CLONAGEM: quando a humanidade vira linha de produção (Um de Cada) | Futurices
0Existem vários temas dentro da ficção científica que eu acho bem assustadores, tipo a ideia da gente tá vivendo numa simulação, ter memórias implantadas, robôs fora de controle, viajar no tempo e nunca mais ver quem você ama ou viver num mundo ultra tecnológico sob vigilância total de corporações, apesar de que a gente meio que já tá vivendo no mundo cyberpunk, né? Mas por incrível que pareça, uma das coisas que mais me assombro nesse gênero é a temática da clonagem. Não só pela ideia da gente ser replicado, mas por tudo que vem junto com isso. A perda da individualidade, o corpo tratado como recurso ou como produto e a consciência fragmentada entre o que você é e o que esperam que você seja. Quantas cópias suas seriam necessárias para manter o mundo girando e quantas precisariam quebrar nesse processo se a sua mente e corpo forem divididas em dois, três, quatro e por aí vai, a partir de um certo momento, aquele novo você continua sendo você. Porque em muitas dessas histórias a clonagem não representa avanço, ela representa obediência. Não é sobre criar novas vidas, mas sobre repetir as mesmas até que nenhuma delas signifique mais nada. É pensando nisso que no indicado de hoje eu trouxe um filme, uma série, um jogo e um livro que mostram como a clonagem pode virar só mais uma engrenagem de controle, onde corpo e identidade deixam de ser únicos e viram material de reposição. E aí pessoal, tudo bem com vocês? Meu nome é Bela Ashler, esse é o Futurice. Se você é novo por aqui, já se inscreve aí que toda semana tem vídeo novo sobre ficção científica, futurologia ou tecnologia. Deixa o seu like também porque ajuda demais a levar esse vídeo para mais pessoas. E gente, vocês perdoem aí minha voz esquisita, eu tô meio entupida porque eu tô dodói. Tá rolando uma mudança de clima muito doida aqui em Brasília, então tá todo mundo doente ultimamente. E cadê meu clone nessas horas, né, para me substituir? Não tem. Mas enfim, hoje é dia de mais um de cada, um quadro aqui do canal onde eu trago para vocês várias mídias dentro de um mesmo tema. E o tema de hoje é clonagem, né? Mais a clonagem usada como controle, se é que no sci-fi existe alguma outra forma de abordar esse tema, né? E para começar, eu escolhi um livro que já apareceu aqui no canal na sua versão adaptada pro cinema e que, sinceramente, é tão aterrorizante quanto delicado. Eu tô falando de não me abandone jamais, uma história que pega o tema da clonagem e transforma numa reflexão dolorosa sobre amor, aceitação e sacrifício. A trama acompanha três amigos que crescem juntos em um internato isolado no interior da Inglaterra. A primeira vista tudo parece normal, aulas, amizades, uma certa melancolia no ar, mas aos poucos a gente começa a perceber que essas crianças não tão ali por acaso. Elas foram criadas com um propósito e esse propósito não inclui liberdade de escolha. O livro é do Kazuo Isiguro, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. Foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras e é uma obra que parece simples, mas que carrega uma força absurda, não só pela escrita contida e elegante do IGu, mas pela forma como ele trata o destino desses personagens com uma suavidade, digamos assim, que até machuca. Na verdade, eu acho que esse é um dos livros mais perturbadores que eu já li, justamente por tratar algo tão horrível e desumano com distanciamento emocional que chega a doer mais do que se ele escancarasse tudo isso com violência, sabe? Porque a clonagem aqui não é tecnológica nem espetaculosa. Ela é silenciosa, institucional e o pior é aceita pela sociedade. Afinal, quando algumas vidas são criadas só para servir aos interesses de outras, fica fácil disfarçar a crueldade de cuidado. Então, eu acho que o horror da coisa não tá numa tecnologia avançada, mas na forma como tudo é feito com calma, com ordem, com aceitação. E o que assusta é justamente o quanto tudo isso é tratado com normalidade, como se aquelas vidas copiadas, criadas só para servir, nunca tivessem direito a desejar algo diferente. Não me abandone jamais, não grita, não faz estardalhaço, mas sussurra verdades desconfortáveis sobre como a sociedade lida com quem considera descartável. E é esse subtexto que torna esse livro tão poderoso dentro do sci-fi, porque ele não tá interessado no como da clonagem, mas no para que. E isso diz muito mais sobre a gente do que sobre o futuro. Já o jogo que eu trouxe hoje é um lançamento super recente, que vocês inclusive me recomendaram muito aí nos comentários. Então eu fui lá correndo jogar para trazer aqui no canal que é The Outs, um game que me marcou tanto pelas reflexões que ele propõe, quanto pelo desafio que ele carrega. Nele você é o Jandovski, um operário que sobreviveu a um acidente espacial e ficou isolado num planeta hostil, preso nesse lugar, por sorte com uma base espacial móvel. O grande problema é que esse planeta gira de forma constante e lenta e o lado iluminado por onde o sol passa atinge temperaturas letais. Isso significa que você precisa manter a base sempre se movendo, fugindo da luz do sol, enquanto lida com recursos escassos, decisões urgentes e um tempo muito limitado antes que tudo colapse de vez. Só que aí você descobre que a única forma de dar conta de todas as tarefas, manutenções e decisões críticas é criando outras versões de si. literalmente tá? Essas versões chamadas autors são clones gerados a partir de caminhos diferentes que a sua vida poderia ter tomado. Então, tem um Yan que virou engenheiro, tem outro que escolheu ser cientista, tem outro que é refinador de minérios, entre vários outros. Cada um com habilidades, traumas e jeitos diferentes de lidar com a vida. O jogo foi desenvolvido pela 11 Bit Studios e tá disponível para PlayStation, Xbox e PC. Eu joguei no PlayStation, tá? Apesar do jogo ter crechado uma vez e me fez perder um progresso considerável, assim, eu fiquei com bastante raiva. Ele roda bem e tem telas carregamento bem rápidas. Visualmente o jogo é belíssimo, tá? Tem uma vibe solitária, assustadora, meio apocalíptica e ao mesmo tempo bem high-tech, com tecnologias super avançadas e plausíveis também. A trilha sonora é super atmosférica, muito bem feita, jogabilidade, mistura sobrevivência, gerenciamento de recursos, exploração e tomada de decisões rápidas. E quando eu falo rápidas, meu filho, é rápida mesmo, viu? Porque o tempo voa no meio desse trampo todo e se o sol alcançar sua base, você literalmente vira torresmo. E eu quis trazer Theors aqui, primeiro porque é uma novidade muito legal e segundo porque ele se encaixa perfeitamente no tema desse vídeo, levando a clonagem para um lugar muito íntimo. Até no jogo, você não tá lidando com clones genéricos, você tá convivendo com versões de você mesmo, versões que te lembram o que você poderia ter sido ou que você talvez nunca tenha tido coragem de ser. Isso pega não só pela ideia, mas pelas conversas que você tem com esses outs, pelas reações deles e pelos conflitos que surgem ali dentro. E tem um detalhe que torna tudo ainda mais tenso, porque se você não cuida direito dos seus autors, se você sobrecarrega, ignora ou trata eles como ferramenta, eles te abandonam ou pior, se rebelam contra você e aí é game over. E o legal é que o jogo trata tudo isso de forma muito orgânica. E em vários momentos eu me vi tratando essas versões com descuido, porque eu tava desesperada para sobreviver. E aí vem o conflito ético da coisa. Afinal, será que eu sou melhor do que o sistema que criou esses clones? Porque por trás de tudo isso ainda tem uma corporação, a Ali Cororp, que aparentemente não tá nem aí paraa identidade, consciência ou escolha. O importante é que a tarefa seja cumprida e recursos sejam minerados ali. Não importa quantas versões suas precisem ser criadas, usadas e descartadas nesse processo. Então, é aquela lógica fria de produtividade acima de qualquer coisa, onde o ser humano vira só um recurso entre vários outros. E o mais doido é quando você percebe que você mesmo tá reproduzindo essa lógica dentro do jogo para tentar sobreviver, né? Olha que sacana, esse jogo mexe com a nossa cabeça. Agora, gente, eu sei que existe um nível de nubice meu, mas eu vou ser sincero aqui com vocês, esse dicho desse jogo é difícil. Eu comecei no modo normal, achando que ia dar conta e não dei. No começo é tudo muito confuso, são muitas funções ao mesmo tempo, muitas informações, muitas instruções e tutoriais para entender. E o jogo não para para te esperar, não, tá? Você precisa tomar decisões o tempo todo, gerenciar base, acelerar construções, cuidar dos outers, planejar o próximo movimento, tudo isso a tempo. Eu morri várias vezes, tá? Reiniciei algumas campanhas, o que pode ser frustrante. E até agora eu não consegui ver todos os finais, porque The Autors tem múltiplos finais dependendo das suas escolhas e da sua relação com seus autors. Ou seja, é um jogo que exige atenção, estratégia e uma dose boa de paciência. Mas se você gosta de jogos complexos e mais desafiadores, esse com certeza é para você. Então, fi, se você quer uma experiência mais fácil, mais tranquila, já começa no modo fácil, vai por mim. Mas mesmo com toda essa dificuldade, esse foi um dos jogos mais memoráveis que eu joguei nos últimos tempos, principalmente por causa da forma como ele aborda a clonagem, né? Não como um truque tecnológico, mas como uma provação filosófica mesmo sobre escolha, sobre quem a gente é e quem a gente poderia ter sido. E talvez, mais importante ainda sobre como a gente lidaria com essas versões diferentes de nós mesmos. E ó, falando em autors, às cada a ideia é sempre trazer obras menos óbvias para vocês, né? Mas quando o assunto é clonagem, não tem como deixar de fora uma das melhores séries já feitas sobre esse tema, que é Orpan Black. Gente, eu acho que eu falei sobre essa série aqui uma ou duas vezes, o que eu acho bastante injusto por uma produção tão legal. Então bora aproveitar o tema desse vídeo para trazer ela de novo, porque vai que você não conhecia ainda, né? A série começa com a Sara, uma jovem britânica meio fora do sistema, que presencia o suicídio de uma mulher idêntica a ela numa estação de trem. Na tentativa de resolver uns boletos da vida, ela assume a identidade da desconhecida. Mas o que era só um plano meio arriscado, logo vira uma trama gigantesca. Porque não existe só uma soza, existem várias e todas elas são clones com vidas, famílias e histórias completamente diferentes. Criada por Grey Manson, John Fosset, mais uma galera. Orfan Black é uma produção canadense que estreou em 2013 e ficou no ar por cinco temporadas. E além de ser uma aula de atuação da Tatiana Maslani, que interpreta 300 personagens de uma vez só, com uma entrega absurda, a série também é uma baita discussão sobre o que torna a gente quem a gente é. Basicamente, a trama gira em torno de uma conspiração envolvendo o Instituto de Biotecnologia que criou esses clones e passou a monitorar a vida de cada uma como se elas fossem só mais um experimento e o pior sem que elas soubessem disso. E assim, o corpo pode ter sido fabricado, mas a vida não, né? E é justamente essa luta por autonomia que move essa narrativa. Eu acho que a Fan Black poderia ter seguido um caminho fácil de ação e da teoria da conspiração da coisa, mas ela vai muito além. A série fala sobre liberdade, afeto, identidade, família, confiança. Cada clone é única, né, com seus traumas, seu jeito de ver o mundo, suas fragilidades e forças. Isso deixa claro que mesmo com um corpo idêntico, você nunca vai conseguir replicar o que uma pessoa é de verdade, né? a mente, as memórias ou a experiência de existir. E é por isso que eu acho essa série tão interessante, porque ela não se perde na técnica da clonagem, mas mergulha nas consequências emocionais e sociais dela. Ou seja, no fim das contas, o que tá em jogo aqui é a humanidade dessas personagens e a necessidade de reafirmar o tempo todo que elas não são propriedade de ninguém. Orfan Black tava na dona Netflix, mas não tá mais, infelizmente. Mas você consegue ver por meios alternativos que eu sei que você conhece muito bem, tá? E por fim, o filme que eu queria deixar como indicação dentro desse tema da clonagem, não é lunar, tá gente? Porque eu já falei umzilhão de vezes sobre lunar por aqui e apesar de eu gostar muito desse filme, a gente tem que virar o disco um pouco de vez em quando. Então eu queria falar de outro título que também já apareceu por aqui, inclusive ganhou uma análise completa, mas que vale demais reforçar por tratar sobre clonagem de um jeito que conversa diretamente com dilemas da identidade, da alienação e da exploração humana, que é Mickey 17. O filme acompanha o Mickey Barns, um homem endibado que vê a chance de fugir da própria realidade ao se inscrever em um programa de colonização espacial. Mas o cargo que ele aceita é de descartável, uma função onde um trabalhador realiza tarefas perigosas e caso ele morra, ele é reiniciado em um novo corpo com todas as memórias intactas. O resultado é uma vida que você morre, que você vive, que você morre o tempo todo, sendo tratado literalmente como uma peça substituível de um sistema desumanizante. Dirigido pelo sulcoreano Bon Jong Hu. O filme é baseado no livro Mickey 7 do Edward Ashton, mas já toma várias liberdades criativas. E o que o bom faz aqui é um verdadeiro mergulho no absurdo, não sentido da falta de lógica, mas no sentido existencial mesmo. Por mais doido, Micke 17 é uma sátira sobre um futuro que parece cada vez mais próximo, onde a humanidade chega a outros planetas levando junto seus piores vícios. A exploração, a desigualdade, o culto, a personalidade e a ideia de que vidas podem ser facilmente descartadas em nome de um progresso de poucos. A estética do filme reforça isso o tempo todo. Os ambientes são frios, funcionais, sujos e nada acolhedores. Como se a arquitetura inteira tivesse sido pensada para lembrar que o lugar não foi feito pra gente viver, mas pra gente obedecer. E o mais interessante é que por trás de toda essa camada de exagero e comédia escraasda existe uma crítica social muito afiada. Não atos vilões são caricatos, diálogos são teatrais e até os momentos de tragédia parecem cheios de ironia. E dentro dessa anarquia toda, o que mais chama atenção é o próprio Mickey, interpretado brilhantemente pelo Robert Patson. Porque em certo momento a gente tem dois Mickey coexistindo ali e o contraste entre eles escancara como a repetição de traumas, mortes e recomeços vai moldando a subjetividade daquele ser. Então é um jeito muito inteligente de mostrar que mesmo em corpos idênticos, a experiência vivida é o que forma a identidade, né? Ou seja, por mais que a tecnologia consiga reproduzir carne e osso, não dá para clonar consciência nem percurso de vida, pelo menos não nesse mundo. O filme ainda toca em temas como amadurecimento, resistência e adaptação. E faz isso sem parecer panfletário, apesar de alguns momentos mastigar um pouco mais do que devia as coisas, sabe? Tem diálogos que explicam as coisas demais e reflexões que ficam só na superfície. Mas o saldo final é muito positivo, porque Mickey 17 entrega uma experiência intensa, divertida, crítica e visualmente marcante, que usa a clonagem não como um trunfo da ficção científica, mas como uma metáfora para falar quem a gente é ou deixa de ser dentro de sistemas que tratam a gente como recursos ou como produto. Você consegue ver MK17 lá na HBO Max. Mas aí, você já conhecia essas obras e o seu clone já conhecia? Me conta embaixo quais outras obras poderiam estar nessa lista. Se você gostou desse vídeo, não esquece do like, da inscrição, que ajuda um montão. Um beijo e a gente se vê no futuro. เฮ [Música]