A Usina de Bilhões que Fica Parada Todo Ano – e Você Paga por Isso
0Esse valor pode ultrapassar R 1.hão2 milhões deais, ou seja, só para manter tudo como está, sem que a usina produza absolutamente nada. Em uma encosta estreita entre o mar e as montanhas da costa sul do estado do Rio de Janeiro, envolvida pela Mata Atlântica e cercada por sensores, vigilância e estruturas metálicas, existe uma construção imponente que parece congelada no tempo. Ali entre a cidade de Angra dos Reis e o Oceano, está sendo erguida desde 1984 a usina nuclear de Angra 3, obra monumental que carrega não só toneladas de concreto e aço, mas também décadas de promessas interrompidas, disputas políticas e indefinições. Neste vídeo, você vai entender porque uma das maiores promessas energéticas do Brasil ficou parada por décadas. Vista de longe, ela impressiona pelo tamanho. São prédios altos, domos de contenção de reator, sistemas elétricos cobertos por lonas, tudo aguardando há anos por um desfecho que nunca chega. Mas por dentro, Angra 3 representa algo ainda maior, o reflexo de como o Brasil trata projetos de longo prazo e o desafio de garantir energia segura e limpa para o seu futuro. Desde o princípio, o objetivo era diversificar a matriz energética nacional. O Brasil sempre dependeu fortemente das hidrelétricas, que são limpas, mas vulneráveis a períodos de estiagem. Em tempos de mudanças climáticas e secas prolongadas, esse modelo se torna arriscado. A energia nuclear surgiu então como uma alternativa confiável, capaz de operar continuamente, sem depender de sol, vento ou chuva. O modelo proposto para a Angra 3 seguia essa lógica. Ela garantiria uma geração firme, funcionando 24 horas por dia, 7 dias por semana, ajudando a estabilizar o sistema nacional de energia. A construção de Angra 3 começou oficialmente em 1984, com componentes e tecnologia importados da Alemanha. A ideia era simples, complementar as duas usinas já em operação ali ao lado, Angra 1 e Angra 2, e formar um polo nuclear completo na região. Mas desde o início a obra foi marcada por paralisações. Problemas econômicos, mudanças de governo, denúncias de corrupção e embargos técnicos e jurídicos interromperam o andamento da construção repetidamente. Até hoje, mais de 40 anos depois, a usina não entrou em funcionamento. Ainda assim, os números são grandes, com cerca de R bilhões de reais já investidos até agora, e a obra física está aproximadamente 65% concluída. Em novembro de 2022, o governo federal autorizou uma tentativa de retomada parcial com novos estudos técnicos e planos de reestruturação. A expectativa mais recente é que Angra 3 possa entrar em operação entre 2029 e 2031, caso as obras sejam retomadas de maneira contínua. Se isso de fato acontecer, a usina deverá entregar entre 1350 e 100 MW de potência, o suficiente para abastecer uma cidade com mais de 10 milhões de habitantes. Essa geração seria constante. O que significa que mesmo com o crescimento das fontes intermitentes, como a solar e a eólica, a energia de Angra 3 funcionaria como base de sustentação para o sistema elétrico. Um fator que fortalece o projeto é a sua localização estratégica. A usina está no coração do sudeste brasileiro, a região que mais consome energia no país. Isso reduz as perdas de transmissão, já que a energia não precisa viajar milhares de quilômetros para chegar ao consumidor final. E mais, em caso de falhas no sistema, uma usina desse porte próxima aos centros urbanos permite que o fornecimento seja restabelecido com mais rapidez, reduzindo o risco de apagões em áreas críticas. Do ponto de vista ambiental, a energia nuclear continua sendo alvo de debate, mas é importante lembrar que, ao contrário das térmicas movidas a carvão ou óleo, uma usina como Angra 3 não emite dióxido de carbono durante sua operação. Isso a torna uma opção relevante para países que buscam reduzir suas emissões e cumprir metas de descarbonização. E o Brasil, ao contrário de muitos outros países em desenvolvimento, domina todas as etapas do ciclo do combustível nuclear. O país tem reservas de urânio, tecnologia de enriquecimento, capacidade industrial de montagem de elementos combustíveis e centros de pesquisa que garantem o funcionamento seguro dos reatores. Mesmo com todos esses diferenciais, Angra 3 enfrenta questionamentos legítimos. O projeto original foi desenvolvido na década de 1970 e mesmo que tenha recebido atualizações ao longo dos anos, ainda carrega limitações em relação às tecnologias mais modernas que hoje já são aplicadas em países como China, Emirados Árabes Unidos e Coreia do Sul. Modelos mais recentes oferecem maior eficiência, sistemas automatizados de desligamento em caso de falhas e menores volumes de resíduos. E os resíduos, aliás, são outro ponto sensível. Toda a usina nuclear gera rejeitos radioativos que precisam ser armazenados com total segurança por milhares de anos. Hoje, os resíduos das usinas brasileiras ficam armazenados provisoriamente em piscinas dentro da própria usina, em estruturas intermediárias. Mas o país ainda não definiu um repositório final, algo que exige rigor técnico, aceitação social e décadas de planejamento. Além disso, a geografia da região de Angra dos Reis também traz riscos. É uma área montanhosa com histórico de deslizamentos, chuvas intensas e poucas rotas de evacuação. Isso levanta preocupações em relação à segurança das comunidades vizinhas e a capacidade de resposta em uma situação de emergência, especialmente em uma região turística com grande fluxo de visitantes. Tudo isso faz de Angra muito mais do que uma obra inacabada. Ela é um retrato do dilema energético brasileiro e concluir a usina pode fortalecer a segurança elétrica, o papel da energia nuclear no país e preservar uma cadeia produtiva estratégica, mas também exige altos investimentos, responsabilidade técnica e coragem política. O custo de não decidir, por outro lado, é silencioso e constante, e cada ano de incerteza aumenta essa conta. A usina nuclear de Angra 3 é muito mais do que um canteiro de obras interrompido. Ela é hoje um organismo complexo com múltiplas camadas de engenharia, segurança e tecnologia, espalhadas em uma área que ocupa dezenas de hectares na encosta da Costa Verde Fluminense. Ao longo dos anos, mesmo com as paralisações, a estrutura do projeto continuou avançando em partes de forma fragmentada, mas tecnicamente controlada. E cada pedaço que ficou de pé tem um custo, um propósito e uma história. Logo na entrada do terreno, chama a atenção o imenso edifício do reator, construído em concreto com paredes que chegam a mais de 1 m de espessura, projetadas para resistir a impactos, terremotos e pressões extremas. Essa estrutura é o coração da usina. Dentro dela já está montado o vaso do reator, uma peça importada da Alemanha, feita de aço especial com quase 300 toneladas. Ele foi entregue ainda nos anos 80, mas passou por inspeções e está conservado em ambiente pressurizado, com controle de temperatura e umidade. Ainda hoje, a eletronuclear mantém equipes especializadas monitorando constantemente as condições desse núcleo, com sensores e relatórios periódicos enviados à CN. Ao lado, o prédio das turbinas foi parcialmente erguido e já possui estruturas metálicas instaladas para suportar os geradores e condensadores. As fundações foram construídas com blocos de concreto maciço de altíssima resistência, interligadas por galerias subterrâneas que formam o sistema de drenagem e passagem de cabos. Algumas dessas galerias já estão finalizadas desde a década de 2010 e são acessadas rotineiramente para inspeção e manutenção. Muitos desses ambientes subterrâneos são climatizados o tempo inteiro para evitar condensação que poderia corroer dutos e estruturas metálicas. Mais adiante, a infraestrutura de suporte começa a aparecer. Estações de tratamento de água, depósitos blindados para resíduos, tanques de resfriamento e salas de comando auxiliar. Tudo isso já está parcialmente pronto. Uma subestação elétrica, ainda que não operante, também já foi construída para interligar a usina à rede nacional e ela tem uma função crítica. Além de enviar a energia que Angra 3 vai gerar, também serve como via de entrada para alimentar os sistemas internos de segurança durante os testes e a futura operação. O complexo conta ainda com sistemas duplicados de segurança, seguindo o conceito internacional de redundância. Isso significa que boa parte dos circuitos críticos, como alimentação elétrica, pressurização, ventilação e controle de temperatura, tem ao menos um sistema reserva totalmente separado do original, uma exigência das normas internacionais que garante que se uma linha falhar, outra entra em ação automaticamente. Essa duplicidade também vale para os geradores de emergência que já foram adquiridos e armazenados. São quatro unidades a diesel de grande porte que garantiriam energia instantânea em caso de blackout externo. E não é só a parte técnica que foi construída, tem também toda uma estrutura de apoio humano. Dormitórios, refeitórios, centros administrativos, ambulatório, áreas de treinamento e centros de controle secundário foram erguidos para atender as equipes que trabalham ali. Mesmo nos períodos de paralisação, esses ambientes continuam operando em regime de vigilância técnica e manutenção corretiva. O site da Eletronuclear informa que mais de 250 profissionais ainda atuam no local diariamente entre engenheiros, operadores, técnicos e seguranças. Nos bastidores do projeto tem também uma infraestrutura digital. Parte dos sistemas de automação da planta já foi instalada e vem sendo atualizada ao longo dos anos. São milhares de metros de cabos de fibra ótica, painéis de controle e interfaces de comando que conectam sensores espalhados por toda a planta. Mesmo antes da conclusão, esses sistemas já funcionam parcialmente, garantindo que dados de temperatura, pressão, vibração e integridade estrutural sejam coletados e analisados em tempo real. Além disso, o projeto de Angra 3 já avançou significativamente na construção dos sistemas de resfriamento essenciais para qualquer usina nuclear. Duas tubulações gigantes com mais de 2 m de diâmetro foram assentadas até o mar para captar água que será usada no resfriamento do vapor gerado na turbina. Essas tubulações são feitas com ligas metálicas resistentes à corrosão salina e parte delas já está submersa, fixada no leito marinho com estruturas de concreto. Do ponto de vista documental, outra parte importante da estrutura está nos milhares de relatórios, registros e certificações que já foram emitidos. Cada etapa da obra, cada peça instalada, cada sistema testado foi registrado em laudos técnicos que garantem a rastreabilidade completa da construção. Isso inclui desde análises sísmicas do terreno até protocolos de soldagem, ensaios não destrutivos e testes de pressão hidrostática. Toda essa documentação já foi validada por entidades como a CNIN, o IBAM e a Agência Internacional de Energia Atômica. E mesmo com tudo isso já feito, o projeto está parado. Há um sistema inteiro por trás das câmeras, trabalhando apenas para manter tudo em condições operacionais: Geradores de apoio, testes semanais, calibração de instrumentos, purificadores de ar funcionando 24 horas e dezenas de sensores que enviam sinais para uma sala de controle que funciona dia e noite. Segundo os relatórios mais recentes, esses custos de conservação continuam girando, sendo um valor que não produz energia, mas evita que todo o investimento feito se perca. O que está em jogo com Angra 3 vai muito além de uma simples decisão técnica. O futuro dessa usina virou quase um nó político difícil de desatar. No papel, ela parece ser uma peça estratégica para o Brasil, mas na prática os obstáculos são muitos e o tempo está passando jogando contra. A cada ano que o país adia essa decisão, os custos aumentam, a estrutura se desgasta e a obra, que já deveria estar funcionando há décadas, continua parada, consumindo dinheiro sem entregar energia. Mesmo sem gerar um único megaw, Angra 3 continua exigindo manutenção constante e essa manutenção não sai nada barata. De acordo com estimativas divulgadas por órgãos públicos e veículos especializados, o custo anual, só para manter o canteiro de obras parado, pode variar bastante. Em cenários mais controlados, gira em torno de R20 milhões de reais por ano, mas em situações mais exigentes, com mais segurança e conservação, esse valor pode ultrapassar R 1.hão200 milhões deais. Ou seja, só para manter tudo como está, sem que a usina produza absolutamente nada, o Brasil gasta por ano o suficiente para construir dezenas de escolas, hospitais ou outras infraestruturas essenciais. O mais preocupante é que nem esse investimento pesado consegue impedir a deterioração da obra. Muitos equipamentos que já foram instalados estão envelhecendo. Peças como turbinas, sistemas de controle, quadros elétricos e cabos de fiação vão perdendo a validade técnica. exigindo reavaliações constantes e, em muitos casos, substituições completas. Quanto mais o tempo passa, mais esses itens se tornam obsoletos, o que aumenta ainda mais os custos futuros de uma possível retomada. É por isso que muitos especialistas começaram a chamar Angra 3 de um projeto zumbi. A usina não está viva o suficiente para operar, mas também não está morta o bastante para ser enterrada de vez. Ela permanece ali num limbo caro e desgastante. Segundo dados da Eletronuclear e da World Nuclear Association, o custo estimado para concluir a obra hoje gira em torno de R$ 23 bilhões deais. Já abandonar tudo também sai muito caro, podendo custar aproximadamente 21 bilhões. Ou seja, até desistir da usina custa quase o mesmo que concluí-la. E não é de hoje que esses números assustam. O Tribunal de Contas da União, num relatório publicado ainda em 2017, já apontava que a conclusão poderia custar até 25 bilhões de reais, enquanto a desativação total ficaria perto dos 12 bilhões. Isso sem contar os mais de 12 bilhões que já foram investidos desde o início da construção lá na década de 80. O Conselho Nacional de Política Energética, que deveria liderar esse tipo de definição estratégica, segue adiando um posicionamento mais firme e esse silêncio institucional acaba gerando um vácuo no planejamento energético do país. Enquanto isso, outras formas de geração de energia vão ocupando o espaço que poderia ser da energia nuclear. Nos últimos anos, por exemplo, teve um avanço importante na aprovação de leis que obrigam o país a contratar usinas térmicas movidas a gás natural. E isso acontece mesmo em regiões onde nem existe infraestrutura pronta para receber esse tipo de projeto. Esses trechos inseridos em leis mais amplas, conhecidos como jabutis, beneficiam interesses específicos e acabam impondo ao governo a contratação de projetos que muitas vezes são mais caros, menos eficientes e até mais poluentes. A situação chegou a um ponto tão crítico que o próprio ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chamou Angra 3 de um mausol que suga recursos vivos. E essa frase, apesar de dura, resume bem o problema. Angra 3 é hoje como uma cidade técnica adormecida, silenciosa por fora, mas viva por dentro. Uma estrutura que representa o ápice da engenharia nuclear brasileira e que a cada ano parado caminha mais para o limite da validade técnica. E talvez por isso, mais do que decidir se ela vai continuar ou não, o Brasil precisa decidir rápido, porque o tempo, neste caso, não é apenas um fator de atraso, é o agente silencioso que pode tornar tudo isso inutilizável. M.