Como a ZONA FRANCA Ferra a Sua Vida
0Na Amazônia, existe uma zona econômica onde
quase não se paga imposto. Um paraíso fiscal quase no meio da floresta. E mesmo
assim, os produtos fabricados lá, celulares, TVs e refrigerantes, custam mais
caro do que se fossem importados da Ásia. Esse é o modelo que a Zona Franca de Manaus opera,
e durante décadas, o Brasil deixou de arrecadar bilhões de reais para manter isso funcionando.
Mas isso tudo você já sabe. O que talvez você não saiba é que a gente não ganhou muito com
esse modelo. Nada de inovação, nem exportações competitivas. Só dependência e distorções que
impedem uma economia mais livre e eficiente. E o pior é que o resto do
Brasil sofre muito com isso. Então, como um modelo criado durante o regime
militar ainda resiste em pleno 2025? E por que ele se tornou um dos maiores entraves para
termos impostos mais baixos em todo o país? A Zona Franca de Manaus nasceu em 1967, no
auge do regime militar. Foi o decreto-lei 288 que criou a base legal para o projeto.
Na prática, era a mentalidade de planejamento central em sua forma mais pura: burocratas em
Brasília olharam para o mapa e decidiram onde a indústria brasileira deveria se instalar.
A ideia era ocupar a Amazônia através de incentivos fiscais. Mas como no Brasil as coisas
são feitas meio nas coxa sem muito planejamento, eles escolheram um local onde a logística
é bem desafiadora. A lo-gís-ti-ca, algo básico para qualquer tipo de indústria.
O governo se inspirou na estratégia de substituição de importações, onde o governo
dá benefícios à indústria nacional para produzir o que antes era importado, ou aumentam
a tributação sobre esses produtos vindos de fora, que funcionava razoavelmente bem no Sudeste
desde os anos 50. Com a grande diferença que em São Paulo existe infraestrutura, fornecedores
e mercado consumidor. Aplicar a mesma estratégia no meio da floresta amazônica, a milhares
de quilômetros de tudo é bem diferente. Para compensar a localização, o governo
criou uma ilha de privilégios fiscais. Empresas que se instalassem em Manaus teriam
redução de até 88% do imposto de importação, isenção completa de IPI, redução de 75% do Imposto
de Renda, isenção de PIS/COFINS, redução de até 100% no ICMS e terreno praticamente de graça.
E o que era para ser temporário virou eterno. Em 2014, os incentivos foram prorrogados
até 2073. Isso significa mais de 100 anos de tratamento especial para um
modelo que nunca funcionou direito. O resultado foi a criação de uma dependência:
toda a região passou a girar em torno de um modelo artificial que não se sustenta sem privilégios.
O design do sistema revelou desde o início sua natureza problemática: nunca houve metas de
exportação, competitividade internacional ou desenvolvimento tecnológico real. As empresas
só precisavam montar produtos lá. Sem pressão competitiva, sem necessidade de eficiência e sem
obrigação de se tornarem globalmente relevantes. Entre 2004 e 2014, o governo abriu mão de
arrecadar de R$ 5,5 bilhões para R$ 24,3 bilhões por ano. Para ter uma perspectiva do
tamanho do benefício concedido, ele representa uma isenção fiscal de aproximadamente R$ 250 mil
reais por ano pra cada pessoa empregada na região. E mesmo com toda essa generosidade fiscal, os
resultados econômicos são decepcionantes. O PIB do Amazonas não cresceu proporcionalmente
aos incentivos. O Valor Agregado Bruto ficou abaixo da média nacional. Em vez de
criar um centro de excelência industrial, criou-se uma zona de dependência permanente.
A maioria dos empregos criados na Zona Franca de Manaus é para trabalhadores com
pouca qualificação e salários baixos. Segundo um estudo da Universidade Católica de
Brasília, mesmo quando as empresas da região aumentam sua produção em R$ 1 bilhão,
o salário médio dos funcionários cresce só R$ 0,90. Isso é mais do que em outras
regiões, onde o aumento é de apenas R$ 0,06, mas ainda assim é muito pouco diante do tamanho
da riqueza gerada. Na prática, o estudo mostra que os maiores ganhos ficam com as empresas,
enquanto os trabalhadores seguem recebendo pouco. O modelo concentra renda e não espalha
os benefícios de forma justa entre a população. Mas a questão fundamental segue sendo
a logística. Manaus fica a milhares de quilômetros dos principais centros consumidores,
sem infraestrutura adequada de transporte. Para levar produtos de lá para São Paulo, por
exemplo, o custo e o tempo são enormes. Como disse um governador do Amazonas: uma TV produzida
em São Paulo chega ao mercado em 6 horas; a mesma TV produzida em Manaus leva 10 dias.
Isso cria um ciclo vicioso: como a localização é ruim, as empresas precisam de cada vez mais
incentivos para compensar os custos extras. E como recebem incentivos generosos, não têm
pressão para se tornarem eficientes. É um modelo que vicia tanto o governo quanto
as empresas na dependência um do outro. E não é só isso. A riqueza gerada ficou
concentrada em Manaus, enquanto o interior do Amazonas permanece com baixa atividade
econômica. O projeto que deveria integrar a Amazônia acabou separando a capital do restante,
só que agora com o agravante de custar bilhões. Mas o mais grave é que se os incentivos
acabarem amanhã, as empresas simplesmente vão embora. Nenhuma empresa fica em Manaus por vontade
própria; elas ficam pelos privilégios fiscais. Essa dependência artificial impede que
a economia brasileira funcione de forma mais natural e eficiente. Em vez de as empresas
escolherem as melhores localizações com base em critérios econômicos reais como proximidade
do mercado, infraestrutura e fornecedores, elas são distorcidas por incentivos
governamentais para ir para o meio da floresta. Mas esses não são os únicos
problemas da zona franca de Manaus, ela também impede que o resto do país tenha
um sistema tributário mais simples e justo. Mas como exatamente ela faz isso?
A Zona Franca de Manaus não é apenas um problema regional. Ela se tornou um dos maiores obstáculos
para o Brasil ter um sistema tributário mais simples e impostos mais baixos para todos. E isso
acontece de uma forma muito específica: sempre que alguém propõe reduzir impostos em qualquer lugar
do país, o lobby da ZFM aparece para bloquear. A lógica é bizarra, mas simples. A ZFM só funciona
porque o resto do país paga impostos altos. Se o governo reduzisse os impostos de
importação para todos, ou simplificasse o sistema tributário nacional, Manaus perderia
sua única vantagem competitiva. Então, para manter seus privilégios, ela precisa
que o resto do Brasil continue pagando caro. Isso cria uma situação absurda: em vez de termos
uma competição saudável entre regiões para atrair empresas através de eficiência, infraestrutura
e produtividade, temos um sistema onde uma região mantém sua “competitividade” forçando
todas as outras a pagarem impostos mais altos. Um exemplo prático: nas duas tentativas que o
Brasil teve de reduzir impostos de importação de eletrônicos, ambas foram barradas com o
mesmo argumento: isso prejudicaria a Zona Franca de Manaus. Então todos os consumidores
brasileiros continuam pagando mais caro por produtos que poderiam ser mais baratos, para
proteger um modelo industrial ineficiente. Um dos casos mais emblemáticos aconteceu em 2017,
com a proposta de Emenda à Constituição nº 51, que colocaria jogos e consoles produzidos no Brasil
na mesma categoria de isenção tributária de livros e templos religiosos. A proposta recebeu apoio
da população e pareceres favoráveis no Senado, mas acabou enterrada após forte pressão
da indústria amazonense. O argumento é que a Zona Franca perderia 500 empregos e
deixaria de produzir 70 mil consoles por ano — incluindo marcas como PlayStation e Xbox.
O governo projetava uma perda de arrecadação de apenas R$ 50 milhões até 2021. Mesmo assim, a
proposta foi engavetada. Mais uma vez, milhões de consumidores foram penalizados para proteger
meia dúzia de empregos em um modelo ultrapassado. Outro caso absurdo foi o veto à inclusão
das bicicletas no programa de mobilidade verde. Só quatro fábricas de bicicletas em
Manaus, que empregam cerca de 900 pessoas, continuaram com incentivos fiscais. Enquanto
isso, outras 403 empresas espalhadas pelo Brasil, que juntas empregam 9.000 pessoas, ficaram
sem o mesmo benefício. O governo, na prática, decidiu proteger um grupo pequeno e concentrado
na Zona Franca de Manaus, deixando de fora a maior parte do setor. Essas empresas não fecharam
imediatamente, mas perderam competitividade em um mercado que movimenta bilhões. Foi uma escolha
política que priorizou poucos e prejudicou muitos. A situação fica ainda mais absurda quando olhamos
casos como o da Coca-Cola. Em 2020, o governo garantiu subsídio permanente para a multinacional
produzir refrigerante na ZFM. Refrigerante! Um produto de baixíssimo valor agregado que
qualquer lugar do Brasil poderia produzir com mais eficiência. Mas como a Coca-Cola está em
Manaus, ela consegue competir de forma desleal com todas as outras fábricas de refrigerante do país.
Além de impedir a redução dos impostos no Brasil, o lobby da ZFM é especialmente problemático porque
perpetua o modelo de centralização tributária brasileira. Em vez de estados e municípios terem
autonomia para competir através de impostos mais baixos e melhores serviços, tudo tem que passar
pelo filtro federal. A União arrecada, a União decide quem ganha incentivo e a União distribui.
Em países com mais liberdade econômica, estados e cidades competem naturalmente
para atrair empresas. No Texas, por exemplo, a ausência de imposto de renda estadual
atrai empresas da Califórnia. Em Delaware, leis empresariais mais simples atraem corporações
de outros estados. Essa competição gera eficiência e melhores resultados para todos.
No Brasil, o modelo é o oposto. Em vez de permitir que cada estado encontre
suas vantagens competitivas naturais — o Rio com petróleo e turismo, São Paulo
com indústria e serviços e o Sul com agronegócio — forçamos um modelo artificial onde
a União decide quem ganha privilégios fiscais. A ZFM também distorce completamente a
natureza dos produtos brasileiros. Pega o caso das motocicletas: as peças são produzidas
em São Paulo, enviadas de caminhão até Santos, sobem de navio até Belém, pegam outro navio até
Manaus, são montadas lá, e depois fazem o caminho inverso para serem vendidas em São Paulo. Como
disse Marcos Lisboa: “é a moto mais “viajada” do mundo com zero quilômetros rodados”.
Em um mercado livre, nenhuma empresa seria maluca de montar motos no meio da Amazônia
para vender no Sudeste. Mas como recebem incentivos generosos, conseguem compensar a
ineficiência logística com renúncia fiscal. O custo disso aparece no preço final. Produtos
fabricados na ZFM custam mais caro para o consumidor do que produtos importados, mesmo com
todos os incentivos. A diferença de preço mostra que o modelo é tão ineficiente que nem algumas
isenções total de impostos conseguem compensar. E o pior é que isso impede o surgimento de uma
indústria nacional realmente competitiva. Em vez de empresas que sobrevivem por serem eficientes,
temos empresas que sobrevivem por terem privilégios fiscais. Removendo os privilégios elas
não conseguem competir nem no mercado nacional. Durante a recente reforma tributária, que
deveria ter sido uma oportunidade histórica de simplificar o sistema brasileiro, a ZFM
conseguiu manter todos os seus privilégios. O novo sistema vai continuar cobrando mais
impostos de produtos fabricados no resto do Brasil se eles também forem produzidos na Zona Franca. É
como se o país tivesse decidido modernizar tudo, exceto a parte que mais precisa de modernização.
O resultado você já sabe, um país onde é mais difícil empreender, mais caro consumir e
mais complicado competir. Tudo isso para manter funcionando um modelo que
nunca deveria ter saído do papel. Do lado dos beneficiados, temos um grupo pequeno
e bem organizado: algumas centenas de empresas instaladas em Manaus, políticos da região Norte
e os trabalhadores diretamente empregados no polo. Esse grupo tem tudo a perder se o modelo
acabar, então eles se organizam, fazem lobby e defendem seus interesses com unhas e dentes.
Do lado dos prejudicados, temos milhões de consumidores espalhados pelo Brasil inteiro
que pagam mais caro por produtos eletrônicos. Mas esses milhões não se organizam
politicamente. Quando você vai comprar um celular e vê que custa R$ 3.000 em vez de R$
2.000, você não associa isso diretamente à Zona Franca de Manaus. Você só paga e reclama da vida.
Essa é uma dinâmica clássica da economia política: muitos perdem um pouco, para que poucos
ganhem muito. Quando os custos são espalhados entre muita gente e os benefícios
concentrados em poucos, os poucos conseguem se organizar melhor para defender seus interesses.
Grandes empresas também têm interesse direto em manter esse sistema. Coca-Cola, Ambev, Samsung, LG
e outras multinacionais conseguem operar no Brasil com margens maiores graças aos incentivos da ZFM.
A dependência também se tornou psicológica. Depois de 60 anos de modelo artificial, muita
gente em Manaus realmente acredita que a cidade “morreria” sem a ZFM. Essa narrativa de
dependência absoluta impede qualquer discussão racional sobre alternativas ou transição gradual
para um modelo melhor, que realmente funcione. O pior é que, por esse modelo existir, não existe
incentivo pra desenvolver outras atividades econômicas na região. A região ficou completamente
dependente da industria e dos benefícios. Mesmo assim, o modelo é defendido como se
fosse uma política social. Políticos falam da Zona Franca como se fosse um programa de
desenvolvimento regional, quando na prática é um subsídio para multinacionais operarem
em uma localização geograficamente ruim. O resultado final é um sistema que persiste não
porque funciona, mas porque os grupos que se beneficiam dele conseguem se organizar melhor
politicamente do que os grupos prejudicados. Esse é o Brasil, onde o sistema não
facilita as coisas pra nós cidadãos, só que nós também não podemos esperar
que o país mude pra nossa vida melhorar. A única saída que temos pra uma
vida melhor é fazer o que podemos, com as cartas que a vida nos deu.
No Brasil, empreender em setores tradicionais é um desafio, ser um funcionário
nesses setores é um desafio maior ainda, mas existem alternativas que
não impõem as mesmas barreiras, e que nos dá uma grande vantagem comparado
com quem segue caminhos mais tradicionais.