como CRIAR um PARQUE de DINOSSAUROS
0Vamos supor que você tem um parque de animais
comuns e perfeitamente atuais… Ninguém aqui foi revivido da extinção. (som de alerta)
O intuito do seu parque é atrair VISITANTES. (som de caixa registradora)
Mas depois de alguns anos, os visitantes estão perdendo o interesse e parando
de comprar ingressos… UMA PENA! E vendo o seu parque entrar em sérios problemas
financeiros você decide fazer algo audacioso! Você usa do seu próprio dinheiro pra financiar um
centro de pesquisa genética anexo ao seu parque. É aqui que você vai criar sua próxima
grande atração: um dinossauro! Porém isso não vai ser nada simples.
Você precisa ter acesso ao DNA de um animal desses pra conseguir clonar
de volta a vida. Mas o problema é que os últimos dinossauros foram extintos a
cerca de sessenta e cinco milhões de anos, e o DNA tem uma meia vida de
quinhentos e vinte um anos. Isso quer dizer que a cada quinhentos
e vinte e um anos metade de um DNA é degradado naturalmente. Metade da
informação genética é perdida pra sempre. E aí depois se passa mais quinhentos e vinte
e um anos e metade do que sobrou é perdido, depois no mesmo tempo o que resta se degrada
metade mais um vez e assim por diante. Nesse ritmo depois de dez ciclos se perdendo a
metade, ou seja, depois cerca de cinco mil anos, o que resta do DNA original é apenas zero vírgula
um por cento. Em outras palavras, a cada mil letrinhas do DNA inicial, apenas uma sobrevive.
Lembrando, isso é a perda em apenas cinco mil anos. Agora imagine a dimensão do que poderia
acontecer em sessenta e cinco milhões de anos. É seguro dizer que o que resta da genética dos
dinossauros é virtualmente nada. Porém há um lugar que ela ainda vive literalmente!
– E não, a genética dos dinossauros não
está em você, mas de repente está em Quando o meteoro e as mudanças no
clima extinguiram os dinossauros, nem todos morreram, alguns sobreviveram
e seus corações batem até hoje! Aves não são descendentes de dinossauros, elas
SÃO dinossauros, tanto quanto um tiranossauro. Eu sei que é estranho pensar isso por
causa da diferença de tamanho e bom, porque as aves não têm escamas, elas têm penas!
É, isso faz sentido à primeira vista, mas acontece que também existiram
dinossauros pequenos como uma galinha, e é claro, dinossauros com penas, além de que
normalmente nas pernas aves têm escamas também. Por essas e outras que aquele grupo de
dinossauros, digamos, tradicionais, que não incluem aves, pode ser chamado de dinossauros
não havaianos. E as aves seriam dinossauros avaianos. Mas pra facilitar, vamos chamar aves
de aves, e os outros de apenas dinossauros mesmo. Certo, então aves são dinossauros, ou seja,
elas têm o DNA deles em suas células. E pra reviver um dinossauro podemos começar
com uma ave e ir modificando ela, ativando um gene aqui e desativando outro
acolá. Inclusive isso já foi feito de verdade! Na direita dessa foto vemos um crânio de
uma ave normal, na direita o de um jacaré, e no meio um crânio de uma ave que certos genes
foram bloqueados. E note como a ave geneticamente modificada é muito mais parecida com um réptil!
Ao invés de um bico, ela tem um focinho. Nós até poderíamos ir além e inserir
genes de uma espécie em outra. Hoje, temos avançado muito nas técnicas de
edição genética, e graças a uma chamada CRISPR, isso ficou muito mais acessível e preciso.
Apesar disso tudo, talvez ainda assim não seja possível fazer na prática
um dinossauro. Mas em breve, com as descobertas sendo feitas no seu
centro de pesquisa anexo ao seu parque, quem sabe você seja o primeiro a
criar o DNA de um animal desses. Ok, então vamos dizer que você realmente consegue
esse feito. Você enfim tem em suas mãos o código genético de um dinossauro! Ou quase isso!
A dura realidade é que como o DNA não dura tanto tempo, nós não temos o DNA desses animais.
Nós simplesmente não sabemos como é, e não dá pra gente recriar algo que não sabemos o que é.
A nossa melhor chance de atingir esse objetivo é na verdade modificar a genética de uma ave pra
se obter algo novo, que não é nem uma ave e nem um dinossauro. Seria algo meio termo, um híbrido,
uma ave com algumas características de dinossauro. E detalhe, algumas dessas características
adicionadas poderiam ser genuinamente de dinossauro, que esses animais
realmente tinham a milhões de anos. Porém, algumas outras características adicionadas
poderiam ser completamente inventadas, poderiam ser apenas coisas que nos fazem
lembrar um dinossauro, ou o que seria a ideia de um dinossauro na mente das pessoas.
E a maioria das pessoas não pensam em um dinossauro de maneira cem por cento
cientificamente acurada. Apesar da ciência saber que muitos tinham penas, as
pessoas não imaginam esses seres dessa forma. Isso quer dizer que se você quiser criar um
“dinossauro” no seu parque pra puramente atrair visitantes, você poderia optar por não se ater
tanto a aparência cientificamente acurada dele. Você poderia se guiar mais pela imagem
mental que habita a cabeça das pessoas. Ao invés de você entregar a verdade,
você pode entregar o que as pessoas querem! O que elas vêem exatamente em filmes!
Por causa disso, antes mesmo da sua primeira criatura nascer, você pode acabar chamando
a atenção, porém não do jeito que gostaria! Se você está claramente criando dinossauros apenas
pelo show, então muitas pessoas podem acabar se revoltando. Afinal, você estaria criando uma nova
forma de vida apenas para lucrar em cima dela. Com isso, pra desviar esse tipo de atenção, é bom
você não deixar tão claro suas reais intenções. Ao invés de falar abertamente em público
que você está fazendo isso pelo dinheiro, você pode inventar alguma desculpa.
Uma boa desculpa seria dizer que o grande objetivo final dessa empreitada é na realidade
avançar o conhecimento humano sobre engenharia genética. E esse conhecimento poderia ser aplicado
na preservação de espécies ameaçadas, cura e tratamento de doenças e muitas outras coisas.
Não que você de fato vá fazer isso, ou sequer tenha intenção, mas dá pra dizer
que só vai abrir essa possibilidade. Beleza, isso poderia calar seus críticos, mas
se isso não for o suficiente, daria pra inventar outras justificativas. Algo como…
Extrair desses novos animais substâncias únicas com propriedades incríveis!
Usá-los no exército, como máquinas de destruição. Daria pra comer a carne deles!? …Talvez?
Bom, enfim, aí fica em cargo da sua imaginação e capacidade de mentir.
Enquanto você dá um jeito de não chamar atenção do jeito errado, você precisa ir testando as mudanças
genéticas capazes de “dinossaurificar” uma ave. Você vai ter que criar criaturas que seriam
apenas um teste. E como vai haver muitas mudanças, é preciso de muitas criaturas, é preciso de um
animal que se reproduza rápido e seja pequeno e dócil pra facilitar a manipulação dele.
Talvez uma galinha, ou uma ave menor ainda? A maneira exata como tantas mudanças genéticas
poderiam interagir entre si é bem difícil de prever. Por isso os testes são tão importantes.
É preciso que apenas dois genes ou uma pequena quantidade seja testada em cada galinha,
pra que os cientistas consigam descobrir o que pode estar dando errado num organismo. E bom,
muita coisa pode acabar dando errado nessa hora. Várias gestações podem acabar não
progredindo e animais deformados, com problemas fisiológicos ou anatômicos podem
acabar nascendo só pra falecer logo em seguida. Aqui o sofrimento animal poderia ser muito grande.
O que faria ser totalmente antiético e até ilegal o que você está fazendo. Por isso você precisa
manter suas atividades em segredo. Ou pelo menos a parte menos bonita da sua grande
missão de “preservar espécies”, “curar doenças” ou qualquer desculpa que você arranjou.
Certo, isso seria muito difícil, e improvável, mas vamos supor que você conseguiu! Depois de inúmeros
testes com a combinação de incontáveis genes, você descobriu um conjunto de genes que
juntos permitem a criação de um novo ser! Ele é viável, funcional e que se parece com
o que as pessoas imaginam de um dinossauro. Isso é fantástico… pra você. Mas genes só são
genes, é preciso inserir eles na sua cobaia final. Isso não é mais um teste, é o ápice de décadas de
trabalho duro de um exército de pessoas. Porém, há um problema, um grande problema!
O tamanho do seu dinossauro obviamente não poderia ser pequeno. Quanto maior o
bicho, mais visitantes eles vai atrair. E se esse animal é digamos do tamanho de
um tiranossauro, como ele iria nascer? Ele precisa nascer de algum lugar! Assim,
ele vai nascer de um ovo, mas de onde esse ovo vai sair? Alguma espécie atual precisa
ser a mãe desse novo ser. Uma mãe que caiba dentro dela um ovo razoavelmente grande.
Pra gerar o seu ‘dinossauro pra valer’, talvez fosse necessário uma espécie maior do
que um galinha, talvez um avestruz, quem sabe? Isso pode dar certo, dependendo do tamanho da
criatura a ser gerada. Mas se o ovo a ser gerado contando o dinossauro for do tamanho do ovo de
um tiranossauro rex, isso quer dizer que pode não caber nem na maior ave da atualidade.
Um avestruz tem um ovo de cerca de quinze centímetros de comprimento e ainda cabe na sua
mão, porém o de um tiranossauro tem quarenta centímetros e tem que ser segurado com duas mãos.
Estamos falando de um ovo mais de duas vezes maior, que ainda assim pode caber
fisicamente no corpo de um avestruz. Afinal as fêmeas dessa espécie conseguem
pôr dezenas de ovos num mesmo ninho. Ou seja, pra caber um ovo maior basta ter apenas
um único ovo lá dentro ao invés de dezenas de ovos menores. Ou pelo menos é assim em teoria.
O caminho que o ovo de dinossauro precisa percorrer dentro do organismo de avestruz possui
limites físicos e muito provavelmente não seria possível ser formado lá dentro. E o jeito
teria que ser arranjar uma outra possibilidade. Uma outra possibilidade seria gerar esse tal
dinossauro num útero artificial, o que seria uma bolsa fora do corpo de uma mãe, e que não
é gerada no corpo de uma mãe. O que poderia ter basicamente qualquer tamanho que você quiser.
Mas é claro, isso não existe plenamente ainda, apesar de alguns avanços estarem
sendo feitos com cordeiros. O seu centro de pesquisa teria
que desenvolver essa tecnologia, o que iria adicionar ainda mais incertezas
e dificuldades no seu projeto. Seria quase impossível, mas depois de ainda mais tempo,
talvez você chegue no seu objetivo final. Finalmente a gestação final começou
num útero artificial e… não deu certo! Durante sua fase de testes você testava a
interação de dois genes ou um pequeno grupo deles numa galinha, agora você está juntando TODOS
os genes modificados em uma única criatura só. Isso pode gerar ainda alguns problemas
na gestação. Além de que os poucos que venham a nascer, podem falecer pouco tempo
depois. Seria preciso muitas tentativas com os tais dinossauros quase prontos. Esses
seriam os ajustes finais. Até que um dia, o estranho milagre que você queria enfim acontece.
Se você começou esse projeto na sua meia idade, possivelmente você já é muito velho agora,
mas com sorte você conseguiu. A humanidade agora divide este planeta com um tiranossauro
rex, ou pelo menos uma imagem mental dele. Depois de muita dor e sofrimento animal,
você abre seu parque no dia seguinte com uma nova atração e choca o mundo por ter-lhe
apresentado um monstro. O monstro é você!