A PARTÍCULA que decide quando o UNIVERSO ACABA
0Um dia tudo o que nós conhecemos
vai deixar de existir. Hoje o nosso universo é
extremamente complexo e brilhante. Estrelas nascem e morrem. Planetas surgem e desaparecem. Buracos negros consomem matéria sem parar. Mas todo esse caos tem uma data de validade. Nós avançamos muito o nosso
entendimento do futuro do universo e hoje nós temos uma boa
ideia de como ser respondida. E ela mora no coração dos átomos, as
peças que constroem toda a matéria. Você está olhando para o enigma agora. É essa
partícula que decide quando o universo acaba. Mas vamos do começo. No final dos anos 1800 e início de 1900,
os físicos estavam em uma corrida contra o tempo para investigar as propriedades da matéria os átomos que hoje você pode perguntar na rua e quase todo mundo vai saber o que são
mal tinham sua existência confirmada Naquela época ainda era comum pensar em
átomos como partículas sólidas e indivisíveis conceitualmente muito
parecidas com bolas de sinuca mas perto da virada do século XX,
J.J. Thomson descobriu a existência da primeira partícula subatômica,
que recebeu o nome de elétron. Ou seja, o átomo não era mais tão simples assim. Foi mais ou menos nessa época que vários
dos experimentos mais icônicos da história da física foram realizados, mas um deles
é o mais importante para o vídeo de hoje. Vamos supor que você seja um
físico no começo dos anos 1900. A comunidade acadêmica ainda acredita que
o núcleo dos átomos é sólido e indivisível. Mas você suspeita que não? O que você faria? Foi mais ou menos essa a motivação
que levou um físico chamado Ernest Rutherford a desenvolver o seguinte experimento. Partículas alfa eram jogadas em átomos de
diversos gases e, caso a suspeita deles estivesse correta e fosse possível dividir um
núcleo de átomos, alguma mudança nos átomos dos gases deveria ser observada. E de fato, foi isso que aconteceu. Rutherford sem querer observou a primeira
reação nuclear artificial da história. E mais, ele usou nitrogênio como gás, que
depois de ser atingido pela partícula alfa virou um átomo de oxigênio mais um próton.
O que isso significa é que Rutherford não só comprovou que o núcleo atômico
também é formado por partes menores, como também descobriu qual é uma dessas partes, que é justamente o próton. Mas o que ele não sabia nessa
época, é que ele também tinha descoberto a partícula que
decide quando o universo acaba. Os prótons estão em toda parte. Você é feito de
átomos, e os átomos têm prótons nos seus núcleos. Mas até os prótons são formados por outras
coisas ainda mais fundamentais, que nós chamamos de quarks. O próton é formado por três quarks, e até
onde nós sabemos, eles são a coisa mais fundamental que existe no universo. Ou seja, diferente de todo o resto da
matéria, quarks não são feitos de nada. Eles só são quarks. Mas como nós sabemos disso? Talvez você já tenha ouvido
falar em decaimento radioativo. Mas caso não tenha, essa ideia é
crucial para entendermos desde a estrutura da matéria até o fim do universo. Decaimento significa diminuição ou
perda. Então, no mundo da física, o decaimento de partículas se
refere a elas perderem algo. Beleza, mas o que exatamente uma
partícula perde quando decai? No decaimento radioativo, a partícula
original que sofreu o decaimento some. E no lugar dela aparecem partícula
original ou estão relacionadas com as partículas que formam a original. Um bom exemplo é o decaimento
alfa, que eu citei agora há pouco. Ele acontece quando núcleos
atômicos muito grandes, como por exemplo o do urânio, se tornam instáveis. E aí, para recuperar a estabilidade,
eles emitem um pedaço de si mesmos. Esse pedaço é feito de dois prótons e
dois nêutrons, que é um átomo de hélio. Essa é a partícula alfa. É como se
o urânio estivesse quebrando aos poucos. E a partir daqui nós podemos ter um
efeito em cascata, porque até os prótons e nêutrons que compõem esses núcleos podem decair. E uma maneira disso acontecer é através do decaimento beta mais do nêutron. Quando ele
acontece, um nêutron se transforma em um próton, emitindo um elétron e uma partícula chamada
antineutrino no processo. O que isso tudo quer dizer é que até as partículas que
formam os átomos podem mudar com o tempo. E o que essas mudanças revelam é que existe alguma
coisa dentro dessas partículas que pode mudar. Em outras palavras, existe algo ainda menor do que
prótons e nêutrons que formam essas partículas. Esses são os quarks. A maior parte das partículas que nós conhecemos
são compostas de quarks, e elas recebem até um nome especial, barion. Um exemplo de barion que já apareceu aqui
nesse vídeo é o nêutron, que possui três quarks, dois do tipo down e um do tipo up. Os prótons também são barions, compostos
de dois quarks up e um quark down. E aqui aparece uma das primeiras
espécies de hierarquia. Partículas compostas podem se desfazer
em partículas mais fundamentais. E esses decaimentos não
ocorrem de forma aleatória. Eles seguem regras fundamentais da física
conhecidas como leis de conservação. Um exemplo famoso dessas leis é
a lei da conservação de energia, que garante que a energia total antes e
depois de um decaimento permanece constante. Já a conservação do momento linear assegura que
o movimento total do sistema vai ser mantido, enquanto a conservação da carga elétrica
impede que cargas surjam ou desapareçam do nada. E por fim, a conservação do número bariônico,
que é uma quantidade conservada associada às partículas compostas por três
quarks, como prótons e nêutrons. Cada bárion recebe valor mais
um e cada antibárion menos um. Essa conservação impede que bárions
simplesmente desapareçam sem deixar rastros. A soma total do número de bárions tem que ser a
mesma antes e depois do decaimento radioativo. É essa lei que força nêutrons a
decaírem em prótons, por exemplo. Um nêutron não poderia virar um conjunto
de elétrons e antielétrons de carga total neutra, porque isso violaria a
conservação do número de barions. As leis da conservação garantem que, mesmo
durante transformações aparentemente caóticas, certas propriedades fundamentais
do sistema permaneçam constantes. E quem dita essas regras é o
modelo padrão de partículas. A teoria que descreve com enorme precisão as partículas fundamentais e as
forças que agem entre elas. Mas sabe quem pode não obedecer
todas essas regras de decaimento? Ele mesmo! O próton. Até onde nós sabemos, o próton é estável. O que isso significa na prática é que um
próton sozinho no universo nunca decai. Até onde nós sabemos, alguns dos prótons que estão no seu corpo nesse momento foram
formados no começo do universo. Prótons são imortais. E só pra ser mais preciso, porque eu sei
que vai ter gente que vai comentar isso, prótons dentro de núcleos
atômicos podem virar nêutrons. Mas isso é mais uma mudança do núcleo atômico
como um todo do que a de um próton individual. Prótons sozinhos parecem imunes ao
decaimento, e é justamente essa imunidade que decide quando o universo acaba. A pulga atrás da orelha sobre
o possível decaimento do próton apareceu em 1967, quando o físico soviético
Andrei Sakharov propôs uma ideia ousada. E se, assim como outras partículas,
o próton também pudesse decair? Na teoria, esse decaimento aconteceria
em etapas, exatamente como os outros. O próton, que é uma partícula composta
por três quarks, poderia ficar instável em certas condições, carregando energia o
suficiente para se transformar em partículas mais leves. Até aí, parece natural. Se tantas partículas conhecidas são
instáveis, por que o próton seria diferente? A resposta é que nem tudo
no universo é tão simples. Não existe nenhuma forma de um próton
solitário decair e conservar carga, número bariônico ou energia ao mesmo tempo. Ou seja, dentro do modelo padrão da física,
o decaimento espontâneo do próton não deveria acontecer. Ele é proibido. Mas mesmo assim, alguns físicos gostariam que o
próton decaísse, porque o modelo padrão, apesar de extremamente
bem-sucedido, não responde tudo. Ele não explica, por exemplo, a gravidade. E isso é bem grave. Não, essa piada não, já é terceiro
vídeo que eu faço essa piada. Mas ao mesmo tempo, ele é tão bom que
é difícil de achar limites do modelo padrão pra começar a desenvolver teorias melhores. Se o próton decair, isso seria um
excelente ponto de partida para uma nova teoria física ainda
melhor que o modelo padrão. E uma das alternativas, que são as
chamadas teorias da grande unificação, prevém o decaimento do próton. Como o nome diz, essas teorias juntam a
gravidade com as três forças do modelo padrão. E o próton decair seria uma excelente evidência
a favor dessas teorias de grande unificação. E mais do que isso, se o próton decair,
o universo vai acabar antes do esperado. Mas você vem e trabalha a segunda, né? Até então, vários experimentos da física buscaram
pelo decaimento do próton, sem nenhum sucesso. Mas todas essas falhas indicam
que, se o próton decair, o seu tempo médio de vida é de 10 bilhões
de trilhões de trilhões de anos. 10 elevado a 34. Ou seja, quando o universo tiver essa
idade, os prótons vão começar a decair. Não todos de uma vez, mas aos poucos,
de uma forma quase imperceptível. Uma instabilidade fundamental no coração da
matéria, se desfazendo partícula por partícula. Mas e aí, o que aconteceria com o universo,
com as estrelas, e com tudo que nós conhecemos? Para responder essa pergunta, vamos imaginar
duas situações com duas estrelas diferentes. A primeira é uma nã branca, o
resto de uma estrela como o Sol, agora sustentada pelo fato de que existe um limite
do quanto nós podemos comprimir elétrons juntos. Sim, isso existe. Esse tipo de
estrela não faz mais fusão nuclear. O seu brilho vem apenas do calor residual,
que lentamente vai se dissipando pelo espaço. Mas dentro delas, os núcleos atômicos, que até então estavam estáveis, começam a se
desintegrar conforme os prótons vão decaindo. E esse processo libera partículas de alta energia. E como essas estrelas são extremamente
densas, essas partículas podem levar até 100 mil anos pra conseguir escapar do
interior da anã branca na forma de luz. E mesmo quando isso acontecer, o
brilho causado pelo decaimento dos prótons é extremamente fraco,
comparável a uma lâmpada da sua casa. E com esse último sopro, a estrela perde a energia que precisava
pra se sustentar e continuar brilhando. Ela colapsa para uma bola de ferro fria
e escura. Mas como o ferro é formado também por nêutrons e prótons, que também vão
decair, a estrela lentamente vai desaparecendo. Se os prótons não decaírem, essas
estrelas são muito estáveis. Em teoria, elas poderiam durar pra
sempre no seu último estágio de vida. Mas caso os prótons decaiam, algo
parecido vai acontecer com os outros habitantes finais do universo,
que são as estrelas de nêutrons. As estrelas de nêutrons carregam a massa de um sol inteiro e uma esfera de
poucos quilômetros de diâmetro. Imaginem pegar toda a massa do sol e compactar numa esfera mais ou menos do
tamanho de Balneário Camboriú. É bem denso. também tem uma
densidade limite. Estrelas de nêutrons são basicamente uma
estrela de matéria nuclear. De fato, o material mais denso do universo. Tirando o buraco negro, mas
buraco negro não conta, né? Tipo, eles estremam em tudo. Mas mesmo aqui, parte da estrutura
ainda é feita de prótons e elétrons. E os prótons vão decair. a
estrela perde a gravidade e se expande. Os nêutrons compactados que
sustentam a estrutura perdem coesão, e aí eles se tornam instáveis
dentro dessa estrela. Nêutrons decaem em prótons,
que por sua vez, também decaem. E assim como as anãs brancas, as estrelas de nêutrons também se apagam e
evaporam através do deca que o próton decai, o final do universo é um vazio
de radiação de baixa energia, com algumas bolas de ferro ainda
evaporando pelo decaimento do próton, e buracos negros evaporando por radiação, Hawking. Mesmo os buracos negros vão
deixar de existir em algum ponto, e se os prótons decaixa
energia, no qual nada acontece. Minha vida aos domingos. Mas… E se os prótons forem eternos? No sentido de não decaírem? A física do nosso tempo ainda
não pode responder com certeza. Talvez em algum momento, os experimentos que buscam sinais do decaimento do
próton revelem algo inesperado. Mas se os prótons realmente forem
imortais, o destino do universo muda. A matéria, em teoria, poderia durar muito tempo. As estrelas, ainda que não
morram por decaimento do próton, vão continuar a morrer por
exaustão de combustível. A fusão nuclear que alimenta
as estrelas se tornaria um cemitério congelado de anãs brancas e
estrelas de nêutrons já sem energia. Restos de ferro e matéria nuclear
apagados passaria a ser o único resto de matéria depois do fim
dos buracos negros e galáxias. Mesmo em um universo onde a matéria
persáxias distantes, estrelas congeladas no tempo e planetas abandonados, cada um orbitando
sua estrela morta em um silêncio profundo e irreversível. Mas mesmo nesse silêncio quase
eterno, tem uma coisa acontecendo. Essas bolas de ferro não são perfeitas.
E a cada milhões ou bilhões de anos, alguns poucos átomos de ferro caem alguns
centímetros mais pra dentro do resto estelar. E aos poucos, cada um desses restos
está aumentando sua densidade, e sem nada pra impedir que
isso continue acontecendo, as últimas estrelas de ferro
do universo vão virar buracos negros em um colapso estelar em câmera lenta. Esse colapso final em buracos negros demora
na ordem de 10 elevado a 10 elevado a 70 anos. Isso é o número 1 seguido de 70 zeros.
E aí você faz 10 elevado a esse número. Isso é uma quantidade inimaginável de
tempo. E depois desse colapso acontecer, ainda é necessário que esses buracos negros no fim do universo evaporem antes
que o universo acabe de vez. Ou seja, se o próton não decair, ainda faltam
10 elevado a 10 elevado a 100 anos até o final do universo pra valer. E se esse dia chegar, nós estaremos no ponto
no qual tudo que resta é radiação de baixa energia. Nada mais poderia acontecer no nosso universo. Ele estaria imerso em uma
espécie de morte térmica, em que temperatura, energia e a vida
se dissipam de forma irreversível. Mas mesmo nesse cenário, uma
última coisa aconteceria. Uma última transformação de natureza cósmica. O aumento da entropia seria a
verdadeira marca da morte do universo. E essa morte não seria uma
destruição cataclísmica. Ela não seria uma explosão de caos ou violência. Ela seria uma morte bem silenciosa. No fim das contas, o universo
talvez não termine com um grito. E sim, com um sussurro. Uma partícula que parecia
eterna pode um dia desaparecer, levando com ela tudo que nós conhecemos. Talvez
a gente nunca possa observar um próton decaindo. Talvez o próton nem decaia. Mas só o fato de que isso pode acontecer já
muda completamente a nossa visão do tempo, da existência e até do nosso lugar nisso tudo. A física às vezes não responde todas as perguntas. Mas tudo bem, porque ela nos ensina a fazer as perguntas certas. E quando
nós olhamos para o próton, que é essa partícula tão pequena,
mas tão cheia de significado, nós entendemos que até o menor detalhe pode carregar o destino de
todo o universo dentro dele. Muito obrigado. E até a próxima.