Como São Paulo foi de pobre a (muito) rico em tempo recorde
0O estado de São Paulo tem tanto dinheiro que, se fosse um país, seria mais rico que quase todos os vizinhos da América Latina. O que significa que São Paulo também é, de longe, o estado mais rico do Brasil. Mas nem sempre foi assim. Até não muito tempo atrás, coisa de uns 200 anos, São Paulo não era um estado nem muito relevante na economia, nem na política e nem em termos de população. Em 1872, a capital tinha 30 mil habitantes. Era só a nona maior no Brasil. Belém, por exemplo, tinha o dobro da população de São Paulo. E o Rio de Janeiro era quase dez vezes maior. Mas aí, em um espaço de tempo muito curto, tudo mudou. É uma história muito impressionante. É o tipo de coisa que acontece pouco na história econômica mundial. Em menos de 100 anos, São Paulo virou a cidade mais populosa do Brasil. E a mais rica. Então, o que aconteceu? Como São Paulo passou de uma região relativamente pobre, com pouca relevância, para virar a locomotiva do Brasil? Pra entender, a gente vai ter que voltar no tempo. Depois da chegada dos portugueses ao Brasil, São Paulo passou um bom tempo em baixa. Sem muita moral. E quando eu digo um bom tempo, é um bom tempo mesmo. Tipo uns 300 anos. No início do século XIX, São Paulo era uma província, não era uma província paupérrima, mas era uma província relativamente pobre, de um país relativamente pobre, que era o Brasil. E não só a província de São Paulo não se destacava muito, como, o que é ainda mais grave na opinião de alguns paulistas, ela era uma espécie de… Periferia do Rio de Janeiro. Bom, naquela época não tinha PIB pra medir a riqueza dos estados. Até porque nem tinha estado. O conceito de estado só surgiu depois da proclamação da república. Antes disso, os estados eram todos províncias. E São Paulo estava longe de ser uma das mais ricas. Bahia era uma província muito rica, Pernambuco era uma província muito rica, Maranhão era uma província muito rica no Brasil. E essas outras províncias eram ricas principalmente porque exportavam bastante. O Maranhão exportava algodão e Bahia e Pernambuco exportavam açúcar. São Paulo produzia açúcar, mas em menor quantidade do que essas outras. Então, São Paulo exportava pouco e, por isso, era relativamente mais pobre. Mas aí a pergunta é, se o solo de São Paulo era fértil, e se plantar açúcar e algodão estava dando certo para outras províncias, por que São Paulo não estava fazendo isso também? Bom, digamos que tinha uma pedra no meio do caminho. É que pra sair do interior, onde dava pra plantar, e chegar no litoral, onde os produtos eram exportados, tinha que passar pela serra. E na serra tinha um paredão. Um paredão que era tão grande e tão íngreme, que ele até começou a ser chamado pelos portugueses de… “A Muralha”. Por séculos, esse percurso era feito por trilhas. Muitas delas foram abertas e usadas pelos povos indígenas, só que essas trilhas eram bem estreitas, então transportar qualquer coisa era muito difícil. A primeira estrada veio só no fim do século XVIII. Ela era estreita e sinuosa. 133 curvas, do alto da serra até o litoral. Mas já era melhor do que antes. Isso abriu caminho, literalmente, pro primeiro fenômeno que foi determinante pra que São Paulo virasse o estado mais rico do Brasil. A criação do pedágio. Mas não desse pedágio, do pedágio de mulas. É que justamente nessa época, o Brasil começou a plantar café. E aqui em São Paulo só valia a pena plantar café em lugares muito próximos do litoral. Porque o transporte continuava lento e difícil. E esse transporte era feito por tropas de mulas. Quando eram muitos dias, você tinha que alimentar a mula e tinha que dar muito milho pras mulas. Milho era muito caro, era a gasolina da época. Aí acontece uma coisa que, segundo a pesquisa do Rafael Cariello, é fundamental pra trajetória de São Paulo. Em 1831, o então imperador Dom Pedro I abdica do trono. Pouco tempo depois, os estados ganham mais autonomia e uma das primeiras coisas que a cidade de São Paulo faz é justamente criar dezenas de pedágios. Onde quando você passa com a sua tropinha de mulas, você vem lá com suas 10, 20 mulas carregando açúcar ou alguma coisa do interior, você para e paga 200 réis por mula. Como se fosse um pedágio, como hoje em dia a gente paga por carro, você pagava por mula. O dinheiro arrecadado, então, é usado pra construir estradas melhores. E é isso que permite que o café comece a ser plantado mais longe do litoral. E é justamente esse pessoal que começa a plantar café que, algumas décadas depois, vai bancar a grande virada da história de São Paulo. A grande revolução que realmente vai dar um salto enorme na produção de café de São Paulo vai ser a chegada da ferrovia. A ferrovia recebeu o investimento dos produtores de café porque seria por ela que a produção seria transportada até aqui, em Santos, e daqui pro resto do mundo. Nessa mesma época, os países que tinham dinheiro sobrando, como os Estados Unidos, já estavam começando a beber muito café. Como já estava claro que tinha muito mercado pro café, as plantações se espalharam pra outras partes do estado. Isso ajudou a fundar cidades no entorno das estações e a aumentar a produção. Mas, pra plantar mais, tinha que ter mais gente trabalhando nas plantações. E aí, bem nesse momento em que as fazendas estavam em busca de mão de obra, o Brasil proíbe o tráfico de pessoas escravizadas vindas da África. Só que nesse momento ainda se prolonga o que se chamava de tráfico interno, então tem uma migração dessas pessoas escravizadas do Nordeste para o Rio de Janeiro e para São Paulo. Isso vai se prolongando, até que isso se torna economicamente inviável, você tem também o crescimento do movimento abolicionista, da resistência dos próprios escravizados, então vai criando uma situação insustentável. Diante dessa situação insustentável, a elite paulista toma outra decisão que é determinante para a história de São Paulo. Incentivar a vinda de imigrantes. Muitos imigrantes. Só nesse prédio aqui, onde funcionava uma antiga hospedaria de imigrantes, passaram mais de 3 milhões de pessoas em menos de 100 anos. Alguns desses imigrantes vieram de lugares como o Japão e os atuais Líbano e Síria, mas a maioria veio da Europa. Tem essa questão econômica e por trás também tem uma questão racial de um projeto de embranquecimento do Brasil, se buscava principalmente imigrantes europeus para você ter esse embranquecimento, que era essas teorias raciais e higienistas que estavam por trás desse interesse apenas econômico. Na época, vários países europeus estavam em crise. Houve perdas de colheitas por pragas e condições climáticas, uma crise econômica que aumentou a fome no continente, além de guerras, como a da unificação da Alemanha e da Itália. Então você tinha uma população desesperada dentro da Europa, miserável, que aceitaria, estava disposta a se aventurar, aceitar essa aventura de vir para um país completamente estranho, para o qual eles praticamente não conheciam nada e tentar construir a sua vida aqui. A chegada desses imigrantes em São Paulo criou uma economia que tinha características diferentes do resto do Brasil. Outros estados brasileiros, nesse período, eles estavam ainda vivendo os últimos suspiros de uma economia já decadente, uma economia que estava baseada no trabalho escravo. No final da década de 1880, termina a escravidão, você passa a ter a chegada da mão de obra imigrante italiana em São Paulo. Essa mão de obra é assalariada com dinheiro, com condições de comprar produtos básicos. E aí faz sentido substituir coisas que antes você importava em pequena quantidade, mas que são produtos relativamente baratos, tecidos, esse tipo de coisa, também produtos alimentícios. E para suprir essa nova demanda interna, começa a base de uma industrialização em São Paulo. E todo esse dinheiro entrando também teve consequências políticas. As elites de São Paulo, junto com as de Minas Gerais, passaram a dominar a política brasileira. Foi a chamada República Café com Leite. Minas Gerais respondia por metade do leite vendido no país no início do século XX. E São Paulo era o maior produtor de café. Essa hegemonia durou algumas décadas, mas depois de um tempo, o mercado para o café paulista começou a diminuir no resto do mundo. A crise de 29, por exemplo, provocou uma grande queda na demanda e, consequentemente, nos preços. No Brasil, Getúlio Vargas assume o poder em 1930, diminui a autonomia dos estados, nomeia interventores federais para cada estado e governa sem uma constituição. Os paulistas reagem com uma revolta armada. E aí tem início a Revolução de 1932. Com apoio de grupos econômicos e políticos locais, combatentes paulistas enfrentam tropas enviadas por Getúlio. E perdem. Mas, segundo a professora Elizabeth, São Paulo conseguiu, digamos assim, até tirar algum proveito desse momento difícil. Quando São Paulo foi derrotado em 1932, na revolta de 1932, o que a elite paulista fez? Em vez de ela ficar se lamentando, ela resolveu investir em criar a USP. Quer dizer, São Paulo hoje não é só uma locomotiva econômica, mas também é uma locomotiva de produção de conhecimento. Também na década de 30, como ficou difícil importar produtos industrializados, o Brasil passou a adotar uma política de proteção à indústria nacional. E isso beneficiou ainda mais a economia de São Paulo. Então toda essa herança que São Paulo traz para o século XX acaba dando para São Paulo uma dianteira que se preserva até hoje. E nessa mesma época, pela primeira vez, o número de migrantes de outras partes do país chegando a São Paulo superou o número de estrangeiros. Aqui um destaque aos migrantes nordestinos, que tiveram um papel fundamental para São Paulo se transformar nessa potência econômica e industrial que é hoje. Muita gente que veio do Nordeste começou a trabalhar na construção civil, nas fábricas, ajudando a erguer a cidade. Segundo o censo de 2022, mais de 5 milhões de pessoas que moram em São Paulo nasceram no Nordeste. Isso representa mais de 11% da população do estado. Isso sem contar as gerações de filhos e netos de nordestinos que já nasceram aqui. O auge dessa migração ocorreu nas décadas de 1970 e 80. E o impacto foi enorme na economia, mas também na cultura, especialmente na capital paulista. Então a transformação que São Paulo vivencia, de 1872 até a década de 50, quando se transforma na maior cidade do Brasil, é uma transformação que resulta muito desse fluxo migratório. Essa transformação, ela se inicia, de certa maneira, demograficamente e se expande na economia, socialmente, culturalmente. Alguns especialistas, no entanto, dizem que é preciso tomar cuidado com a noção de que São Paulo seria, de alguma forma, superior a outros estados. Especialmente quando essa noção vem atrelada à presença dos imigrantes europeus. Não tem elite mais racista do que a elite paulista, montada a partir dessa europeização, de se ver um país europeu no meio de uma África, que ele tem que dominar, comandar, etc. Para Jessé Souza, existe uma tentativa por parte da elite paulista de legitimar uma espécie de liderança sobre o resto do Brasil. O que diferencia a trajetória de São Paulo foi exatamente ter usado o poder simbólico para consolidar o seu poder político e econômico. Você precisa do poder simbólico, para poder convencer os outros que você é realmente superior. Então, recapitulando, a resposta curta para a pergunta por que São Paulo ficou rica é a seguinte. Porque resolveu um problema de transporte, com a cobrança de pedágios e com a ferrovia. Porque a expansão da ferrovia permitiu que o Estado cultivasse café em grande escala, num momento em que a demanda internacional era muito grande. E porque, para cultivar esse café todo, o Estado incentivou a vinda de imigrantes. E esses imigrantes formaram uma classe trabalhadora que ganhava salário e tinha um dinheirinho para gastar, o que impulsionou a industrialização. Então, a historinha é um pouco assim. Geografia importa, custo de transporte importa, mas política e instituições também importam para o crescimento de São Paulo. Então é isso, por hoje eu fico por aqui. Mas conta para a gente nos comentários qual a sua curiosidade sobre a história do Brasil e, de repente, sua sugestão vira o nosso próximo vídeo. Tchau e até a próxima!