Por que você não sobreviveria ao S3X0 na era medieval | história chata para dormir

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você acha que o sexo medieval era romântico talvez você imagine castelos velas tremeluzentes véus de cetim um cavaleiro cansado de guerra voltando para os braços de uma donzela suspirante a verdade tem menos a ver com paixão e mais com pulgas menos beijos ardentes mais contratos familiares bênçãos e batismos entre pernas uma cama barulhenta de madeira torta um corpo que fede uma promessa de herdeiros era o tempo em que o prazer era suspeito o toque pecado a carne punição mas ainda assim mesmo ali entre regras e repressões o desejo achava brechas entre o cheiro de palha molhada e o ranger das tábuas havia suspiros abafados e segredos agora apague a luz deite-se e prepare-se para mais uma história desconfortavelmente verdadeira hoje você vai dormir ouvindo sobre o sexo na Idade Média ou tentar dormir porque tem coisas que nem o tempo consegue esquecer você acorda com o som de um sino distante não é um despertador é a missa a primeira lá fora o céu é cinza o chão é barro e dentro da sua casa se é que dá para chamar assim o frio corta como faca de pão velho você se mexe na cama de palha ela range o tecido que te cobre pinica foi tecido à mão por alguém com mais calos do que dedos não há colchão nem travesseiro só um amontoado de feno um cobertor de lã áspera e talvez um ou dois ratos dormindo sob ele se aquecendo com seu calor é difícil imaginar o sexo aqui mas ele está em todo canto não na forma como você pensa não há intimidade nem desejo visível há suspiros calados olhares desviados e um medo constante o de ser visto sexo nesse tempo é coisa que se faz entre coxichos e orações você não tem privacidade dorme com a família inteira no mesmo cômodo se tem sorte há uma cortina se tem azar seus pais estão a 2 m de distância e acordados o silêncio é uma cortina obrigatória e os lençóis frios gelados não por falta de paixão mas por falta de fogo literalmente a lareira está distante e ninguém vai desperdiçar lenha com luxúria ainda assim corpos se encontram se tocam à pressas em noites sem lua quando o escuro é cúmplice não por romance mas por necessidade ou ordem o sexo medieval não começa com beijo começa com permissão ou com silêncio forçado na aristocracia você pode ter um quarto talvez até um criado do lado de fora mas até ali o desejo é um risco as paredes escutam os corredores sussurram um escândalo pode custar mais que sua herança entre os camponeses o cenário é mais cru o amor acontece no campo atrás de celeiros no intervalo entre o cansaço e a fome o cheiro é de suor de roupa que não vê sabão à semanas de couro molhado de fumaça de corpos que dormem em suas próprias peles sem sabonetes sem perfumes sem cerimônia e ainda assim algo pulsa ali um desejo empoeirado suprimido maldito mas humano porque o desejo mesmo naquele tempo mesmo naquele frio nunca deixou de existir você não se apaixona você é prometido desde que nasceu seu destino já estava selado numa conversa entre homens de barba suja e dedos manchados de vinho barato seu pai e o pai do outro lado da mesa apertaram as mãos com força selando uma aliança feita de terra gado ou dinheiro inexistente você era apenas um corpo a ser transferido não havia vestido branco havia um lençol branco e ele era mais importante que sua vontade porque no casamento medieval o amor não era um requisito era um risco você tem 12 ou 14 talvez menos já a menstruou então está pronta já tem pelo no rosto já pode ser marido ninguém te pergunta o que você sente eles perguntam o que você vale e ali na cerimônia breve feita com um padre resmungando latim e uma multidão bocejando sua vida muda você agora pertence a outro literalmente a mulher se tornava posse do marido não há poesia nisso e o sexo a ele não vem com flores ele vem com o medo da primeira noite o Jus Prima Noctis aquele direito obscuro raramente comprovado mas sempre temido em que senhores podiam exigir a virgindade da noiva camponesa era mais mito do que regra mas o medo era real na prática a primeira noite era um ritual de estranheza dois estranhos unidos por contrato deitados lado a lado com expectativas pressões e pavor você olha para o corpo do outro é a primeira vez que vê alguém nu ou quase nu porque sim se fazia sexo parcialmente vestido não por pudor mas por frio por falta de hábito por medo de olhar demais a igreja dizia que o sexo era permitido dentro do casamento e só com intenção de procriar prazer só se vier de brinde gemer nem pensar sorrir cuidado isso pode ser lacívia aposição a de missionário era a única aprovada todas as outras eram consideradas aberrações animais e se alguém visse você tentando algo diferente podia acabar confessando pecados com a boca seca de vergonha ou com o corpo marcado por punições porque sim o sexo era confessável padres ouviam histórias de Alcova com a mesma seriedade que houvem hoje crimes fiscais padre ontem eu tentei por trás e o padre três aveas e um banho frio se tivesse sorte você dorme ao lado do seu novo cônjuge vocês não se amam não ainda mas precisam fingir que se gostam pelo bem da família da honra da linhagem você precisa gerar filhos muitos porque metade vai morrer antes de completar 5 anos cada gravidez é uma roleta russa cada parto uma possível sentença de morte e mesmo assim você é cobrada toda noite sem sexo é uma noite de desobediência um desperdício como uma terra fértil não plantada você sente dor não importa você tem medo não importa você não quer não importa nos castelos os casamentos são frios mas vigiados os criados muitas vezes assistem à consumação para testemunhar que o ato ocorreu um pano manchado de sangue é mostrado como prova de que a noiva era virgem não há nada de sagrado nisso só controle e ainda assim alguns casais conseguem escapar do horror há cartas medievais que falam de amor verdadeiro de esposas que sentem saudades de maridos que escrevem poemas desajeitados mas sinceros são raros mas existem como flores nascendo entre pedras os casamentos são longos não há divórcio só anulação e mesmo assim em casos muito específicos como impotência comprovada ou consanguinidade mal calculada brigas muitas sexo forçado dentro do casamento quase sempre mas ninguém chama de estupro porque o corpo da esposa pertence ao marido e vice-versa embora a punição social seja sempre mais pesada para ela você aprende a se calar a aceitar a fingir a cama é lugar de silêncio não de confissão entre os camponeses há mais calor humano mas também mais pressão o casamento serve para manter a comunidade funcionando é contrato é aliança é reprodução você não escolhe com base em afeto escolhe quem pode arar a terra costurar melhor resistir ao inverno amor isso vem depois ou não vem as festas de casamento sim são animadas há vinho música dança há até sexo antes do casamento as escondidas mas se engravida antes o escândalo é inevitável em algumas vilas os casais prometidos podiam se deitar juntos antes da cerimônia para testar a fertilidade sim havia lugares onde se esperava que o casal comprovasse que podia fazer filhos antes de oficializar a união estranho sim mas pragmaticamente medieval e as crianças elas nascem de corpos cansados algumas mulheres engravidam mais de 10 vezes não por desejo mas por falta de opção métodos contraceptivos são incertos e o sexo mesmo dentro do casamento é uma rotina silenciosa sem beijo sem vela sem escolha você fecha os olhos tenta pensar em outra coisa em outra vida mas sabe que vai acontecer de novo amanhã e depois e depois ainda assim há gestos um toque na mão um sorriso tímido um carinho escondido antes do sono com o tempo alguns casais se encontram não nos corpos mas nas rotinas no respeito que cresce como musgo devagar discreto eles não falam: “Eu te amo” falam: “Comi pouco hoje sobrou para você” falam: “Se chover cobro a roupa” falam: “Volte inteiro” é um tipo de amor que não grita mas existe na nobreza o casamento é uma moeda reis casam com meninas de 13 anos por alianças políticas princesas são despachadas como pacotes diplomáticos às vezes nunca mais voltam a ver sua terra natal essas uniões são frias mas perigosas porque se a rainha não engravida ela é culpada mesmo que o rei seja estéril sempre ela e se ela engravida de outro pode perder a cabeça literalmente e quando o amor acontece fora do casamento aí é adultério se for o homem um deslize se for a mulher uma ameaça mulheres adúlteras podiam ser punidas com o exílio a vergonha pública ou até a morte dependendo da região e mesmo assim a bilhetes escondidos poemas em latim mal escrito olhares no mercado corações batendo no escuro a carne era policiada mas o desejo sempre escapava no final o casamento medieval era menos sobre união de almas mais sobrevivência coletiva mas dentro desse arranjo brutal alguns encontravam algo parecido com afeto um consolo um ombro um lençol levemente mais quente não era amor como se idealiza hoje mas era o que se podia ter e às vezes isso bastava você entra na capela o chão é de pedra fria os bancos são duros o ar cheira a incenso e mofo lá na frente uma figura magra e sombria ergue a voz ele fala em latim mas você entende o suficiente entende que você é pecado que seu corpo é culpa que seu desejo é uma armadilha na idade média Deus está em tudo e a igreja maior que reis maior que leis está ali para vigiar até a cama onde você dorme o sexo é permitido claro desde que seja dentro do casamento com a luz apagada sem barulho e com a única finalidade de procriação caso contrário é luxúria um dos sete pecados capitais o tipo de coisa que leva sua alma direto pro inferno onde dizem: “Demônios bem dotados torturam os lacivos com instrumentos que parecem saídos de uma ferraria” você pensa nisso antes de tocar alguém antes de pensar em tocar a si mesmo porque até a masturbação era condenada chamavam de poluição noturna se acontecia durante o sono mas se fosse consciente era crime contra a natureza um desperdício de semente como jogar pão no chão só que pior a igreja não só pregava ela ditava o que era ou não era correto no seu corpo publicava manuais de conduta sexual padres medievais recebiam confissões minuciosas com quem quantas vezes em que posição com que intenção e havia punições específicas para cada desvio um beijo lacivo três dias de jejum sexo em pé cinco orações e uma confissão pública sodomia essa podia levar a fogueira mas o mais curioso é que essa rigidez convivia com a hipocrisia padres tinham amantes bispos tinham filhos escondidos alguns mosteiros viravam antros secretos de experimentação afinal o corpo existe e mesmo sob a batina ele insiste você como fiel tenta se controlar não olha demais não toca não imagina mas a igreja entra até nos seus sonhos o desejo não é só tentação é uma prova e se você falha o castigo pode ser eterno a imagem de Cristo crucificado te observa a Virgem Maria com os olhos baixos e no entanto os vitrais da igreja estão cheios de curvas anjos andrógenos Adão e Eva nus o pecado está até nas paredes há monges que escrevem tratados sobre o sexo como Pedro Damião que no século X condenava a masturbação entre clérigos com palavras tão gráficas que fazem qualquer site adulto parecer catequese outros tentavam entender o desejo justificar racionalizar afinal Deus criou o corpo e com ele o prazer mas o medo sempre falava mais alto e então vieram os penitenciais livros de regras códigos que listavam cada infração sexual possível fez sexo oral 10 anos de penitência usou uma posição não natural 30 dias de pão e água fez amor em dia santo pode esquecer o céu mulheres eram particularmente vigiadas se sentissem prazer demais podiam ser acusadas de feitiçaria afinal o prazer feminino era misterioso imprevisível e portanto perigoso algumas até acreditavam que o orgasmo da mulher era necessário para a concepção isso dava às esposas algum poder mas também muito medo se uma mulher engravidava sem sentir talvez fosse coisa do demônio ou de outro homem e quando falamos da homossexualidade o tom escurece ainda mais era considerada sodomia um termo guarda-chuva para tudo que fugia da heteronormatividade matrimonial punições iam desde penitências longas até execuções públicas e mesmo assim relatos sugerem que havia redes secretas encontros em mercados códigos não ditos o desejo mais uma vez escapando pelas frestas do dogma nos conventos as freiras faziam votos de castidade mas algumas cartas sobreviventes falam de carícias trocadas de beijos noturnos de afetos intensos não havia linguagem para descrever o que sentiam mas havia vontade e onde há vontade há desobediência sexualidade era vigiada até nos sonhos se você acordava molhado devia confessar alguns acreditavam que demônios como o íncubo e a súcubo invadiam os leitos à noite esses seres tinham um pé no folclore e outro na culpa cristã o íncubo homem demoníaco seduzia mulheres dormindo a súcubo mulher infernal montava nos homens com promessas de prazer eram metáforas mas também explicações o desejo era tão inaceitável que só podia ser obra do mal e ainda assim havia concessões um casal casado podia fazer sexo mas se fosse em dia santo era pecado durante a quaresma proibido no domingo melhor não durante a menstruação impuro em períodos férteis sim desde que com intenção séria de gerar filhos o amor que amor entre os teólogos surgiram discussões estranhas santo Agostinho dizia que o sexo era permitido apenas como remédio contra o desejo era melhor casar do que queimar de vontade ou seja o casamento era o freio o sexo o mal menor já São Tomás de Aquino via o prazer com desconfiança até o riso era perigoso imagine o orgasmo mas havia exceções curiosas alguns santos em visões místicas descreveram êxtases espirituais que para os padrões de hoje so incrivelmente sensuais santa Teresa de Ávila falava de um anjo que lhe transpassava com uma lança provocando uma dor doce e uma alegria infinita ela tremia chorava desfalecia era místico mas também físico talvez sem querer ela tenha descrito o único orgasmo permitido na Idade Média o espiritual nos tribunais eclesiásticos o sexo era tema constante homens que não conseguiam consumar o casamento podiam ser levados a julgamento imagine uma sala cheia de padres tentando descobrir se o seu pênis funciona não é exatamente celestial e havia provas um casal sem filhos podia ser obrigado a dormir junto na frente de testemunhas o ato às vezes precisava ser demonstrado com limites claro mas ainda assim invasivo tudo em nome da moral no entanto em cada vila havia exceções em cada cidade havia coxichos algumas abadias se tornavam famosas por suas festas discretas alguns nobres mantinham concubinas algumas prostitutas frequentavam missas sabiam latim confessavam seus pecados semanalmente o corpo era condenado mas nunca ignorado e a arte a arte medieval está cheia de imagens dúbias margens de manuscritos com figuras obscenas mosteiros que esculpiam cenas eróticas escondidas nas colunas catedrais com gárgulas em posições suspeitas era como se no silêncio das pedras o desejo encontrasse uma forma de sussurrar porque no fundo o que a igreja tentava era domar o indomável regular o que é orgânico o que pulsa e talvez até acreditasse que fazia o bem: salvar almas proteger corpos mas o resultado foi outro um tempo em que o sexo foi transformado em medo em culpa em silêncio e ainda assim as pessoas amaram tocaram-se descobriram-se entre uma confissão e outra entre um sermão e um gemido contido entre o pecado e a penetração permitida você acorda com coceira não é uma picada de mosquito são pulgas talvez piolhos talvez percevejos você compartilha a cama com eles e eles compartilham você a roupa de cama é lavada uma vez por estação talvez se muito o lençol carrega o cheiro do mês inteiro de suor de sexo de urina de medo na idade média o cheiro fazia parte da vida mas não como algo a evitar era identidade um corpo sem cheiro era suspeito um corpo limpo demais talvez estivesse escondendo alguma coisa banhos sim existiam mas dependiam da época da classe e da fé em algumas regiões banhar-se era rotina em outras uma raridade os banhos públicos funcionavam como centros sociais e sexuais eram espaços de encontros de negócios de toques mas com o tempo a igreja começou a desconfiar desses lugares gente nua junta molhada parecia provocação divina com o avanço da peste o banho caiu em desgraça havia quem acreditasse que abrir os poros com água quente facilitava a entrada das doenças melhor ficar sujo e fechado melhor feder camponeso ou camponesa trabalha o dia inteiro sua roupa é de lã grossa absorve o suor mas não o libera e você não tem outras roupas dorme com a mesma peça faz sexo com ela enrolada na cintura o corpo nunca está nu está sempre coberto de alguma coisa pano terra lama seca esperma ressecado a pele coa o couro cabeludo é um campo minado mas você se acostuma o cheiro do outro não é ofensivo é erótico é humano ele traz mensagens o suor indica esforço a gordura indica fartura o odor forte é sinal de masculinidade a umidade azeda é sinal de fertilidade não havia desodorante mas havia alho hortelã ortiga esfregada nas axilas tentativas fracassos nos castelos havia mais água mais sabão feito de cinza e gordura animal mas nem por isso mais aceio os nobres se banhavam em tinas mas não todos os dias e nem todos os corpos os pés podiam ficar de fora a genitália às vezes só recebia um pano úmido os cabelos eram cobertos com toucas e lavados com vinagre urina ou infusões de ervas sim urina porque acreditava-se que era um limpador poderoso e de certo modo era os dentes pretos não de care mas de tempo a escovação era feita com ramos de alecrim ou palitos enxaguantes bucais existiam vinho sal saliva mas o hálito era uma arma invisível forte constante inevitável fazer sexo nesse cenário era uma dança de tolerância você se aproxima do outro com cuidado o cheiro chega primeiro a pele depois a calor a fricção há algo que se assemelha a prazer mas há também fungos há verrugas há feridas mal curadas o toque não é suave é úmido pegajoso pegajoso como lenha molhada e mesmo assim a atesão o corpo responde porque o desejo é adaptável ele encontra beleza onde não há perfume ele responde a um olhar a um som abafado a um gemido que escapa entre dentes amarelados as roupas raramente são tiradas o sexo acontece por entre fendas você levanta a saia abaixa as calças de pano cru a pele encosta o atrito queima o cheiro preenche o ar como incenso profano depois não há lenço nem papel você limpa o que pode com a barra da própria roupa ou com palha seca e dorme assim seca assim vive assim nas cidades as prostitutas usam perfumes mas eles são fortes almiscarados feitos de flores seivas sangue de animais o cheiro é doce demais enjoativo atrai e repele mas funciona porque naquele mundo o cheiro bom é o cheiro diferente havia também crenças curiosas acreditava-se que o semmen podia limpar o corpo feminino por dentro que o cheiro do semem do homem forte curava dores que o odor da vagina podia afastar maus espíritos alguns médicos prescreviam banhos vaginais com vinho quente outros recomendavam que as mulheres dormissem com cebolas na genitália para afastar doenças ou maridos dependendo da dose entre as camadas mais pobres a higiene era comunitária você se banhava no rio nu ou seminu homens e mulheres separadamente mas com olhares atravessando as margens o banho era rápido frio a água corria marrom mas era melhor do que nada em tempos de peste o banho era proibido médicos recomendavam perfumes fortes bolsas de ervas penduradas no pescoço máscaras com bicos cheios de cravo e canela os corpos apodreciam por dentro mas cheiravam a flores por fora uma ilusão olfativa um desespero aromático nas aldeias as crianças cheiram a leite azedo os velhos a gordura rançosa as mulheres menstruadas eram consideradas impuras algumas se afastavam da casa durante os dias de sangramento outras dormiam separadas o sangue era medo e poder e o cheiro um aviso mas paradoxalmente esse mundo sujo era também mais íntimo você conhecia o corpo do outro não pelas curvas ou pela estética mas pelo som do intestino pelo calor da respiração pelo jeito como a pele se arrepiava ao menor toque o amor era tátil quase animal sem idealizações via claro quem tentasse melhorar algumas famílias ferviam roupas outras guardavam ervas sobre os travesseiros algumas igrejas distribuíam sabão mas era insuficiente porque o problema não era só a sujeira era o tempo era o conceito de pureza que não passava pela pele mas pela alma o nojo como você o entende não existia da mesma forma o limite entre o suportável e o insuportável era outro porque o corpo naquele tempo era só mais uma ferramenta ele servia para carregar trabalhar parir morrer o prazer era um bônus o cheiro uma constante no entanto havia poesia sim havia algumas cartas medievais falam do cheiro dos cabelos da amada do aroma da pele depois do banho o único do mês do suor do marido como sinal de esforço da maciez do corpo de alguém que milagrosamente não cheirava mal naquele dia pequenas vitórias sensoriais pequenas memórias aromáticas havia também os rituais o banho nupscial a limpeza do corpo antes da morte o uso de flores no leito dos amantes secretos gesto simbólico um último toque de beleza num mundo que fedia a verdade e mesmo nos prostíbulos onde a carne era moeda havia tentativas de encantar lábios pintados com vinho axilas esfregadas com hortelã pernas polvilhadas com farinha para parecerem mais claras sedução na base da improvisação você olha ao redor o mundo é poeira urina e fumaça mas ali no meio do nada alguém sorri para você aproxima-se toca seu braço com cuidado o cheiro é forte mas o olhar o olhar é quente e por um instante isso basta porque mesmo no tempo da sujeira o desejo tinha nariz mas também tinha coração você deita seus olhos estão abertos no escuro porque algo queima por dentro não é febre nem medo é outra coisa uma pulsação uma fome que você não entende mas sente o corpo pede a pele pede o ventre se contrai sozinho e você não sabe se isso é normal só sabe que se alguém descobrir pode ser o seu fim na idade média o prazer da mulher não era só ignorado era temido porque ele não podia ser controlado não era necessário para a procriação não era visível como a ejaculação masculina era algo que acontecia dentro invisível intangível misterioso logo perigoso os médicos da época quase todos homens claro discutiam se a mulher precisava gozar para engravidar alguns diziam que sim outros que não a maioria só estava preocupada com outra coisa conter o fogo feminino porque acreditavam que as mulheres eram mais úmidas mais frias mas também mais fáceis de inflamar um paradoxo anatômico que justificava todo tipo de controle você é mulher vive entre tarefas entre rezas entre coxichos seu corpo é vigiado desde o primeiro sangue e tudo que você sente de calor de desejo de vontade precisa ser escondido como se fosse sujeira como se fosse crime se você sente demais é uma ameaça se sente pouco é frígida se sente certo é impossível porque oficialmente você não deveria sentir nada o prazer da mulher era tolerado apenas dentro do casamento e mesmo assim em silêncio gemer podia ser sinal de pecado tomar iniciativa sinal de bruxaria algumas mulheres tentavam se proteger cortavam os cabelos andavam curvadas se apagavam outras tentavam entender sussurravam entre si tocavam-se na solidão do estábulo descobriam o prazer com culpa mas também com espanto o corpo respondia e isso era assustador porque ninguém ensinava ninguém explicava só proibia a medicina medieval acreditava que a mulher tinha um útero errante um órgão inquieto que podia subir até o cérebro se não fosse saciado a histeria nome que vem do grego estera útero era explicada como um problema de falta de sexo a solução casamento gravidez ou toques médicos sim você entendeu alguns médicos realizavam massagens pélvicas para aliviar mulheres histéricas sem perceber estavam provocando orgasmos sem chamar de orgasmo era medicina não prazer era prescrição não desejo e quando o prazer aparecia fora do casamento aí ele virava prova prova de que você era bruxa de que você dormia com o diabo literalmente muitas mulheres foram queimadas não por fazerem magia mas por desejarem demais ou por saberem demais algumas usavam ervas que estimulavam sensações outras sabiam onde tocar e isso era imperdoável as cintas parteiras também sofriam sabiam do corpo sabiam dos cheiros dos ciclos das respostas mas esse saber não era bem-vindo porque onde há conhecimento do corpo feminino há medo masculino você mulher medieval é ensinada a ter vergonha da menstruação do cheiro do volume dos sons da própria pele e quando algo dentro de você se contrai de prazer você se sente culpada porque ninguém te disse que isso era possível muito menos permitido o prazer era uma suspeita uma falha no sistema era sinal de desvio de libertinagem de luxúria o pecado preferido dos inquisidores e no entanto ele existia nos bordéis as mulheres simulavam prazer para sobreviver algumas de fato sentiam mas não podiam mostrar porque mostrar era colocar-se em risco algumas dançavam gemiam fingiam e nas noites silenciosas entre uma visita e outra se tocavam com pressa como quem reza com pressa antes de dormir entre as freiras o prazer era ainda mais invisível mas nem por isso ausente há relatos de visões religiosas cheias de êxtase de misticismo mas também de erotismo há cartas entre freiras que sugerem uma ternura física há esculturas escondidas em mosteiros com figuras femininas entrelaçadas pequenas pistas pequenos segredos e entre as camponesas o prazer vinha entre as tarefas durante a ordenha durante o banho de rio durante o sono era furtivo era raro mas era real algumas aprendiam sozinhas outras com outras mulheres o saber era passado em sussurros como receita de pão como simpatia de proteção e mesmo nos casamentos mais frios havia momentos um toque inesperado uma noite em que o marido não estava bêbado um dia em que a dor deu lugar ao calor e o corpo respondia: “Em silêncio sempre em silêncio o prazer da mulher não deixava rastros visíveis por isso era negado mas ele estava nos olhos que piscavam a mais na boca que tremia no ventre que se retezava no gesto de afastar a saia sozinha no suspiro abafado com o travesseiro de palha algumas mulheres inventavam métodos usavam frutas raízes pedras lisas não havia nomes mas havia vontade e onde há vontade há invenção a medicina masculina tentava nomear esses fenômenos como doenças o clitoris quando era notado era chamado de deformidade algumas mulheres eram acusadas de ter pênis escondido outras eram mutiladas a excisão não era comum na Europa medieval mas há relatos de intervenções para corrigir o excesso de prazer como se o prazer feminino fosse um tumor algo a ser arrancado e mesmo assim algumas se rebelavam escreviam contavam nos cantos dos manuscritos há poesias que falam de gozo de prazer molhado de beijos prolongados e são poemas escritos por mulheres copiados por homens mas deixados ali como quem sabe como quem entende o prazer da mulher era uma ameaça porque escapava da lógica ele não podia ser contabilizado não tinha hora nem forma e por isso era visto como subversivo mas ele era também um ato de resistência sentir era existir e gozar era em segredo dizer: “Eu também sou hoje você vive em outro tempo mas nem tanto porque ainda há vergonha ainda há silêncio ainda há medo o passado deixa marcas não só nos livros mas nos corpos mas agora você sabe sabe que o prazer da mulher sempre existiu mesmo quando negado mesmo quando punido isso talvez seja a coisa mais perigosa que se pode dizer à noite você acorda com enjoo a barriga pesa mais do que ontem seus seios dóem e uma suspeita lateja dentro de você mais aguda que qualquer febre você está grávida de novo talvez pela quinta vez talvez pela sétima seu corpo mal teve tempo de se recuperar do último parto e já se prepara para mais um você não queria não agora não desse homem mas não teve escolha e na Idade Média gravidez não é milagre é sentença evitar filhos naquele tempo é uma arte secreta feita de improviso desespero e um pouco de magia porque não há pílulas não há preservativos confiáveis só o medo a fé e um punhado de plantas com nomes que ninguém mais lembra a igreja condena qualquer tentativa de impedir a gravidez chamam de heresia de crime contra Deus o sexo é para reprodução o prazer deve ser castigo suficiente e qualquer tentativa de fugir dessa lógica é punida com o inferno mas mesmo assim você tenta tenta porque a comida não dá porque o leite secou porque sua pele ainda sangra porque você sabe que não aguenta mais uma vida crescendo dentro de você as mulheres da aldeia conhecem algumas receitas algumas funcionam outras matam há quem tome chá de arruda quem mastigue sementes de cenoura selvagem quem use raízes de sabugueiro ou pastina ou beladona há quem beba vinho quente com folhas amargas há quem enfie alho dentro do corpo quem use mel misturado com cinzas cada região tem sua fórmula cada parteira tem seu segredo e todas sabem se der errado a culpa será sua algumas misturas são para evitar a gravidez outras para expulsá-la os limites são tênuos uma infusão pode atrasar o ciclo outra pode provocar sangramento outra dor insuportável a linha entre contracepção e aborto é borrada como a linha entre medicina e feitiçaria você reza sim reza mas não para Deus para alguma santa esquecida para uma figura antiga talvez pagã que um dia ajudou sua bisavó a não morrer de parto a fé também é adaptável a orações específicas sussurradas durante a menstruação cantadas durante o banho oradas com o ventre nu sob a lua algumas dizem para costurar ervas na barra da saia outras para não olhar nos olhos do marido em certos dias superstições que viram estratégias estratégias que viram resistência o homem raramente se importa raramente sabe para ele o sexo termina no prazer para você ele começa na incerteza o risco é seu a barriga é sua a culpa também entre os ricos há mais recursos algumas damas têm acesso a médicos a livros a poções algumas carregam amuletos com pedras preciosas outras usam esponjas em bebidas em vinho ou vinagre inseridas antes do ato um método quase eficaz e completamente invisível há relatos de pequenos pessários feitos de lã banhados em substâncias ácidas há registros de anéis vaginais de ouro de conchas de madeira tudo artesanal tudo incerto mas tentado nossos bordéis o conhecimento é mais direto prostitutas aprendem cedo o que funciona algumas se deitam apenas em certos dias do ciclo outras evitam o clímax outras usam urina de cavalo pó de ferro cascas de cebola é brutal é perigoso mas é o que há e quando nada funciona resta o desespero as parteiras mais ousadas sabem como interromper usam instrumentos usam mãos usam força algumas mulheres tomam venenos outras pulam de lugares altos outras esperam o corpo resolver sozinho às vezes resolve às vezes não e o preço pode ser a vida se descobertas são acusadas de bruxaria ou de assassinato ou de ambos não há compaixão só julgamento mas em segredo outras mulheres visitam essas mesmas parteiras mulheres da nobreza esposas de clérigos filhas de senhores porque a gravidez indesejada é democrática o medo também nos mosteiros os livros falam do corpo com frieza escrevem sobre coitos interruptos o interrompido escrevem sobre abstinência jejum sexual votos de castidade mas mesmo entre os monges há dúvidas dúvidas sobre o que é natural o que é pecado o que é simplesmente humano alguns médicos recomendam que a mulher evite o orgasmo pois ele favorece a concepção outros dizem o oposto: Não há consenso há palpites a moral disfarçada de ciência e o tempo passa você menstrua ou não espera conta os dias com os dedos sujos um dois três o sangue vem você respira aliviada não desta vez talvez da próxima talvez nunca mais você guarda a receita no fundo da memória a flor certa o momento certo o toque certo passa adiante com cuidado ensina para a filha para a vizinha para a amiga que chora em segredo porque contracepção naquele tempo é conhecimento é poder e poder feminino é sempre perigoso mas você insiste por que não quer mais morrer aos 28 com sete filhos porque quer escolher porque quer viver e mesmo que ninguém escreva seu nome mesmo que os livros te esqueçam mesmo que a igreja te condene seu corpo sabe e seu corpo não esquece você atravessa a cidade com o capuz baixo é noite as ruas cheiram a vinho azedo estrume e algo mais doce perfume barato talvez as janelas se fecham quando você passa mas uma porta discreta está entreaberta há uma luz fraca vermelha como pecado escapando por trás da madeira rachada você entra e o som muda dentro do bordel o mundo é outro na idade média a infidelidade era condenada nos púlpitos mas vivida nos becos homens casados buscavam o que suas esposas dizem eles não podiam dar prazer sem culpa carne sem contrato suor sem oração e as mulheres aquelas que ofereciam isso eram ao mesmo tempo desejadas e desprezadas os bordéis existiam em todas as grandes cidades em algumas eram legalizados regulados taxados prostituição era pecado mas um pecado necessário diziam alguns teólogos como um esgoto moral melhor conter o desejo ali do que deixá-lo correr pelas ruas as prostitutas eram chamadas de meretrizes rameiras filhas da noite trabalhavam com o corpo mas também com a estratégia sabiam ler rostos sabiam fingir sabiam sobreviver algumas tinham dentes podres e vestidos rasgados outras usavam joias roubadas e perfumes intensos algumas eram meninas outras viúvas outras freiras expulsas nenhuma estava ali por luxo o bordel era ao mesmo tempo abrigo e armadilha havia donos quase sempre homens que exploravam as mulheres como gado havia clientes violentos bêbados devotos demais para tocar suas esposas mas não para enfiar moedas entre coxas desconhecidas e havia regras na maioria das cidades o bordel fechava aos domingos e em dias santos prostitutas não podiam usar cores de donzelas nem andar pelas praças principais algumas usavam fitas amarelas como marca de impureza outras tinham seus nomes anotados em livros e se morressem não eram enterradas em solo consagrado mas ainda assim havia filas na porta a infidelidade masculina era em muitos lugares tolerada o adultério feminino nunca se uma esposa fosse pega com outro homem podia ser envergonhada publicamente raspada açoitada se engravidasse era desgraça eterna mas o marido adúltero não esse apenas era aconselhado a rezar mais ou a gastar menos e a hipocrisia caminhava pelas ruas com a cabeça erguida alguns bordéis pagavam taxas à igreja literalmente pagavam para continuar pecando o dinheiro ia para obras públicas pontes hospitais o pecado financiava o bem uma troca curiosa nos quartos o sexo acontecia rápido entre panos sujos colchões gastos velas derretendo a mulher sorria o homem fingia não ver o hematoma na coxa dela o prazer era transação dois toques uma moeda um suspiro e tudo se repetia na noite seguinte algumas prostitutas conseguiam sair casavam-se com clientes ricos mudavam de cidade viravam donas de bordel outras enlouqueciam outras morriam aos 23 com o corpo marcado por doenças e o nome esquecido as doenças eram constantes sífiles embora mais associada ao renascimento já rondava gonorreia febres pélvicas feridas invisíveis não havia cura só paliativos ervas rezas e um pouco de vinho para aguentar a dor e mesmo assim havia afeto algumas prostitutas se apegavam escreviam cartas guardavam mechas de cabelo esperavam clientes específicos como quem espera promessa amor talvez ou uma necessidade mais profunda de ser vista nas confissões os padres ouviam histórias sujas com ouvidos castos algumas prostitutas se confessavam semanalmente queriam perdão ou apenas um pouco de silêncio e havia as festas em certas épocas do ano o bordel ganhava liberdade durante o carnaval as regras se invertiam máscaras cobriam rostos os nobres dançavam com rameiras os padres fingiam não ver era um mundo ao avesso onde o pecado era celebrado com vinho e música depois voltava o silêncio e as esposas algumas sabiam outras fingiam não saber algumas choravam em silêncio outras também traíam mas com muito mais risco uma mulher adúltera era um escândalo um homem adúltero apenas homem a justiça às vezes intervinha bordéis eram fechados prostitutas expulsas ou marcadas mas sempre surgia outro porque o desejo era mais velho que qualquer lei e entre tudo isso havia uma contradição profunda a mesma sociedade que condenava o prazer feminino sustentava o mercado da carne a mesma igreja que pregava a castidade lucrava com as tarifas dos bordéis e o povo o povo fazia fila o bordel era um teatro um confessionário torto uma forma de existir fora das regras mesmo que por alguns minutos e para muitas mulheres era a única saída você sai do bordel com a cabeça baixa não olha para trás o cheiro do quarto ainda está em você o toque também mas o que pesa mesmo é o silêncio porque nesse mundo o desejo é permitido desde que seja comprado o afeto não e o amor o amor custa mais caro do que qualquer tarifa você sente algo que não deveria sentir um arrepio um olhar mais demorado uma imagem que volta todas as noites como se fosse sonho mas não é sonho é desejo e não por alguém do sexo oposto você sabe o nome do que sente ainda que ninguém diga em voz alta e sabe também o que pode acontecer se descobrirem na idade média o desejo proibido não era apenas um pecado era um crime sodomia palavra que engole tudo o que foge da norma sexo anal entre homens entre mulheres entre humanos e animais entre pessoas e vontades que não cabem nos sermões da igreja a homossexualidade enquanto conceito moderno não existia mas os atos sempre existiram e por isso eram vigiados em silêncio mas com brutalidade porque tudo o que escapa da função reprodutiva era visto como aberração você homem olha outro homem com ternura sente algo que te arranca do mundo mas aprende cedo a esconder os monges falam de Sodoma da destruição divina do fogo que cai sobre os impuros a mensagem é clara: desejar alguém do mesmo sexo é desafiar o céu e ainda assim você deseja nos mosteiros onde homens vivem juntos o amor floresce entre páginas de salmos há bilhetes escondidos toques rápidos noites sem sono alguns monges são pegos outros apenas se calam há penitências severas mas há também compaixão porque até os santos sentem na nobreza os rumores correm como vinho cavaleiros que dormem juntos em campanhas militares escudeiros que trocam cartas reis que preferem o toque de seus pagens alguns cronistas registram com malícia outros com curiosidade ninguém diz a palavra mas todos entendem as punições variam em alguns lugares a morte em outros apenas o exílio a vergonha a perda de tudo os julgamentos são públicos as confissões arrancadas a força e mesmo assim os desejos não param entre as mulheres tudo é ainda mais invisível o amor entre mulheres é ignorado considerado inofensivo irreal ridículo como se duas mulheres juntas fossem uma ausência não uma transgressão mas as relações existem em conventos em casas em campos onde houver silêncio e toque algumas freiras escrevem cartas de amor outras se beijam durante as preces outras compartilham a cama nas noites frias e o que começa como consolo vira ternura não há linguagem para isso mas há calor as mulheres comuns também sentem trocam carícias durante o trabalho dançam juntas tocam-se durante os banhos nos rios ninguém vê ninguém quer ver e por isso escap às vezes a sodomia é registrada em livros de leis é investigada mas também é usada como arma política acusar alguém de sodomita é destruir sua reputação não precisa provar basta sussurrar e ainda assim havia resistência algumas cidades como Florença tinham redes de encontros homens se encontravam em banhos públicos em becos em festas havia códigos formas de se reconhecer trocas discretas um anel um olhar um lenço em Paris havia ruas conhecidas em Londres escândalos abafados o amor proibido caminhava à margem mas nunca deixou de caminhar e havia também arte manuscritos medievais com margens cheias de desenhos eróticos poesias que falavam de amores impossíveis lendas de cavaleiros que se olhavam demais a história de Tristão e Isolda tem uma versão onde os sentimentos masculinos são mais intensos entre amigos do que entre amantes a fronteira entre amizade e desejo era borrada e por isso existia nos julgamentos os corpos eram examinados homens eram forçados a provar que não tinham sido penetrados mulheres eram inspecionadas para ver se tinham clitores grandes demais o que acreditavam indicava que elas faziam de homem havia vergonha mas também havia vida alguns casais fugiam mudavam de cidade viviam como irmãos como tias como servos outros aceitavam o casamento forçado e mantinham amantes em segredo outros viviam sozinhos mas com o coração cheio de nomes que não podiam dizer em voz alta e quando não podiam amar amavam em pensamento amavam com música com poesia com oração alguns falavam de amor espiritual de ligação de almas usavam a religião como disfarce para sentimentos que não podiam ser nomeados e a culpa a culpa era constante você confessa o padre te olha com olhos vazios manda rezar jejuar se açoitar mas você sabe que ele entende que talvez ele também tenha sentido que talvez ele também tenha chorado no escuro tremendo de medo de si mesmo as penitências são longas caminhadas nu rezas públicas votos de silêncio e ainda assim você volta a sentir porque o desejo mesmo proibido é mais forte que a ameaça e há histórias de coragem de homens que se amaram até o fim de mulheres que viveram juntas por décadas diamantes enterrados lado a lado em túmulos discretos ninguém disse quem eram mas os corpos estavam juntos hoje você escuta essas histórias no escuro e talvez sinta algo parecido talvez perceba que os desejos proibidos de ontem ainda vivem hoje mas agora você tem um nome para eles e talvez uma chance de não apagá-los você está deitado imóvel sente cada osso contra o chão de madeira cada centímetro do corpo pesado cansado mas não pode esquecer que nesse tempo seu corpo não pertence a você ele é função ele é símbolo ele é heresia em potencial na idade média o corpo é um campo de batalha e cada parte dele carrega uma sentença para a mulher ele é útero para o homem ele é pecado e para ambos ele é perigo se você nasce mulher nasce como recipiente desde cedo te observam os quadris são largos o sangue já veio o peito cresceu tudo gira em torno da fertilidade o corpo feminino é descrito em tratados médicos como úmido aberto passivo tudo nele serve a um fim: gerar carregar parir sangrar você não é pele você é um ventre ambulante e se esse ventre não cumpre sua função você falhou uma mulher estéril é um problema uma mulher que sangra demais é uma ameaça uma mulher que sangra de menos é suspeita durante a gravidez o corpo se torna público todos têm algo a dizer você come demais anda pouco reza pouco dorme errado o parto se aproxima como um abismo você ouve histórias de mulheres que rasgaram que perderam os dentes que sangraram até sumir mas ninguém fala disso com dor falam como se fosse parte como se fosse dever o corpo da mulher medieval é sempre observado por parteiras por maridos por padres se você tem desejos é porque seu corpo falha se você sangra em hora errada é porque ele está possuído se você goza é porque tem o diabo no ventre e o homem o homem carrega outro fardo seu corpo é máquina deve ser forte duro produtivo mas também precisa controlar-se o desejo é perigoso a carne é fraca e o semen considerado sagrado não pode ser desperdiçado muitos acreditam que o corpo do homem guarda um calor vital que se esvai com o prazer por isso cada orgasmo era visto quase como uma morte uma perda de essência um esvaziamento da alma o ideal masculino era de contenção resistir ao toque fugir da tentação mas ninguém conseguia e por isso o corpo do homem era também condenado o monge que sonhava com carne o padre que tocava o próprio corpo o cavaleiro que se deitava com a serva todos eram antes de tudo pecadores de carne o corpo era inimigo tinha que ser domado e para isso havia penitência autoflagelação jejum dormir sobre pedras usar camisas de crina que coçavam até sangrar sentir dor no corpo era a forma de controlar o prazer purificar a vontade a beleza tanto no homem quanto na mulher era armadilha um corpo bonito era a obra do diabo os cabelos sedosos os olhos grandes a pele alva tudo isso podia corromper uma alma inocente o corpo era suspeito mesmo quando santo santos deformados eram mais respeitados mártires com cicatrizes virgens com feridas o sofrimento físico era sinal de proximidade com Deus a dor era virtude o prazer desvio mesmo assim o corpo insistia tinha fome sono calor desejo e por isso era constantemente vigiado na medicina o corpo era lido como um mapa de desequilíbrios quatro humores sangue fleuma bil amarela e bil negra determinavam sua saúde e sua moral um corpo com excesso de sangue era libidinoso um corpo com muita fleuma passivo a mulher era naturalmente desequilibrada o homem constantemente à beira do excesso não havia exames havia sangrias sangue sugas vomitivos jejuns o corpo era punido para se manter puro e os corpos que fugiam da norma pessoas intersexo eram consideradas monstros nascimentos com genitália ambígua eram lidos como sinais do apocalipse algumas eram assassinadas ao nascer outras corrigidas a medicina medieval não entendia o corpo que não se encaixava então o destruía pessoas com deficiências físicas também carregavam estigma algumas eram vistas como castigo divino outras como abençoadas tudo dependia do contexto um coxo podia ser profeta ou ser expulso da vila a obesidade era vista com ambivalência sinal de riqueza mas também de gula um gordo podia ser respeitado ou ridicularizado o mesmo com magreza extrema santa ou doente e quando o corpo morria era lavado com cuidado ungido coberto o corpo morto ainda era sagrado mas também perigoso os mortos podiam voltar os mortos podiam contaminar havia rituais para garantir que ficassem quietos que descansassem que não voltassem pedir o que não viveram você sente o peso do seu próprio corpo ele te lembra que existe que pulsa que arde que cansa você sente vergonha e desejo e náusea e tudo isso é humano mas te ensinaram que ser humano é falhar ainda assim há quem celebre algumas canções populares falam do corpo com alegria algumas danças desafiam a contenção alguns amantes descobrem toques que não dóem algumas mulheres dançam em círculos pés descalços se lembrando de que o corpo também é festa mas são exceções a norma é vigiar punir conter e você aprende a viver dividido a alma quer subir o corpo quer ficar a mente sonha com o céu a pele com o toque o coração ele só quer silêncio porque no fim o corpo é a parte da história que ninguém queria contar mas é onde tudo começa e onde tudo termina você acorda antes do sol a luz ainda não invadiu o quarto mas o corpo já pressente o peso do dia mais uma manhã de trabalho de obrigações de silêncio mas ali ao lado do travesseiro você encontra um pedaço de tecido um lenço alguém deixou ali dobrado com um fio de cabelo preso você sabe de quem é e por um instante sorri na Idade Média falar de amor é quase uma heresia o amor como você entende hoje íntimo emocional afetuoso não cabe nas regras da época os casamentos são arranjados as palavras são medidas o toque é vigiado mas mesmo assim o amor acontece acontece nos cantos nos intervalos nos desvios você vê isso nas cartas cartas trocadas entre amantes entre esposos separados pela guerra entre freiras e freiras entre monges e suas lembranças algumas sobrevivem até hoje são tímidas hesitantes às vezes quase infantis outras são ardentes cheias de metáforas você lê: “Teu rosto está mais presente que o pão da manhã” ou meu coração sangra sem teus olhos não é poesia sofisticada é fome é ausência é saudade e onde há saudade há amor nos campos os camponeses aprendem cedo que a vida não é feita de afeto mas mesmo ali em meio à lama há gestos pequenos ele guarda o último pedaço de pão para ela ela costura a túnica dele com linha que guardava para si ele cobre o corpo dela com o próprio manto e tudo isso sem dizer nada porque amar naquele tempo era arriscar amar era dar algo que não se podia guardar nas cidades os encontros são furtivos na feira no mercado entre bancas de peixe e barris de vinho os olhos se encontram um toque rápido nos dedos ao entregar uma maçã um sussurro no meio da multidão e depois a espera porque o amor medieval é feito de espera você espera a próxima missa espera a noite escura espera o sinal um gesto uma flor deixada na janela uma pedra no peitorio no alto dos castelos damas e cavaleiros vivem outro tipo de amor o chamado amor cortêz uma paixão impossível cheia de regras onde o cavaleiro serve sua dama com devoção mas raramente a toca escreve poemas faz canções luta em seu nome e sofre o amor aqui é sofrimento nobre um luxo melancólico mas às vezes há transgressão há noites roubadas há promessas que escapam da lógica feudal amores que desafiam o sangue a herança o nome e quase sempre terminam em silêncio ou em tragédia nas igrejas o amor divino tenta ocupar o espaço do amor humano mas mesmo os santos escrevem cartas de saudade mesmo os monges choram à noite mesmo os padres lembram de toques passados e no convento entre as freiras o amor floresce em outra forma não é sempre carnal às vezes é pura ternura às vezes é algo mais elas se cuidam se escrevem se protegem quando uma adoece outra segura sua mão até o fim e isso mesmo sem nome é amor os homens também sentem o cavaleiro que não retorna da batalha deixa uma carta o pai que perde o filho escreve no diário o amigo que beija à fronte do Doridon outro antes da execução o servo que cuida do corpo do senhor ferido tudo isso são formas de amar e mesmo nos bordéis onde o amor deveria ser impossível ele acontece a prostituta que guarda a flor dada por um cliente gentil o cliente que paga para não tocar só para conversar a mulher que aprende a gostar daquele que volta toda semana não com desejo mas com respeito você se pergunta como é possível amar num tempo tão duro mas o amor ali não é luxo é sobrevivência ele existe nos detalhes na comida dividida na roupa costurada na vela acesa para alguém que está longe no nome sussurrado antes de dormir na lembrança que resiste e mesmo quando o corpo falha o amor permanece há viúvos que jamais se casam de novo há esposas que enterram anéis no jardim há filhos que choram à mãe por anos sem dizer uma palavra o amor é resistência contra o tempo contra a morte contra a sujeira o medo o controle e ele se esconde nos lugares mais improváveis na sombra de um celeiro no canto de uma música no fundo de um olhar você fecha os olhos a noite está fria mas seu peito está quente porque em algum lugar alguém pensou em você alguém te tocou com cuidado alguém escreveu seu nome num pedaço de tecido e deixou ao lado da sua cama isso é amor mesmo na Idade Média especialmente na Idade Média você achou que a Idade Média era feita só de guerras cruzes e castelos mas no fundo era feita de corpos corpos que ardiam em silêncio que se tocavam na escuridão que sangravam sem testemunha corpos julgados usados esquecidos mas também corpos que amaram mesmo sob regras sufocantes mesmo sob camadas de pano pecado e poeira eles se encontraram se quiseram se escreveram e deixaram pistas lenços poemas sussurros a história não costuma contar esses detalhes ela prefere datas batalhas leis mas no escuro o que realmente importa são os toques agora feche os olhos sinta seu corpo ele é seu ele é presente ele é tempo e mesmo que o mundo pareça duro demais ainda existe ternura ainda existe desejo que não fere ainda existe o amor que sobrevive mesmo no pior dos tempos eles ainda se abraçavam ainda havia amor agora descanse a história está cheia de monstros mas nenhum deles está no seu quarto boa noite

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