, os assessores, os coordenadores de campanha. O esquema inclui empresas que fazem doações legais e depois são recompensadas com contratos públicos. Tudo com aparência de legalidade, tudo dentro do sistema. E sabe o que é mais assustador? Alguns desses políticos nem sabem que estão sendo manipulados por uma organização criminosa. Acham que estão lidando com empresários ousados, investidores arrojados. ou onges comprometidas com a periferia. A fachada é perfeita, mas os mais perigosos são os que sabem, aqueles que negociam de igual para igual, que sentam com a liderança da facção e perguntam: “O que vocês querem em troca?” Teve um prefeito em uma cidade estratégica no interior de Portugal que nos procurou diretamente. Queria apoio logístico para resolver problemas de segurança no bairro mais crítico da cidade. Ofereceu proteção policial em troca de paz nas ruas. Desde que a movimentação continuasse de forma discreta, ele chegou a usar o termo gestão compartilhada da ordem pública. Foi aí que eu percebi, o estado estava negociando com o crime como se fosse um sócio. E não era só ele, um ex-secretário de segurança já aposentado, nos ajudava a indicar nomes para cargos técnicos. Um delegado federal recebia grados mensais para evitar operações em certos portos. Um coronel do exército fazia vista grossa pro uso de uma base abandonada como entreposto. Todo mundo ganhava e o povo, o povo só via estavam tranquilas, mas essa tranquilidade era paga com silêncio. A facção entendeu que o segredo não era combater o sistema, era entrar nele silenciosamente como um vírus e uma vez lá dentro crescer, ganhar espaço, mudar decisões, alterar destinos e fazer isso sem barulho, sem manchete, sem sangue na calçada. Porque hoje poder mesmo é o poder de mandar sem parecer que mandou. E é por isso que eu conto isso agora, porque o verdadeiro domínio do PCC não tá só nas ruas, nos presídios ou nos becos, tá nas câmaras, nos escritórios de advocacia, nos gabinetes de vereadores, nas licitações públicas. Tá na política que você vota achando que é limpa. Hoje muita gente acha que tá escolhendo o novo, mas sem saber tá votando no braço político do crime e quando perceber, talvez já seja tarde demais. De todas as estratégias usadas pelo PCC nos últimos anos, nenhuma foi tão eficaz quanto o uso das ONGs. No começo, eu também achava que isso era a teoria da conspiração, coisa de gente paranoica, mas bastou entrar de verdade nos bastidores da facção para entender como as chamadas organizações da sociedade civil viraram o maior escudo já criado contra a justiça. Primeiro, é importante deixar claro, nem toda ONG é fachada. Tem muita gente séria que dá a vida para ajudar os outros, mas a verdade crua é que algumas foram criadas, financiadas e controladas diretamente pelo crime. E o mais absurdo, converba pública. Em 2018, eu estava presente numa reunião em São Paulo com um grupo de advogados, empresários e um dos líderes da quebrada. O objetivo era fundar uma nova associação de promoção de direitos humanos. No papel, a ONG ia dar suporte a famílias de presos, oferecer oficinas para jovens em situação de risco e atuar em territórios vulneráveis. Tudo bonito, tudo emocionante para comover jornalista. Na prática, a ONG virou canal de lavagem de dinheiro, ponto de recrutamento e até refúgio jurídico. A grana que entrava por meio de editais e convênios públicos era desviada para financiar a estrutura da firma, aluguel de casas de apoio, pagamento de transporte, compra de celulares até manutenção de advogados da quebrada. A prestação de contas manipulada com documentos friamente fabricados por contadores parceiros. E quando alguém da imprensa desconfiava, a ON acionava o discurso pronto. Estão criminalizando o trabalho social nas periferias. Quando a polícia tentava agir, denúncia de abuso de autoridade, perseguição política, racismo estrutural. Tinha um jurista famoso que era constantemente convidado para dar palestras nessas organizações. Um dia ele me perguntou, sem saber da minha posição dentro do esquema, porque aquela ONG em específico parecia ter tanta proteção. A resposta era simples. Ela era parte do PCC e era usada para calar a boca de quem ousasse bater de frente. Mas o mais perigoso mesmo era como essas ONG se infiltravam nas discussões legislativas. Com o discurso de defesa de direitos. conseguiam impedir votações de projetos de endurecimento penal. Em reuniões fechadas no Congresso, os representantes dessas ONGs, financiadas pela firma, pressionavam deputados, ameaçavam expor abusos e criavam dossiê contra adversários. Tudo isso para garantir que nenhuma mudança legal atrapalhasse o funcionamento da cadeia. Eu participei de pelo menos três operações de fachada em Lisboa, onde ONGs registradas no Brasil eram usadas como pontes diplomáticas para entrada de assessores comunitários, que na prática eram braços da organização mapeando as favelas e zonas portuárias de Portugal. E o mais inacreditável, com apoio de organismos internacionais por meio de cooperações culturais e projetos de integração. Lembro de uma visita que fizemos ao bairro da Cova da Moura. Estávamos ali para entregar kits de higiene e fazer mapeamento de vulnerabilidades. Mas na real, fomos ali para negociar com lideranças locais o uso do bairro como zona de descanso para os nossos pombos. Os correios humanos que transportavam cápsulas no estômago entre África, Brasil e Europa. E se alguém tentasse barrar, era acusado de xenofobia, de criminalizar a pobreza. O discurso social virou a melhor arma do crime, invisível, eficiente, inquestionável. O PCC entendeu cedo que no mundo de hoje quem controla a narrativa controla tudo. E se a narrativa for de luta pelos direitos, então ninguém se atreve a contestar. Ninguém quer parecer do lado errado da história. E assim, aos poucos, fomos blindando operações com camisetas de voluntários, pastas cheias de projetos sociais e fotos com artistas e influenciadores que nem imaginavam com quem estavam lidando. É por isso que eu digo, o poder da facção não tá mais só na força ou no terror, tá na inteligência de se esconder por trás do bem, de usar a bondade como escudo e de transformar o discurso de justiça num disfarce perfeito pro domínio do crime. Se tem uma coisa que me fez entender o nível que o PCC atingiu foi quando eu sentei pela primeira vez numa sala de reuniões dentro de um prédio comercial no Itaim Bibi. Ali longe da quebrada, sem nenhuma arma à vista, sem cheiro de pólvora, sem correria, era onde o jogo de verdade acontecia. Nesse dia, eu fui levado por um dos coordenadores do setor jurídico paralelo, como a gente chamava. Na mesa, cinco homens bem vestidos, falando baixo, mostrando gráficos no notebook e usando termos que eu mal conhecia. Eram os gestores da Frente Empresarial da firma. “Não dá mais para depender só do pó”, disse um deles. “O futuro da organização é o Capital Limpo.” E foi aí que entendi o tamanho da virada de chave. Esses caras tinham empresas registradas em nomes laranjas, distribuidoras de bebidas, empresas de segurança, construtoras, franquias de lavanderias, até fintechos e startups de serviços digitais. Tudo perfeitamente legalizado, pagando impostos com CNPJ e selo azul do governo. O objetivo lavar dinheiro, claro, mas não só isso. A ideia era construir um ecossistema de empresas que com o tempo, se tornassem autossuficientes e servissem como fachada para controle de territórios. Vou te dar um exemplo. Em uma cidade do interior de Portugal, eles abriram uma rede de delivery de comida, investimento de fachada, funcionários registrados, motos adesivadas, site profissional. Só que 80% das entregas noturnas não eram de comida, eram de entorpecentes. E os motoboys, quase todos imigrantes com passagem pela quebrada de SP, obedeciam ordens diretas da hierarquia da firma. O sistema era tão eficiente que as autoridades nem desconfiavam. Afinal, quem suspeitaria de uma empresa premiada por inovação em delivery sustentável? Outro caso, uma franquia de salão de beleza de alto padrão em Cascais. As donas, duas mulheres elegantes que circulavam em eventos de moda. Mas no subsolo do salão funcionava uma central de monitoramento dos pontos de venda de droga em Lisboa e Porto, com câmeras e comunicação criptografada. A inteligência era tamanha que até empresas de segurança privada eram adquiridas. Com isso, a firma tinha acesso a sistemas de vigilância de condomínios de luxo e galpões logísticos. Conseguia saber antes da polícia quando uma batida era preparada. E mais, em muitos casos, os próprios vigilantes faziam parte do esquema. E aí vem o mais assustador. Essas empresas começaram a receber contratos públicos por meio de editais superfaturados. ganhavam licitações para fornecer serviços ao governo, principalmente em áreas de manutenção urbana e segurança patrimonial, dinheiro limpo entrando na organização, com carimbo oficial do Estado, quem assinava os contratos, muitas vezes prefeitos e secretários que deviam favor que estavam diretamente comprados. Tinha um caso específico numa cidade do interior paulista, onde o prefeito era praticamente um funcionário da firma. Toda semana ele se reunia com o representante e recebia um bônus mensal para garantir estabilidade institucional. Essas conexões chegaram até Portugal. Com a expansão dos negócios legais, abriram sociedades mistas com empresários locais. Alguns sabiam com quem estavam lidando, outros não. E uma vez dentro do circuito econômico, a firma passou a influenciar até decisões de urbanismo, tentando direcionar zonas de investimento para áreas onde já tinham domínio territorial. Eu participei de reuniões com assessores políticos portugueses, onde as discussões sobre integração de comunidades brasileiras serviam como pano de fundo para criar áreas de controle comercial do PCC. Era tudo maquiado como empreendedorismo de imigrantes. O mais irônico é que muitos desses empresários davam entrevistas falando sobre superação e transformação social. E de fato, a transformação era real, só que da criminalidade para o colarinho branco. É isso que ninguém quer enxergar. O PCC não é só uma facção criminosa, é uma holding com departamentos, estratégias de expansão internacional, setor de marketing e gestão de risco. Não precisa mais disparar um tiro, porque agora tem um exército de advogados, contadores, laranjas e até Cor. E o mundo dos negócios virou o novo campo de guerra. Você pode imaginar que o poder de uma organização criminosa se mede pela quantidade de armas que ela tem, pelos quilos de droga que ela movimenta ou pelos territórios que ela domina. Mas vou te contar uma verdade que aprendi do jeito mais sujo possível. O verdadeiro poder está em quem assina papéis. Está na caneta. E a caneta pode ser mais letal que qualquer fuzil. Foi quando percebi que o PCC não se contentava mais em dominar as ruas. Eles queriam dominar as instituições e não era apenas uma questão de corrupção, era infiltração estratégica, um projeto bem pensado, de longo prazo, com metas definidas e muita grana envolvida. Começou pequeno. Um guarda municipal que aceitava uma mesada para não incomodar os pontos de venda, um escrivão que fazia vista grossa nos be, um policial rodoviário que avisava sobre blitz nas estradas. Tudo silencioso, pontual, controlado, mas com o tempo a estrutura cresceu. Vieram os cargos comissionados, os assessores parlamentares, os fiscais de prefeitura, os juízes substitutos de pequenas comarcas, gente que, com o empurrãozinho financeiro, passava a prestar favores. Nada muito explícito, às vezes só um processo que sumia do sistema, uma denúncia que era arquivada por falta de provas, um laudo que se atrasava. Lembro bem de uma reunião na zona leste, num escritório de advocacia disfarçado, onde um dos líderes do setor de articulação institucional, como eles chamavam, explicou com clareza: “O sistema não precisa ser derrubado, basta ser engolido.” E estavam conseguindo. O método era baseado em três pilares: suborno, cooptação e chantagem. Subornavam quem se vendia fácil, cootavam quem tinha ambição e gostava de poder e chantagiavam quem tinha esqueleto no armário. E olha, tem muito esqueleto por aí. Teve um delegado, por exemplo, que se envolveu com uma amante que, sem saber era ligada à firma. Depois de alguns encontros, ele foi filmado. Fotos, vídeos, áudios. Bastou uma ligação com voz calma. Doutor, se o senhor quiser que isso nunca venha à tona, basta fazer a coisa certa. E ele fez por anos, informava operações, desviava provas, sugeria prisões de rivais. Um promotor que batia de frente foi vítima de um dossiê falso. Recebeu uma denúncia anônima, caiu numa armadilha e acabou afastado por suspeitas de corrupção. Nunca provaram nada contra ele, mas a carreira foi destruída. Enquanto isso, o substituto dele era parceiro da firma. E o que dizer de certos políticos? Em Lisboa? Assisti pessoalmente a um jantar onde um empresário laranja do PCC fechou um acordo com o deputado português. O tema oficial era apoio à cultura brasileira na Europa, mas ali foi selado o compromisso de liberação de verbas para ONGs ligadas à firma disfarçadas de centros de apoio comunitário. Essas ONGs recebiam recursos públicos e, na prática serviam como centros logísticos e de lavagem de dinheiro. Mais que isso, ofereciam benefícios sociais a moradores de comunidades vulneráveis, criando uma imagem de ajuda que mascarava completamente a verdadeira origem dos fundos. E quando alguém começava a desconfiar, vinham as ameaças silenciosas, às vezes um recado escrito no para-brisa, um envelope na porta de casa, uma ligação com voz mascarada. E na dúvida, muitos recuavam porque sabiam o braço do PCC era longo, longo o suficiente para alcançar qualquer canto do sistema. O mais perigoso é que essa infiltração cria uma falsa sensação de legalidade. A população acha que tudo está funcionando, que as instituições estão de pé, que a justiça é cega, mas por dentro o cupim já corroeu as estruturas e quando o prédio cair, ninguém vai entender como aconteceu. Essa foi a parte que mais me destruiu por dentro, porque percebi que não era só bandido contra a polícia, era o crime se misturando com o estado. E quando isso acontece, não dá mais para saber quem está de qual lado. Eu, como ex-integrante, posso dizer: “O maior inimigo do PCC não é o BOPE, nem a Interpol. É a verdade. Porque se o povo souber o que está acontecendo debaixo do nariz dele, talvez finalmente acorde, ou talvez seja tarde demais. Se tem uma jogada que eu considero genial e ao mesmo tempo monstruosa, foi a forma como o PCC se apropriou das ONGs, porque aí não era mais só tráfico, extorção ou lavagem de dinheiro, era engenharia social, era manipular a percepção pública, ganhar moral diante da sociedade, principalmente blindar as operações mais sujas com o escudo de boas intenções. No começo, eu também não entendi. Gente olhava pra ONG como coisa de gente de terno, universitário, ativista com camiseta de causa. Mas o comando lá de cima começou a investir pesado, criar fundações, abrir CNPJS com nomes bonitos, contratar advogados, montar estatutos, registrar tudo direitinho, tudo legal, tudo aparentemente dentro da lei. A lógica era simples. Uma ONG pode captar dinheiro público, receber doações, fechar parcerias com empresas e governos e quase ninguém fiscaliza de verdade. E mais, se alguém questiona, vira um inimigo da causa. Porque as ONGs teoricamente estão ajudando o povo. Estavam mesmo, só que por trás da ajuda vinha o controle. Teve uma em São Paulo, na zona norte, que trabalhava com ressocialização de jovens em situação de risco. Recebia verba de secretarias estaduais, tinha apoio de deputados progressistas e até aparição na televisão. Mas a verdade é que ali era um centro de recrutamento. Pegava moleque de 14, 15 anos, treinavam para ser avião, depois olheiro, depois soldado e tudo sob o selo da reintegração social. Em Lisboa, ajudamos a abrir uma associação cultural de imigrantes brasileiros. O nome era bonito, a missão mais ainda, mas os eventos culturais eram fachada. O aluguel do espaço era feito por um laranja. No fundo, o local era depósito de droga, reunião de comando e centro de lavagem com venda de produtos artesanais falsificados. Ainda por cima, ganhávamos apoio de políticos portugueses que tiravam foto com a faixa da ONG, sem nem saber o que estava por trás. Essas organizações viraram máquinas de blindagem, porque bastava alguém tentar investigar que o discurso era o mesmo. Vocês querem criminalizar o trabalho social. Vocês estão perseguindo quem ajuda a periferia. E a mídia, que adora um símbolo de resistência, muitas vezes caía na narrativa. A coisa foi tão longe que conhecia um advogado, militante de direitos humanos, que jurava estar ajudando comunidades marginalizadas, sem saber que era financiado pela firma. Ele fazia lobby, abria portas, dava entrevistas, batia na polícia e tudo com base no que a gente pedia. Era uma peça importante no xadrez, um peão com fala mansa. Aí vem o mais perigoso. Quando se mistura causa com crime, o povo comum começa a defender bandido, achando que está lutando por justiça. E o PCC sabia disso. Sabia que podia vestir a capa do defensor do povo e confundir até os bem intencionados. E funcionou. Funcionou tão bem que por um tempo até eu acreditei. A gente pintava a escola, distribuía cesta básica, fazia evento de dia das crianças com palhaço e algodão doce e por trás usava os mesmos caminhões para transportar droga. Dava aula de reforço escolar e usava os computadores para acessar dados de moradores e mapear vulnerabilidades. Montava oficina de costura e escondia a arma nos rolos de tecido. Tudo em nome da transformação social. A verdade é que essas onges viraram uma teia. Algumas sabiam da origem do dinheiro, outras fingiam que não sabiam, outras realmente acreditavam estar fazendo o bem, mas todas estavam dentro do jogo, porque o PCC tinha aprendido a dominar um novo território, o simbólico. A partir do momento que uma facção criminosa consegue controlar a narrativa pública, ela não precisa mais impor medo com fuzil. Ela faz isso com palavras, com vídeos bonitinhos, com relatórios bem escritos, com parcerias governamentais. É o crime de terno e gravata, o crime que senta em conferência internacional para falar de inclusão e que no mesmo dia autoriza a execução de um desafeto com o tiro na nuca. Enquanto isso, o povo continua acreditando que está sendo representado, quando, na verdade, está sendo manipulado, alimentado com migalhas para não perceber que quem realmente está no comando é o crime organizado. E quando você tenta alertar, te chamam de preconceituoso, reacionário, inimigo da periferia. Foi aí que eu percebi que sair do PCC era mais do que largar a arma, era tentar recuperar minha consciência e talvez seja tarde para mim. Mas se esse relato tocar alguém, só uma pessoa que seja, já valeu ter sobrevivido até aqui para contar. Portugal foi só o começo, uma porta de entrada, um laboratório. E quando a gente viu que dava certo ali, o plano ficou mais ambicioso, conectar o PCC com outros grupos da Europa, da África e até do Oriente Médio. Foi nesse ponto que percebi que aquilo não era mais uma facção brasileira, era uma rede transnacional, uma máquina que operava em silêncio, usando diplomacia criminosa, inteligência e alianças no subterrâneo do poder global. Eu fui enviado para reuniões com representantes de outras organizações que até então eu só tinha ouvido falar em noticiário. Grupos da Albânia, da Turquia, da Nigéria. Não era papo de boca de fumo, era reunião em restaurante caro, com tradutor do lado, planilha na tela, projeção de lucros. O tráfico de drogas era só uma fatia do bolo. O resto envolvia tráfico humano, mineração ilegal, venda de documentos falsos, criptomoedas. Remessas internacionais e uso de empresas de fachada em paraísos fiscais. Em Lisboa, nos encontramos com um intermediário ligado a um grupo de fachada do Oriente Médio. Diziam que era organização humanitária, mas nos bastidores ofereciam proteção de carga, rotas marítimas seguras e acesso a mercados fechados, tudo com selo de ajuda internacional. A África virou outro ponto estratégico. Países com fronteiras porosas, autoridades facilmente subornáveis, moeda desvalorizada, Angola, Guinebal, Moçambique. Lugares onde o português facilitava a comunicação e os laços históricos abriam portas. Lá, o PCC começou a operar em parceria com máfias locais, criando corredores de entrada para cocaína da América do Sul, que passava despercebida sob o pretexto de produtos agrícolas. Na Espanha, a parceria era com grupos de lavagem de dinheiro e contrabando de eletrônicos. Em troca, eles ofereciam documentação europeia para membros da cúpula, que assim circulavam com identidade limpa. Na Itália, teve tentativa de aproximação com famílias mafiosas tradicionais. Algumas recusaram, outras viram vantagem em terceirizar a violência para uma facção sem histórico por lá. O que antes era um sistema baseado em comando de cadeia, agora tinha cara de consórcio internacional. A liderança do PCC entendeu uma coisa que poucos criminosos percebem. Poder de verdade não vem só da força bruta, vem da informação, vem da articulação, vem de saber onde pressionar, onde recuar e quem pagar para ficar em silêncio. E foi aí que os políticos começaram a entrar na jogada. A facção começou a financiar campanhas em países onde brasileiros votam no exterior. Usavam ONGs, empresas amigas, grupos culturais. Em troca, exigiam leis mais brandas, blindagem jurídica e nomeações convenientes em postos estratégicos. Em certos países da Europa, delegados e promotores nem desconfiavam que estavam recebendo indicações de nomes ligados indiretamente à facção, mas estavam. Na Interpol, o PCC já tinha codomes, mas mesmo assim os grandes chefes andavam livres. Sabe por quê? Porque não era mais preciso se esconder nas sombras. Eles estavam nos hotéis cinco estrelas, nas reuniões de negócios, nas galerias de arte, lavavam a imagem junto com o dinheiro. Eu fui testemunha de um acordo feito com uma rede de empresas na Suíça. Usavam arte, vinho e antiguidades para circular milhões sem levantar suspeita. Um dos chefes me disse: “A arma do futuro é o luxo. Quem domina o luxo domina o desejo. E quem domina o desejo domina o mundo foi ali que eu entendi. O PCC não queria só o Brasil, queria o planeta, mas não com tanques, não com tiros, com influência, com acordos, com alianças invisíveis que passam por baixo das mesas dos tratados internacionais. E isso é o mais perigoso, porque quando o crime se profissionaliza, ele para de parecer crime, vira sistema, vira parte da engrenagem e quem tenta sair, como eu, é visto como traidor de algo que já virou instituição. Hoje, ao contar isso, sei que estou assinando minha sentença, mas precisava mostrar, precisava que as pessoas entendessem que não estão mais lidando com uma gang, estão lidando com o poder paralelo, silencioso, estratégico e global. E o pior é que muitas vezes ele já está sentado na mesma mesa de quem deveria combatê-lo. Chegando ao fim desse relato, me pego encarando uma verdade que por anos eu me recusei a enxergar. O PCC venceu não no sentido tradicional de tomar o Congresso ou declarar uma revolução. Eles venceram porque entenderam algo que a maioria das pessoas comuns ainda não percebeu. O verdadeiro poder é aquele que não parece perigoso, é o que se disfarça de normal, de rotina, de sistema. A facção não é mais só uma facção. Ela se transformou numa organização de inteligência, numa rede de influência que se infiltra onde for mais útil. Não necessariamente onde há mais violência, mas onde há mais oportunidade. E é exatamente aí que mora o perigo. O PCC aprendeu a vencer sem disparar um tiro. Eles não entram arrombando portas. Eles compram as chaves. Não ameaçam jornalistas. financiam veículos paralelos que espalham versões convenientes da verdade. Não enfrentam o estado, se tornam parte dele. O que eu vi, vivi e ajudei a construir foi algo muito além do que a TV mostra com imagens de helicóptero e sirene de fundo. A mídia gosta de mostrar o confronto, a troca de tiros, a operação cinematográfica, mas o que ela não mostra, talvez por medo, talvez por falta de acesso, é a engrenagem oculta que sustenta tudo isso. A teia silenciosa de interesses, favores e dinheiro sujo que amarra ONGs, partidos, empresas, figuras públicas e até autoridades respeitadas. Você acha que é exagero? Então me explica como certos projetos sociais em comunidades controladas pela facção continuam recebendo verbas milionárias sem fiscalização. Me explica como nomes com histórico conhecido continuam sendo contratados por empresas terceirizadas do estado. Me explica como algumas operações da polícia parecem falhar sempre que estão perto de estourar o esquema de alguém protegido. Sabe por quê? Porque o inimigo não está só lá fora. Ele está dentro. dentro dos gabinetes, dentro das instituições, dentro das ONGs com discurso bonito e fundo internacional, dentro dos escritórios que lavam dinheiro como se lavassem carro. E o mais cruel dentro da cabeça de muitos jovens que, como eu fui um dia, se vem sem opção e acabam escolhendo o caminho que parece mais eficaz, mais direto, mais lucrativo. Porque a verdade é que o PCC oferece algo que o Estado não oferece, sensação de pertencimento, reconhecimento e resultado rápido. Eu não estou aqui para me vitimizar. Eu fiz escolhas, escolhas erradas. Me deixei seduzir pelo discurso de poder, pela promessa de respeito e pela ilusão de que com dinheiro tudo se resolve. Vi muita gente morrer, vi famílias destruídas, vi inocentes usados como escudo. E no fim percebi que quem se alia ao crime, mesmo nas esferas mais altas, nunca sai ileso, nem por dentro, nem por fora. Hoje eu vivo escondido, com medo, com vergonha, mas também com a necessidade de falar. Porque enquanto o silêncio persistir, o sistema continua funcionando. E enquanto as pessoas acreditarem que o problema do crime é só nas ruas escuras e nas vielas, o verdadeiro domínio vai se expandindo nos escritórios com ar- condicionado, nas reuniões com pauta social, nas instituições que deveriam proteger e não pactuar. Se você chegou até aqui ouvindo esse relato, eu te peço uma coisa: pare de aceitar o superficial. Questione, investigue, olhe além do discurso bonito e da propaganda institucional. Nem tudo que brilha é progresso, às vezes é só a fachada de algo podre. E, principalmente, exija do seu voto, da sua cidade, da sua polícia, dos seus representantes. Exija transparência, exija integridade, porque o único jeito de que de quebrar esse sistema é trazendo luz para onde só existe escuridão. E o Brasil precisa de luz. Antes que seja tarde demais.