Descobri que Minha Vida era uma Mentira
0A maior parte da minha vida, eu morei na região Sudeste e uma coisa tem que ser dita, né? Quem nasce e vive nessa região, principalmente nas áas metropolitanas ali, como São Paulo capital, Rio de Janeiro capital, grande Vitória, vive uma bolha. E mesmo o Sudeste tendo aí mais de 80 milhões de habitantes, ainda é uma minoria se a gente comparar com o resto e o tamanho do país. E pela primeira vez as pessoas estão saindo desse eixo Rio São Paulo. Eu fico feliz de ver que as pessoas estão acordando finalmente, que existem outras formas muito melhores de se viver. E eu depois que saí comecei a ver as coisas de uma maneira diferente, de um jeito que eu não pretendo voltar e ficar preso naquela bolha nunca mais. E o maior choque foi quando eu saí do Brasil pela primeira vez e fui pro Paraguai, um país que até então era visto como se fosse um velho oeste da América Latina. E acabou que eu gostei tanto que eu resolvi me mudar de vez. E eu descobri que a liberdade ela não é prejudicial como eu pensei que fosse. A primeira coisa que mais me diziam antes de eu ir foi: “Você é doido, cara. Vamos te sequestrar lá, roubar seus órgãos. É um lugar que não tem polícia, que não tem lei. E na verdade tem lei sim, mas é que não tem policiais suficiente para fiscalizar. Ainda mais que como é uma região de fronteira, não tem aduana nem nada, fica muito difícil para você controlar, porque se alguém faz alguma coisa de um lado, atravessa a rua, acaba a jurisdição. E a primeira vez que eu fui, eu realmente fiquei chocado ali com as pessoas armadas em tudo que é canto. Parecia um ambiente muito hostil, as pessoas andando de moto sem capacete, não tinha ônibus, não tinha SUS, a polícia era insuficiente. E eu fiquei pensando, como é que pode um país sem todas essas coisas que são essenciais funcionar? E outra também, por que que o povo não atravessa a rua e vem aqui pro Brasil, já que aqui tem todas essas coisas? Eles gostam de morar no lugar que não tem isso não faz sentido. E com o tempo eu fui vendo que as pessoas ali não precisavam de nada disso. O povo era muito independente. Não precisava de polícia porque todo mundo tinha um 38 em casa. As lojas também não, porque todas elas tinham segurança particular. Não precisava de ônibus porque todo mundo tinha carro, tinha moto, já que o imposto é tão baixo que você encontra moto usada ali por menos de R$ 1.000. Não precisava de sus porque tem médico para todo lado. A consulta particular não é tão cara. Como a faculdade de medicina é muito barata, qualquer pessoa pode fazer. Todo mundo tem dinheiro para pagar mensalidade. Então acaba que tem muitos médicos e também tem muita concorrência. Não é uma coisa litizada que nem aqui no Brasil. E aí, com o tempo eu fui começando a entender que na verdade o brasileiro é o típico leão que é completamente dependente do zoológico. Ele não só tem medo da savana, como ele é completamente dependente do alimentador. Ele pensa que não tem como viver se alguém fornecer tudo que ele precisa. Pensa que é impossível viver em um lugar que não tem ônibus, que é impossível você ter estrada se você não tiver uma secretaria, um ministério da infraestrutura. Só o governo pode criar rodovias, asfaltar as ruas. Em vários países como Peru, Bolívia e até aqui no Paraguai, a gente vê que a própria população pavimenta as ruas com pedras, pavers. Se tiver algum buraco, alguma coisa, a própria pessoa vai ali, tampa o buraco com concreto, com areia, pedra. Já no Brasil isso não pode, é proibido, né? Se você vê um buraco na frente da sua rua e jogar cimento dentro, você pode ser multado e até preso aí de 6 a 3 anos. É uma loucura isso. A gente cresce preso nesse sistema, né, que a gente é obrigado a pagar por serviços horríveis e ainda tem que aceitar e dar graças a Deus ainda, como se ele estivesse fazendo um grande favor pra gente. No SUS, isso também é muito comum, os próprios moradores constróem pontes, ruas e tudo aí acaba saindo mais barato do que o orçado pelo governo. No Centro-Oeste também os próprios fazendeiros ali usando os tratores tudo, vão fazendo as estradas. Ironicamente, esses lugares que menos têm serviços públicos são justamente os estados mais independentes e que estão atraindo população. Agora, como é que se explica isso? As pessoas não têm só essa dependência extrema dos serviços públicos, também como aquela confiança normal de que tudo sempre vai funcionar, mesmo nunca funcionando direito. Que por exemplo, onde eu tô aqui agora tá sem luz. Dá para você olhar ali até nos prédios mais caros não tem gerador, não tem nada. Até quem é rico tá sem luz também. Olha o caso da Mapá lá que ficou um mês sem luz. Então é necessário que a gente seja independente, tenha geradores de energia em casa, alguma forma alternativa, a gente pode ficar confiando o tempo inteiro. É muito comum acabar água aí pelo Brasil. Eu já passei isso aqui em Santa Catarina também de ficar uma semana sem água e não tem o que fazer, né? Porque a gente é muito dependente. A gente não tem poço artesiano, não tem um rio para pegar água, não tem nada. Então, se for parar para pensar, isso é muito preocupante. A gente é muito vulnerável a qualquer tipo de tragédia, catástrofe. Já em outros países não chega a esse nível todo. Eles conseguem se virar porque eles sabem que não adianta só esperar as coisas cair do céu. Você tem que ter alguns itens básicos na sua casa. E o brasileiro não, né? O brasileiro médio, ele cruza os braços, fica esperando ali, reclamando das autoridades, reclama da vida. Enquanto a prefeitura não chegar ali com a solução, ele não vai fazer nada. Somos um povo tão submisso que nós confiamos mais em uma arma na mão de um policial do que na nossa própria mão. As pessoas preferem ter que ligar um 90 e esperar alguém vi para proteger ela do que ela mesma se proteger. É um nível absurdo. A pessoa não acredita nem em si mesma. E o principal motivo das pessoas estarem saindo desse eixo Rio São Paulo é justamente a segurança pública, que não deu certo. Os bandidos e a criminalidade tomaram conta de tudo e agora as pessoas estão indo justamente para esses locais que menos tem polícia. Se você olhar na tabela aí, Rio de Janeiro é um dos estados que mais tem policiais por habitante no país e mesmo assim as pessoas estão indo para Santa Catarina, que é um dos que menos tem polícia. Mas o que que é diferente é que em Santa Catarina você já tem uma cultura da caça, você tem clube de caça e tiro para tudo que é lado. Aqui tem festival que incentiva as pessoas a terem em casa. Quando eu fui pro Paraguai também pensei isso, achei, nossa, deve ser que nem aqueles filmes de velho oeste aqui, uma loucura, todo mundo brigando por qualquer motivo, qualquer traição, briga de trânsito, aí vai acabar em tiroteio. E o que a gente vê aqui é completamente diferente. Não tem assalto, não tem furto, não tem desrespeito nem nada. Justamente porque todo mundo tá ali de igual para igual. E aí não tem valentão, né? que o bandido ele só ganha de você porque ele tem uma vantagem sobre ti. O bandido sempre vai em quem que ele acha que é indefeso, sempre vai naquela senhorinha, naquela pessoa que ele tem certeza que não vai reagir. Dificilmente você vê ele indo para cima de um marombeiro. E essa que é a vantagem deles, né? Porque eles não seguem as leis enquanto a gente segue, enquanto você fica pensando aí, ai um ar flash é muito perigoso, nem sei usar. E a lei também não permite. O mal não tá nem aí. Ele compra uma bazuca lá e vira dono da cidade inteira. Outra coisa interessante foi quando eu fui pra Assunção para conhecer a cidade e dentre vários pontos turísticos a gente foi ali no lugar que é chamado de La Plaza de Los Heróis, algo assim, um local lindíssimo, todo em estilo clássico e onde tá enterrado Mariscal Lopes. Na verdade, o local virou um mausoléu em homenagem a ele. Só que assim, não sei se vocês conhecem bem a história, mas o Marc Lopes, ele foi um ditador muito maluco, tão doido, que ele colocava barba postiça nas mulheres, nas crianças e mandava eles pro tiroteio, porque ele não queria se render e ele acabou com o país por causa disso. Daí a estimativa é que ele foi responsável pela redução, digamos assim, de 75% da população. Só que hoje aqui nas escolas do Paraguai é ensinado como se ele tivesse sido um grande herói. E a partir daí eu vi que cada país ensina a história do seu próprio jeito, com seus próprios objetivos ali para tentar criar uma identidade nacional. Por exemplo, não tem aquela imagem bonita que a gente vê nos livros aí de história do Brasil, nos museus? Na verdade, ela é uma cópia de uma outra pintura. Aquela cena ali, na verdade, nunca aconteceu. Tem certos elementos ali que nem existia no Brasil na época, né? Se você olhar ali, aqueles cavalos nem tinha. E obviamente a história que é ensinada em Portugal e no Brasil são diferentes, né? em Portugal eles não são tão vilanizados. Se você vê, por exemplo, o caso do Japão, eles não ensinam praticamente nada sobre a história e a participação deles lá no conflito. A maioria dos japoneses não tem a mínima noção do que aconteceu naquela época, do lado que eles estavam. Eles se vem até hoje como se fosse uma vítima do que aconteceu, né, por causa de Hiroshim, Nagasak. Eles nem sabem o significado desse símbolo, por exemplo, que era um aliado deles. Da mesma forma, os paraguaios também se vê como vítimas de um conflito, só que é um conflito que eles mesmos começaram e perderam. Então, não tem como a gente confiar na história e no que a gente aprendeu no colégio, porque cada país ensina a história do jeito que eles quer. Esquece de propósito, fatos importantes, acontecimentos, distorcem tudo ali de uma forma tentar exaltar essa memória nacional e sempre tenta fazer parecer que o país hoje é muito melhor do que já foi no passado, de que a culpa nunca é nossa ou do que tá sendo feito hoje. A culpa é sempre de outro país, do que foi feito há séculos atrás. Inclusive, um dos livros que eu mais gostava de ler nessa época do ensino fundamental era o livro didático do Mário Schimit, a história crítica. E só agora, depois de adulto, que eu descobri que esse livro foi banido justamente porque ele distorcia a história, exaltava Cuba, União Soviética. Basicamente ele foi considerado um livro comunista. Ou seja, como dizia Hancock, nós somos uma espécie com amnésia. Provavelmente esquecemos nossas raízes e origens reais. Acho que estamos bastante perdidos em muitos aspectos. Vivemos em uma sociedade que investe enormes quantias de dinheiro e energia para garantir que todos nós continuemos perdidos. Obviamente isso não é à toa, né? Napoleão mesmo dizia que a história é um monte de mentiras em que os historiadores entraram em acordo. Nosso passado, infelizmente, é sempre reescrito a cada década. E hoje o que aconteceu há séculos atrás é uma grande incógnita. Provavelmente foi muito mais grandioso do que a gente acha que foi, mas é dito que não pra gente se acomodar nessa vida simples que temos. Isso também vale paraos livros de geografia. Já tivemos livros retirados aí das prateleiras por ter informações erradas, mapas errados. Aí depois pergunta porque a gente não conhece os países da América do Sul aí, ó. E eu lembro que eu tinha um professor que exaltava muito Cuba na época do prévestibular e os alunos até perguntavam: “Mas professor, se Cuba é um lugar tão bom assim?” Porque a gente vê toda semana reportagem aí das pessoas arriscando as vidas, subindo em balsa e tentando chegar em Miami. E o professor até falava, né? Ah, isso daí é tudo cubano babaca. Eles arriscam a vida dele só para ter um iPhone, para ter um PlayStation e aí todo mundo ria. E eu ficava com isso na cabeça, né? Para mim era isso aí mesmo, né? Falei: “Porra, em vez do cubano ter uma vida perfeita ali, vai querer ir lá nos Estados Unidos para se lascar, para trabalhar seis por um?” Não faz sentido. Até que no Paraguai finalmente eu conheci pessoas do mundo inteiro, japoneses, chineses, coreanos. E entre eles conheci cubanos de verdade que fugiram de Cuba. E aí conversando com eles, eu vi que a realidade é completamente diferente. Naquela época ainda não tinha essa internet de hoje, né? O YouTube mal tava começando ali, nem tinha like ainda, era só nas estrelinhas, não sei se vocês lembram, era vídeo bobinho, tudo em 360p, não tinha nem vídeo HD ainda. Então não existia vídeos a respeito de como que eram os países de verdade, não tinha Google Street, não tinha nada. Nós éramos obrigados a acreditar 100% no que passava na televisão, no que os nossos professores diziam, no que estava nos livros, né? Só que esses ex-moradores me disseram que eles passavam fome lá. Não tinha remédio, não tinha carro, mal uma bicicleta, mesmo sendo médio que tudo, a internet deles era tudo limitada, só pro pacote de dados. Não tinha energia durante 24 horas, água acabava sempre. Dizem até que para comprar um sapato novo, eles tinham que ficar juntando dinheiro como se fosse uma poupança do sapato. Ai, que loucura. Tinha que andar de tênis tudo furado até conseguir juntar o dinheiro. Não tinha condição de comprar nem roupas básicas, coisas simples assim. E no começo não acreditei muito, né? Achei que era exagero, porque também era estranho ver os neurocirurgiões ali andando de bis. Nem bis é, né? É uma cópia da visão B15 e tudo feliz ainda. E eu pensava, não é possível que esse cara que faz cirurgia no cérebro, tira tumores de cérebro, que era para est ganhando milhões aí tá aqui andando com as motos todo estrupado. Esse cara deve ter comprado o diploma. Não é possível. Se você hoje com sua mentalidade de brasileiro, você confiaria em um médico que você vai ali no hospital e ele tá chegando com uma moto dessa aí para fazer a cirurgia em você? Deus que me perdoe, mas eu ficava bem recioso no começo, não confiava muito de ir no Paraguai, acabava indo no SUS mesmo, porque, pô, não dá para acreditar, né, que eles eram médico de verdade, assim, com as condições tão precárias. Mas depois um desses médicos cubanos foi o que me diagnosticou corretamente. Enquanto o do SUS errou, ele acertou. Então eu vi que ele não era assim tão fake quanto eu pensava. E o tempo ali no Paraguai fez bem para eles. Eles começaram a crescer na cidade e depois de uns 4 anos ali eles já estavam andando até de Audi, já não tava naquela B15 mais. E aí que eu comecei a entender então o quanto que a geografia que eu achava que sabia era uma mentira gigante. Tudo que eu aprendi tava errado. Nós nunca conhecemos e sabemos a verdade de cada país. De fato. Isso daí até hoje a única forma de você saber é você ir lá e conversar com os moradores daquele local. Então, na escola nós não aprendemos a verdade, nós aprendemos uma forma de enxergar o mundo e que é bem distante da realidade, por sinal. E se você não ensina os fatos da forma como eles realmente são, você não tá incentivando a um pensamento crítico de verdade. Você tá é afundilando a visão da realidade e projetando que todo mundo pense de uma maneira muito específica. É uma ilusão do conhecimento. Você acha que sabe muito, mas na verdade você sabe só um recorte muito pequeno da realidade e completamente manipulado ainda. Isso é um tipo de coisa que sempre nos mantém nessa posição que a gente tá, sempre inferiorizados, burros. É um tipo de coisa que nos deixa limitados. Isso é muito triste, na verdade. As nossas autoridades não investem dinheiro em educação, mas em desinformação para que nos mantenham como plebeus, enquanto eles fazem parte da aristocracia, da nobreza, né, para nos prender nessa condição de vida. E vocês, o que que vocês já descobriram que mudou a forma de enxergar o mundo? L desejam muita sabedoria, meus caros. Que o destino nos permita partilhar muito mais dessas coisas e até mais. [Música]