A insanidade da existência
0ninguém pediu para estar aqui Essa é a pedra fundamental de toda reflexão honesta sobre a vida Nenhuma criatura humana animal vegetal microscópica ou colossal assina contrato algum antes de ser atirada nesse teatro grotesco que é o universo A existência é uma imposição um ato brutal de violência cósmica uma força cega implacável que empurra cada organismo para a luz apenas para vê-lo definhar apodrecer e desaparecer E nesse intervalo o que há uma dança patética de instintos ilusões e tentativas desesperadas de justificar o injustificável o fato de que tudo isso não serve para absolutamente nada A natureza que tantos gostam de endeusar não tem planos nem piedade Ela gera criaturas que lutam por sobrevivência e invariavelmente falham Cada nascimento é o início de uma contagem regressiva para a morte Cada vida é uma maratona de dor perda frustração e autodefesa E mesmo os momentos de prazer de conquista ou de suposta felicidade não passam de pausas ilusóas entre dois episódios de sofrimento É a fome sendo saciada por um instante antes de retornar com mais força É o medo sendo adormecido até a próxima ameaça é a esperança se arrastando cambaleando sobre a máscara da negação Pensar que a vida vale a pena é talvez o delírio mais bem vendido da história da humanidade Porque a realidade nua crua e desprovida de qualquer maquiagem é uma só Vir à existência significa ser forçado a jogar um jogo que não tem prêmio não tem regras justas não tem propósito e o mais devastador de tudo não tem sentido Nada será lembrado nada será recompensado Nenhuma lágrima será computada num sistema de justiça cósmica Nenhum grito encontrará eco no infinito A dor não é pedagógica o sofrimento não é nobre É apenas o que é um sintoma inevitável e estar vivo O mais cruel nessa equação é que não se trata apenas do sofrimento humano Toda a forma de vida do inseto esmagado sobre um sapato ao elefante caçado por puro prazer tá condenada à dor e à morte Um sistema onde tudo se alimenta de tudo onde a beleza esconde o sangue e onde a cadeia alimentar é a real lei do universo A floresta que parece exuberante para o turista é para os animais que lá vivem um campo de batalha constante O mar fascina os olhos humanos é também o túmulo de bilhões de vidas que nunca souberam o que era descanso O planeta é um matadouro sofisticado disfarçado de lar e o ser humano com o seu cérebro inchado e sua capacidade de abstração sofre ainda mais Porque ao contrário dos outros animais ele tem consciência da própria miséria Ele pensa reflete se pergunta por quê mas não há resposta Pior ainda todas as respostas que encontra são invenções desesperadas para fugir da verdade Destino missão Deus karma evolução espiritual Tudo isso são véus colocados sobre o abismo Mas o abismo não desaparece só porque você fecha os olhos ele ainda tá lá E quanto mais você encara mais ele te engorda O sofrimento nesse contexto não é um acidente não é um erro de cálculo Ele é o núcleo da existência a matéria-pra de tudo que vive a engrenagem mais sólida do sistema Você nasce sofre e morre Ponto final Não há exceções Não há saídas honrosas Não há caminho que evite essa trilha Pode sim enriquecer meditar rezar filosofar negar celebrar mas no fim você será pó e no trajeto até o pó você será dor Essa é a única equação honesta da vida O resto é anestesia A verdade é que tudo isso aqui é um grande acaso indiferente Não há narrativa não há justiça não há lógica redentora O universo não te quer aqui Ele nem sabe que você existe Ele é impeual Mas ainda assim você respira sente dor chora grita ama sofre morre Como uma máquina quebrada que insiste em funcionar como um glitch um bug na programação de um sistema caótico E é exatamente essa falha esse erro existencial que nos obriga a pensar Por quê se tudo é inútil ainda seguimos Mas essa pergunta por mais urgente que pareça talvez seja apenas mais uma distração porque a resposta não importa porque tudo não importa E é justamente aí que o desespero encontra sua forma mais pura no reconhecimento de que a existência não oferece nem mesmo o consolo da explicação E é a partir dessa constatação brutal que seguimos pro coração desse ensaio Parte onde dicamos sem piedade e sem filtros o conteúdo da existência sofrimento futilidade morte onde expos o quão profundamente a vida é uma armadilha biológica que transforma átomos em agonia e consciência em desespero Ciência essa ferramenta que muitos usam como fonte de conforto ou de progresso é na verdade uma sentença ainda mais devastadora Ela nos arrancou dos contos de fada nos mostrou que não há céu que não há alma que não há divindade observando nossas ações Somos apenas um amontoado de células moléculas impulsos elétricos um cérebro processando informações e tentando desesperadamente extrair significado de um universo que não se importa Toda a nossa memória nossa identidade nossos amores e medos e pensamentos não passam de reações químicas em massa cinzenta E essa massa um dia apodrece é enterrada esquecida Essa é a condição humana Sabe que tudo o que você é será apagado Não importa o quanto você lute trabalhe construa se esforce ou sonhe o tempo engole tudo e antes disso o sofrimento corrói Nascemos já com a sentença marcada degeneração A infância é uma ilusão curta A juventude é usada como moeda para pagar a entrada num pesadelo da maturidade E a velice é um lembrete cruel de que a decomposição já começou em vida Os músculos enfraquecem os órgãos falham os sentidos embotam e o cérebro esse centro de identidade enlouquece aos poucos mergulhando muitos no esquecimento total E aí eu pergunto para que tudo isso a biologia oferece uma resposta mecânica e insultante Reprodução A gente tá aqui para nos reproduzir espalhar genes como ratos baratas vermes O grande projeto da vida é apenas gerar mais vida que também sofrerá também morrerá também se multiplicará até que o planeta exploda o sol consuma tudo ou o universo se esfrie até a morte térmica Não há narrativa não há direção apenas repetição dor e colapso Mas o ser humano esse erro pensante não se satisfaz com isso Ele quer mais Ele inventa valores mitos sistemas de crença Cria religiões que prometem recompensa eterna Cria filosofias que tentam transformar o sofrimento em virtude Cria a arte como uma tentativa patética de dar forma angústia Cria política economia cultura para tentar estruturar o caos Mas nenhuma dessas invenções muda o fato essencial Tudo vai acabar tudo vai morrer Tudo é inúltima análise inútil E há quem diga: “Mas enquanto eu estou vivo posso encontrar sentido” Essa é a última linha de defesa do autoengano O sentido que você encontra é o mesmo que um prisioneiro encontra ao decorar a cela ao fazer amizade com os guardas ao inventar rotinas para não enlouquecer Ele tá preso e sabe disso mas inventa razões para continuar respirando E assim somos todos nós presidiários da biologia tentando dar nome bonito à nossa sentença E o que dizer da compaixão do amor da amizade da solidariedade não são esses os alicerces do que há mais de um ano em nós talvez Mas até esses sentimentos estão submetidos à mesma engrenagem implacável Amamos e sofremos amamos e perdemos Nos apegamos uns aos outros não porque somos nobres mas porque somos frágeis Criamos vínculos porque o mundo é um lugar hostil e precisamos de abrigo Mas os vínculos não salvam ninguém da decomposição Toda pessoa que você e eu amamos vai morrer Não há cenário onde o amor vence a entropia e saber disso transforma todo o afeto em tragédia anunciada Mesmo os prazeres comer dormir fazer sexo rir são paliativos Momentos de alívio num campo de batalha E o preço de cada prazer é o retorno pra dor A fome volta o sono passa o sexo vira vazio o riso se apaga e o corpo cobra a conta Dor nas articulações doenças cansaço crônico O organismo se vinga da alegria A vida é uma alternância entre o sofrimento e o adiamento do sofrimento Nunca uma libertação real E se isso parece exagerado é porque talvez você esteja ainda anestesiado Mas isso é normal A maioria das pessoas está Ela se entretém com distrações redes sociais séries trabalhos fofocas festas vão empurrando a vida como quem empurra um cadáver fingindo que ainda tem impulso Mas quem para quem realmente pensa esse percebe E o que percebe não é bonito é um buraco um vazio E então o que nos resta nada nem consolo nem missão nem futuro Só a constatação Salvo o olhar nu diante da realidade Só a lucidez como o último gesto de dignidade Porque negar o absurdo da covardia mas encará-lo é o único ato de coragem que ainda nos resta Não muda nada é verdade mas pelo menos nos poupa da humilhação que viver ajoelhados perante uma mentira E esse é o preço da consciência saber e não poder fazer nada Ser lúcido no mundo que valoriza a ignorância Ser cético numa cultura que premia a irão Ser constatação numa espécie que vive de delírios Somos os doentes terminais que sabem o diagnóstico enquanto o resto brinca de viver E isso nos isola mas também nos liberta Porque ao contrário dos outros não precisamos mais fingir não precisamos mentir para nós mesmos Sabemos e mesmo sem resposta sustentamos o olhar Mas mesmo essa lucidez tem seu limite porque saber não basta A dor continua a inutilidade continua e a certeza de que tudo isso é uma armadilha biológica só torna a existência ainda mais claustrofóbica E é com essa tensão com essa dor crua da lucidez que adentramos agora a última parte desse ensaio Um mergulho final na essência do desespero encerramento que como tudo na vida não redime mas pelo menos [Música] [Música] expõe E bom nascemos sem pedir caímos aqui nessa máquina disfuncional chamada vida forçados a respirar a crescer a obedecer Não importa o quanto se tente enfeitar a verdade a que vira a existência foi uma violência um sequestro genético um experimento sem consentimento Julgados nesse hospício cósmico somos obrigados a trilhar uma estrada cuja única certeza é o fim E no meio do caminho somos moídos física emocional e mentalmente e ainda cobram que sejamos gratos por isso A sociedade que se sustenta sobre mentiras elegantes não suporta quem questiona essas bases Por isso as constatações são tratadas como doença como desvio como perversão Mas não é isso é apenas a forma mais honesta de encarar o absurdo É a recusa de pintar flores num campo de cadáveres É a coragem de dizer: “Isso aqui não faz sentido” E nunca fez E quem ainda se agarra a esperanças mitos e promessas é apenas alguém desesperado para não olhar de frente o horror óbvio João E é claro que isso tudo é incômodo Eu sei Ninguém gosta de ser lembrado de que tá morrendo lentamente Ninguém gosta de encarar o fato de que seus objetivos sua carreira sua família seu nome suas crenças tudo vai sumir Tudo vai ser engolido pelo esquecimento Só que fingi o contrário é mentir E mentir não muda o final apenas o torna mais patético Ah mas e se eu quiser acreditar em algo isso isso me fizer bem que acredite então tá tudo bem Mas não exija que todos participem do seu teatro Não peça que os lúcidos fingjam estar sonhando porque há quem prefira a dor da clareza a anestesia de fábulas Há quem escolha a dignidade de ver o mundo nu ao invés do conforto do autoengano No fim talvez o maior escândalo da existência seja a sua banalidade O fato de que bilhões nascem sofrem morrem e nada muda nada melhora nada progride de verdade Os avanços todos são cosméticos O sofrimento continua sendo a moeda principal A morte a única garantia e a dor a prova definitiva de que o universo não se importa porque o universo não sente é impessoal não responde não ouve ele simplesmente é E isso basta para esmagar qualquer narrativa E quando tudo é posto assim nu cru sem filtro resta apenas o que sempre houve o silêncio Um silêncio que não consola mas também não engana Um silêncio que ao menos é sincero E talvez essa seja a única redenção possível A lucidez absoluta mesmo que ela venha acompanhada do desespero Porque nesse desespero há uma espécie de pureza A pureza de não se deixar enganar de não mentir para si mesmo de não se dobrar as farças coletivas O trabalhador humilhado o doente terminal o incompreendido Todos eles são sintomas de um sistema podre que precisa da mentira para continuar funcionando Um sistema que se alimenta da esperança dos ingênuos e do silêncio dos lúcidos Mas mesmo que sejamos minoria mesmo que estejamos isolados mesmo que sejamos odiados continuamos Não porque há um propósito mas porque desistir do olhar honesto seria compactuar com a farsa E é aqui que a constatação racional deixa de ser apenas uma constatação e se torna uma forma de resistência Não resistência heróica ou essas palhaçadas resistência romântica mas resistência como gesto final de integridade Resistir ao autoengano resistir ao conforto da mentira resistir à pressão de dar sentido ao que é por definição sem sentido A vida é um cárcere sim A existência é uma armadilha sim A dor é a âncora do real sim Mas saber disso sentir isso suportar isso sem fugir para mitos ou paraísos é um ato que exige mais força do que qualquer otimismo barato Porque o otimismo é covarde é a rendição diante do absurdo Mas eu não Eu encaro o abismo e digo: “Sim eu sei” E mesmo assim eu não finjo e isso no fim é tudo que eu posso fazer Apenas ver apenas saber apenas carregar com brutal clareza a verdade de que vir a existência foi sofrer e morrer por nada e que isso é tudo o que existe [Música] [Música]