Como o Estado brasileiro está te obrigando a normalizar o anormal

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Afinal de contas, nós nascemos bons e a sociedade nos corrompe ou nós nascemos maus e a sociedade nos civiliza? Essa é uma pergunta que tem sido feita recorrentemente por várias pessoas que a grande maioria tem a resposta pronta na ponta da língua. Uns acreditam numa coisa enquanto outros acreditam em outra. Mas a questão é mais complicada do que isso, porque nós estamos vivendo um momento aonde a normalização do mal tem sido a regra, uma regra imposta principalmente pelo Estado e pelo governo de forma silenciosa, mas muito visível. E é exatamente isso que nós vamos ver no vídeo de hoje. Mas antes disso, não se esqueça de se inscrever no canal e de compartilhar o vídeo com todo mundo que você conhece. Clica no sininho de notificação e compartilha. E eu falo sério, compartilha mesmo no WhatsApp, no Telegram, no Twitter, no Instagram, no Facebook. Ninguém mais usa Facebook, mas compartilha, vai que alguém vê, porque ajuda o canal a crescer. Esse canal que é extremamente pequeno, extremamente esquecido, que vive aqui na obscuridade do YouTube. Pode parecer pouco, mas o seu apoio é mais importante do que você pensa. O meu nome é Dilon Peta e esse é o canal Geopolítica Mundial. [Música] Sempre que eu vou ao Rio de Janeiro, sobretudo na região da Barra, eu fico impressionado não apenas em como uma cidade tão bonita pode ser tão perigosa, mas como o carioca consegue achar isso normal. Andar na cidade usando o Uber é ver os motoristas mostrando locais de acesso com barricadas fechadas por traficantes, ver motoristas escolhendo horários para passarem certos trechos, porque são horas em que geralmente há combate das facções criminosas e dizendo que o Rio de Janeiro é assim mesmo. A cidade me lembra muito Hong Kong que tem uma energia similar que não sei explicar. Não é apenas a geografia montanhosa de frente ao mar ou o calor úmido e forte. é algo mais que eu não sei ao certo, mas Hong Kong é tudo que o Rio de Janeiro não é e jamais será. Isso porque entre os anos 40 e 90, Hong Kong era um dos locais mais perigosos do mundo. Favelas, cortiços, tríades dominando partes da cidade, corrupção policial e política sistêmica, sequestros, assaltos a banco e joalheras e, é claro, muito tráfico de drogas. Mas um pouco antes de devolver a cidade para a China, o governo inglês, que por tanto tempo havia abandonado a cidade começou reformas pesadas, não apenas com urbanização das favelas e demolição dos cortiços, mas também a mão pesada contra a corrupção através da ICAC, uma agência específica contra a corrupção, limpando a casa e também ataques pesados contra o crime organizado, usando forças especiais treinadas pela SAS britânica para capturar os figurões dessa essas facções criminosas. E também, é claro, embora mais sigiloso e bem menos discutido, uma espécie de acordão entre o governo chinês com as tríades. Mas de qualquer forma, isso fez com que aquela cidade corrupta, suja, perigosa se tornasse em uma das cidades mais limpas, organizadas, desenvolvidas e seguras do planeta. Situação que foi ainda mais aprofundada depois que a cidade voltou para a China, que definitivamente não tolera a raiz do problema do narcotráfico, que é o usuário. Mas o Rio de Janeiro não, só piora e não tem perspectivas de melhorar. Essa normalização, essa adaptação ao errado me impressiona bastante, que até que eu então passo a me lembrar da cidade de São Paulo. Pouca gente sabe, mas eu e a minha mãe fomos literalmente chutados para fora de casa pelo meu pai quando eu ainda era criança e fomos morar no bairro do Bom Retiro, no centro de São Paulo. Isso no início dos anos 90. Na época, um bairro conhecido pela alta concentração de judeus, ainda não tinham tantos coreanos que tornariam um bairro famoso pela associação com o Capop. A Cracolândia, que hoje assola certos bairros em no centro de São Paulo e ao redor, o que inclui também o bairro do Bom Retiro, ainda não era a região que hoje lembra as cenas do The Walking Dead, mas já existia. já era uma região perigosa, com assaltos, assassinatos e pontos de distribuição de drogas, que foi piorando ano após ano até o ponto de se tornar uma verdadeira zona desmilitarizada, cercada pelas forças policiais. E diferente do que vivem falando de que a Craculândia seria o exemplo de anarcocapitalismo sem estado ou governo, a vida real é justa e totalmente o oposto disso. Nenhum lugar da cidade tem mais a presença do estado do que na cracolândia. Em nenhum local da cidade, e isso você precisa ter em mente, em nenhum local da cidade você tem tanta concentração de guardas civis metropolitanos e policiais militares, além de incursões de policiais civis em operações paliativas que não mudam em nada. e ainda a presença frequente e permanente de agentes de saúde, educratod e assistentes sociais, além de visitas frequentes de juízes, promotores, vereadores e até deputados para verificar se a polícia não está sendo abusiva em cima dos viciados. Então, em nenhum lugar na cidade de São Paulo, a presença de estado é tão grande e constante e visível como na Cracolândia. O estado é absolutamente onipresente na cracolândia. Então, longe de ser uma região de amostra da falta de estado, é justamente o oposto, é a materialização do que o Estado brasileiro é uma organização que protege e estimula a criminalidade. Sim, estimula e protege, porque graças à Cracolândia, comércios têm sido levados à falência, seja por insegurança que levou à queda de clientes, seja por frequentes saques e também refugiados de guerra. Sim, literalmente refugiados de guerra, porque não há outro nome que possa ser dado para pessoas que se mudam por causa da violência. E é claro, esses drogados não se limitam apenas àquela região da Craculândia, eles se espalham por todo o centro de São Paulo. Bom Retiro, Jardins, Barrafunda, Sé, Liberdade, região da Paulista, todas regiões que inclusive seriam turísticas ou deveriam ser turísticas, levando violência e sujeira por onde passam, feito gafanhotos e protegidos pelo estado. Porque não se engane, não é como se os policiais fossem os culpados. Por eles já teriam feito algo também para resolver isso, mas forças superiores a eles impedem e atacam violentamente quem atenta contra os usuários de drogas. Frequentemente, os policiais são até também vítimas disso, porque são atacados e nem podem se defender. Mas a questão é, como pode ter piorado tanto? O paulista até 2006, quando teve os ataques do PCC, era orgulhoso de não ser como Rio de Janeiro, de que a Polícia Militar podia entrar em qualquer lugar no estado sem perigo. Mas isso mudou e, tal como no Rio de Janeiro, os paulistas toleraram, normalizaram e se adaptaram e o mal venceu. E nem vou entrar nos detalhes de outras regiões do país, onde o crime também está crescendo e saindo do controle com a população normalizando esse anormal. Mas afinal, por que isso? Porque estamos normalizando o errado e tolerando o intolerável. Para nossa sorte e azar simultâneo, isso é algo bem estudado. Zigmund de Balman, em a modernidade e holocausto comenta algo bem desconfortável. Os genocídios nazistas não foram cometidos por monstros e nem por pessoas mentalmente doentes ou moralmente degeneradas, mas sim por indivíduos perfeitamente normais, operando dentro da estrutura igualmente normal da sociedade moderna, porque expõe a natureza racional e cotidiana do mal praticado. Não se tratava de exceções patológicas ou surtos de loucura coletiva, mas da execução metódica de tarefas administrativas. feitas por pessoas que em outras circunstâncias poderiam ter sido professores, contadores, advogados, médicos, pais de família e por aí vai. Isso nos obriga a repensar não nos extremos, mas o próprio centro daquilo que chamamos de normalidade. A tentativa inicial de explicar o holocausto como resultado da ação de psicopatas sádicos ou indivíduos deformados moralmente foi totalmente destruído pela pesquisa histórica. Isso porque para Bman de 10% dos integrantes da SS poderiam ser considerados, entre aspas, pessoas anormais pelos critérios clínicos. A grande maioria teria passado com facilidade por testes psiquiátricos comuns em forças policiais ou militares. E pior ainda, os próprios sobreviventes dos campos reconheciam que os episódios de crueldade explícita eram praticados por poucos. O restante se limitava a cumprir ordens, muitas vezes sem expressar prazer ou remorço. Isso significa que o genocídio foi conduzido por uma burocracia funcional composta por pessoas comuns, agindo dentro de uma lógica moderna de hierarquia, obediência e eficiência. Essa constatação é moralmente perturbadora, mas também é sociologicamente importante, porque as instituições que viabilizaram o holocausto não eram em si criminosas ou anormais. Pelo contrário, operavam segundo os princípios da racionalidade moderna de divisão de tarefas, separação entre meios e fins, foco nos resultados, anonimato organizacional. Quando se olha com atenção, percebemos que o horror emergiu não de uma ruptura da civilização, mas de seu funcionamento regular. O genocídio foi produzido por uma sociedade disciplinada, eficiente e tecnicamente avançada. Daí nasce a verdadeira inquietação de Balman. Se a normalidade moderna é capaz de produzir um evento como o holocausto, então é essa a normalidade que precisa ser questionada. Não basta identificar os erros morais dos indivíduos. É preciso expor os padrões de ação racional que torna possível o que poderíamos chamar de mal. A obediência cega, a fragmentação da responsabilidade, a tecnocracia emocionalmente estére. Tudo isso cria um ambiente onde atrocidades podem ocorrer sem que ninguém se sinta pessoalmente responsável. É como se o sistema estatal criasse uma blindagem moral, permitindo que cada um desempenhasse seu papel sem jamais precisar confrontar o resultado coletivo de suas ações. O que nos leva também a um ponto muito importante que é fazer o mal em nome do bem. Pessoas ali na craculândia, frequentemente de outras partes da cidade, vão para lá fazer caridade, levando comida e assistencialismo para os usuários da de drogas e também protestando contra a presença das forças policiais. Os moradores e comerciantes da região já imploraram várias vezes para eles pararem de fazer isso, porque apenas está alimentando a aglomeração e a criminalidade na região. Mas eles, se confortáveis e sua superioridade moral preferem escolher manter essa ajuda aos usuários de drogas, mesmo sabendo que isso está causando mal aos moradores da região. Ou seja, eles selecionam quem é digno de compaixão. não é a pessoa que está trabalhando, mas aquela que está usando drogas. E a mesma coisa se aplica a deturpação de outros conceitos, como por exemplo, direitos humanos. Direitos humanos, em essência é uma maravilha. é uma das maiores conquistas civilizacionais da história humana, mas ela tem sido deturpada não para proteger todas as pessoas, mas para proteger justamente os principais agressores dos direitos humanos, que são os criminosos, colocando assim a pessoa normal, por assim dizer, em perigo, porque se ela se defender, então ela também se torna agressora. Esse jogo de palavras aonde você pega conceitos moralmente elevados e deturpa eles é algo que tem sido muito bem feito nos últimos anos aqui no Brasil e no mundo. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, o problema não é apenas a violência ou a corrupção em si, mas a maneira como essas práticas foram absorvidas pela sociedade como parte do seu cotidiano. A adaptação à desordem, a indiferença diante da barbárie e a reconstrução da vida em meio ao colapso são sinais de uma cultura que, como advertiu Bman, aprendeu a funcionar dentro do absurdo. O artigo Se olhar para a massa Nunca girei, entorpecimento psíquico e genocídio, de Paul Slovic, menciona um fenômeno psicológico, a dessensibilização emocional diante de tragédias em grande escala, como genocídios que levam à inação coletiva, ou seja, a normalização da comunidade diante do absurdo. A ideia central é o entorpecimento psíquico, um estado em que a magnitude das vítimas paralisa a empatia humana. Isso ocorre porque nossa capacidade de processar sofrimento diminui quando confrontada com números abstratos e estatísticas massivas, em vez de rostos ou histórias individuais. Esse paradoxo é amplificado pelo efeito da vítima identificável, que mostra como as pessoas são mais propensas a agir diante de relatos pessoais e concretos, como a história de uma criança em perigo do que diante de dados com milhares de mortos. Essa desconexão emocional está ligada ao colapso da compaixão, um fenômeno que o aumento do número de afetados não gera um engajamento proporcional, mas sim uma sensação de impotência ou indiferença. Anormalização. Ele mostra esse padrão com exemplos históricos, como a lentidão internacional diante dos genocídios em Ruanda de 1994 e de outros conflitos e genocídios. Em todos esses casos, a cobertura mediática focada em números e escalas tornaram a situação abstrata, o que torna o evento algo etéreo e material e psicologicamente distante. No caso da craculândia, isso se apresenta de forma muito clara com as pessoas que vão fazer as supostas caridades na craculândia, dando comida para os usuários de drogas, sem levar em consideração o estrago que esses usuários causam naquela região, colocando a vida dos moradores em perigo e também dos comerciantes que precisam ir lá todo dia para trabalhar. A compaixão, nesse caso, é seletiva. Eles estão preocupados com aqueles usuários de drogas, mas não se importam com os moradores e no final do dia voltam para casa satisfeitos de que teriam feito do mundo um lugar melhor. Afinal, praticaram a caridade. Estudos experimentais reforçam essa tese quando problemas sociais são apresentados com estatísticas grandiosas, como, por exemplo, 250.000 Crianças necessitam de ajuda. As doações e o interesse tendem a ser menores do que se fosse uma única história com nome e rosto, com o pedido de fazer vaquinha na internet, por exemplo. Mas nem tudo está perdido, porque essa normalização do absurdo não é algo essencialmente de dentro de nós, como se o homem fosse mal por natureza. É como tudo no universo relativo. Falo isso porque no livro O efeito Lucifer de Philip Zimbardo, ele descreve o experimento da prisão de Stanford, uma simulação de prisão que teve que ser interrompida após apenas seis dias por causa de vários resultados angustiantes e colapsos mentais dos participantes. Os participantes eram 24 homens voluntários que participaram de um estudo psicológico sobre a vida carcerária. Após avaliações de estabilidade psicológica, esses voluntários foram divididos aleatoriamente entre guardas e prisioneiros. Os guardas receberam então uniformes que os despersonalizavam e instruções para impedir fugas. Em poucos dias, os guardas passaram a cometer abusos psicológicos crescentes contra os prisioneiros. Nisso, ele focou especialmente nos dados de autoratos de humor feitos pelos estudantes que desempenharam os papéis de prisioneiros e guardas. Durante e após o experimento, os participantes preencheram listas de adjetivos para descrever seus estados de ânimo. Esses adjetivos foram agrupados em dois eixos: humor positivo versus humor negativo e atividade versus passividade. Os resultados confirmaram que se esperava com base na observação dos comportamentos. O prisioneiros relataram três vezes mais emoções negativas do que positivas e foram muito mais negativos do que os guardas. Os guardas, embora também tivessem uma leve inclinação ao humor negativo, foram muito mais estáveis emocionalmente. Um dado importante foi a instabilidade emocional dos prisioneiros. Suas flutuações de humor, ao longo dos dias foram duas a três vezes maiores do que a dos guardas. Além disso, no eixo Atividade e Passividade, os prisioneiros demonstraram muito mais agitação interna, o que indica um estado emocional de conflito, tensão e ansiedade. Quando o experimento foi interrompido, os resultados mudaram drasticamente. Houve um salto nos índices de humor positivo em ambos os grupos. Entre os prisioneiros, a negatividade caiu de 15 para cinco, enquanto a positividade subiu de seis para 17. Eles também se sentiam menos passivos. A interpretação é que o sofrimento emocional estava diretamente vinculado à situação vivida e não à personalidade dos indivíduos. Ou seja, eles reagiram mal ao ambiente, mas voltaram ao equilíbrio assim que saíram dele. Um fenômeno que Zimbardo chama de expressividade situacional da resposta emocional. Mesmo os prisioneiros que haviam sido liberados antes do término da experiência apresentaram no reencontro final humor positivo semelhante ao dos que haviam ficado até o fim. Essa normalização emocional se deve a diversos fatores, como os que ficaram, que celebravam ter resistido à experiência, os que saíram cedo se recuperaram ao a se afastarem da situação. E talvez ambos os grupos tenham se sentido aliviados ao ver os demais livres, eliminando então sentimentos de culpa ou abandono. Já os guardas, embora menos afetados durante o experimento, também apresentaram melhora emocional. A pontuação média de positividade mais do que dobrou, enquanto a negatividade já era baixa, caiu ainda mais. Apesar disso, os registros posteriores revelaram que alguns guardas se sentiram perturbados por suas ações, especialmente por não terem impedido os abusos cometidos. Isso sugere que, embora tenham se adaptado bem à lógica da autoridade e ao papel repressivo, não estavam emocionalmente blindados as consequências morais de suas ações. No fundo, Zimbardo mostra que os efeitos psicológicos do ambiente prisional foram profundos, mas transitórios. A volta à normalidade indica que aqueles estudantes eram emocionalmente saudáveis e que o comportamento extremo que apresentaram foi produto direto da situação social que foi imposta a eles e não desvios individuais. O experimento então deixa bem claro como a estrutura e o contexto podem deformar o comportamento humano, inclusive entre pessoas comuns e mentalmente estáveis. E isso nos traz a um dos meus cientistas políticos favoritos, James C. Scott, no livro Sin Like a State, que é outro daqueles socos no estômago de quem acha que o problema é a falta de Estado, quando na verdade é o excesso de Estado, com excessos de leis, regulações e centralizações que causaram esse tipo de caos que estamos vendo e que é difícil resolver. Isso porque ele expõe exatamente como a imposição de lógicas simplificadoras pelo Estado, mesmo com intenções supostamente benéficas, acabam por produzir efeitos colaterais desastrosos, inclusive a normalização do absurdo. Scott argumenta que os estados modernos, em nome da legibilidade e do controle tentam transformar sociedades complexas em sistemas esquemáticos e legíveis, o que obviamente é impossível. E ao fazerem isso, apagam a sabedoria local, reduzem a autonomia dos indivíduos e criam condições para os colapsos sociais, econômicos e culturais. Cidades planejadas que fracassam como Brasília, campanhas de coletivização que geram fome como na União Soviética e comunidades deslocadas e empobrecidas por decisões técnicas burocráticas distantes da realidade local são os exemplos que ele cita. O que você tem que entender é que as intervenções estatais mais desastrosas se originam da combinação de quatro elementos: uma simplificação administrativa da sociedade, uma ideologia de suposto automodernismo, um estado autoritário disposto a impor essa ideologia e uma sociedade civil prostrada, incapaz de resistir. Além disso, Scott sustenta uma linha crítica que se aproxima até mesmo de uma ideia quase que anarquista, mas não é, mas se baseia na ideia de que a centralização estatal destrói as capacidades locais de autogo governo, improvisação e resiliência, algo diretamente ligado à forma como as sociedades como o Rio de Janeiro e São Paulo vem se tornando reféns de suas próprias estruturas estatais degeneradas, porque a lógica do planejamento social em larga escala é produzir justamente o tipo de sujeitos que seus planos presumiam desde o início, indivíduos passivos, dependentes do Estado, enfraquecidos e sem iniciativa. Logo, quando o Estado se torna o único arquiteto da ordem social, ignorando os conhecimentos locais, desprezando a complexidade da vida real e os aspectos culturais e religiosos da população e impondo projetos autoritários e que são, e isso é importante, sempre são e sempre serão abstratos e sempre levarão ao desastre. Ou seja, diferente e imaginado, o resultado é a destruição da autonomia, da moralidade prática e da resistência social. No fim, o que resta é um povo que aprendeu a sobreviver dentro do colapso, normalizando o intolerável e vivendo uma simulação de civilização. E o irônico nesse contexto é que o fortalecimento dos direitos individuais e do indivíduo acabam beneficiando a coletividade, ao passo que medidas que supostamente iriam beneficiar a coletividade fazem, na verdade, com que ela seja refém de algumas poucas pessoas. Não se trata de egoísmo ou algo assim. Se trata de respeitar os indivíduos com as suas diferenças, de forma que a sociedade, principalmente a local, tem autonomia para saber o que é melhor para ela. Porque ela, as lideranças regionais que estão naquele local sabem o que que é melhor para elas, muito melhor do que alguém que está a centenas ou milhares de quilômetros de distância, achando que sabe da realidade, com base em papéis e documentos e tomando decisões que passam sumariamente por cima da vida de milhões de pessoas na base da canetada. Por isso, favelas ou cracolândias não devem ser lidas como fracassos do Estado, como os mais ingênuos e sem noção de realidade ou de baixa capacidade intelectual pensam, mas sim como sucessos da estrutura de poder que domina o Estado, que por meio de seus funcionários burocráticos tenta, com sucesso variável criar um terreno e uma população com precisamente aquelas características padronizadas, porque assim serão mais fáceis de monitorar contar, avaliar e gerenciar. Este objetivo tópico imanente e continuamente frustrado do Estado moderno é reduzir a realidade social caótica, desordenada e em constante mudança a algo mais próximo da grade administrativa de suas observações. Grande parte disso, vindo da arte de governar do final do século XVI e início XIX, onde foi dedicada a esse tipo de projeto, no período de transição do tributo para o imposto, do governo indireto para o governo direto, da subordinação para a assimilação. Os estados geralmente trabalharam para homogeneizar, padronizar, tornar os mais iguais possíveis suas populações e tentando quebrar sua segmentação, impondo línguas, religiões, moedas e sistemas jurídicos comuns, bem como promovendo a construção de sistemas conectados de comércio, transporte e comunicação. As simplificações estatais são projetadas para fornecer às autoridades uma visão esquemática de sua sociedade. E essas tipificações são indispensáveis para a arte de governar. A única maneira de compreender aspectos do conjunto é reduzir uma gama infinita de detalhes a um conjunto de categorias que facilitam a agregação. E daí vem a questão do universo, da realidade, da geopolítica em sua forma mais pura, porque elas não se importam com ideologia ou com a canetada do burocrata. Tentativas de padronização e sistematização sempre fracassaram e sempre vão fracassar. Aí vem aquele ditado, o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções. Embora nesse caso, nem mesmo podemos falar de boas intenções. E tentativas à força de colocar questões artificiais, padronizando aquilo que é impossível de padronizar, ignorando as infinitas diversidades e infinitas combinações, vão levar eventualmente a civilização ao colapso. Isso já aconteceu antes. Nós temos exemplos históricos: coletivizações sempre levam ao fracasso, bem como a normalização de comportamentos que normalmente seriam considerados errados. E a sociedade que assiste isso de forma passiva, achando que apenas esperar os próximos 4 anos para votar vai fazer toda a diferença, porque é muito cômodo essa postura, também vai acabar pagando o preço por isso, não apenas o governo. Obrigado a todos, espero que vocês tenham gostado. Não se esqueçam de se inscrever no canal e considere virar membro. Você virando membro, não só você vai ter acesso às lives exclusivas, mas também vai ter acesso às séries exclusivas. Geopolítica do Império Mongol, a história geopolítica dos Estados Unidos, a história militar da China e outros que virão com o tempo e que vão ser exclusivos para os membros. Então consegue virar membro, assim você vai ter acesso a esse conteúdo exclusivo premium e ainda garante que o canal Geopolítica Mundial fique vivo, já que são graças aos membros que nós podemos manter esse canal respirando. Abraços e até o próximo vídeo. [Música]

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