Essa cena me deixou paralisado por dias
0Rapaz, tem cena que não sai da cabeça. Você sente raiva às vezes? [Música] Sinto. Essa aqui me travou de verdade. Me fez repensar muita coisa. Me trouxe um mix de emoções estranhas, fortes, confusas. Mas enfim, melhor do que eu ficar falando. Assiste aí a cena, me diz o que sentiu e depois eu vou aprofundar nas questões e nos enigmas que mais pegaram para mim. Eu te vi no jardim pintando e soube pelos outros que você diz que é pintor. É, é o que eu sou. Por que diz isso? Você tem o dom para pintura? Tenho. E de onde acha que esse dom vem? Você diria que Deus te deu dom para pintura? É, ele deu. Foi o único dom que ele me deu. Você pintou isso? É, eu pintei. E você chama isso de pintura? É claro. Diga-me francamente, porque eu quero entender por você diz que é um pintor. Porque eu pinto. Eu amo pintar. Eu tenho que pintar. Eu sempre fui pintor. É isso que eu sei. Nasceu pintor? Nasci. Como sabe? Porque eu não sei fazer nada mais. E acredite, eu tentei. Então, Deus te deu um dom para que você pintasse isso? Deu. Eu não quero ferir seus sentimentos, mas você não vê que essa pintura é, como eu posso dizer, desagradável, que é feia? Por que Deus me daria um dom para pintar coisas feias e perturbadoras? [Música] Às vezes eu eu me sinto tão distante de tudo. Alguém compra suas pinturas? Não. Então você é pobre? Sou bem pobre. Como você vive? Meu irmão Té paga para eu ficar aqui, mas ele também não é rico. Então você na verdade acredita que Deus te deu esse dom porque ele quer te manter na miséria? Eu nunca pensei nisso dessa forma. E de que forma você pensa? Às vezes eu eu penso sim. Bom, talvez talvez ele prossiga. Talvez ele tenha escolhido a hora errada. Explique a hora errada. Talvez Deus tenha me feito um pintor para pessoas que ainda não nasceram. É possível. Disse que a vida é para semear. A colheita não é aqui. Eu pinto com as minhas qualidades e falhas. Então, acha que Deus pode ter se enganado? Eu penso em mim como um exilado, um peregrino aqui na terra. Jesus disse: “Volte seu coração para longe das coisas visíveis e vire-se para as coisas invisíveis.” De fato. Mas como? E Jesus também era totalmente desconhecido quando estava vivo. Forte, né? E todo esse diálogo faz ainda mais sentido quando percebemos que esse filme é sobre Vincent Van Gog, um pintor que, apesar de muito conhecido e celebrado hoje em dia, passou desconhecido durante toda a sua vida. Sim, ele passou a vida toda na miséria, sendo ignorado, escanteado, chamado de fracassado. Não vendeu praticamente nenhuma obra. E mais do que só isso, era visto como um louco, um problema pra sociedade. Ele era um homem solitário, sensível e instável. Vivia tendo surtos psicóticos. Num deles, o mais conhecido, cortou a própria orelha. Era alguém que intercalava momentos de lucidez profunda com delírios. Van Gog vi o mundo de forma diferente. No filme vemos ele sempre parecendo um estranho nos diálogos, um confuso que viajava nas ideias e que as pessoas não conseguiam compreender. Suas pinturas eram uma forma dele se isolar, uma tentativa de colocar na tela o que sentia e como percebia o mundo, porque palavras nunca foram suficientes. Tem alguma coisa dentro de mim, eu não sei o que é, porque eu vejo ninguém mais ver e às vezes isso me aterroriza. Eu acho que estou perdendo a cabeça. E nessa cena que acabamos de ver, ele tá internado num hospital psiquiátrico. Ele foi mandado para lá porque a cidade o via como uma ameaça. Um homem imprevisível, perturbado e perigoso. E nesse momento, o padre aparece para conversar com ele para medir sua sanidade e ver se Vanangog está apto ou não para voltar a viver em sociedade. O padre tá ali claramente como representante da ordem e no diálogo vemos ele logo de cara questionando a identidade de Vanangog, questionando sua identidade de pintor. Diga-me francamente, porque eu quero entender porque você diz que é um pintor. Perceba como a questão pro padre não é o que Van Gog faz, mas o que ele se considera. Pro padre, pintor é quem vende quadros, quem é reconhecido por isso, quem tem valor de mercado. E a sociedade em geral também pensa assim. Mas para Vanangog é diferente. A questão é muito mais simples. Eu sou pintor porque eu pinto, porque eu amo pintar. E o que os outros acham de mim. E essa é a primeira grande questão da cena. O que te define de verdade são os outros ou você? Isso é, você só pode se dizer ser alguém se for reconhecido por isso ou basta sentir lá dentro que aquilo é real para você. A gente sabe que a sociedade, em termos práticos, tá pouco se lixando pro que você sente. Ela exige que você comprove o que é com algo mensurável, dinheiro, fama, status, é como se sua essência fosse realos validada pelos outros. Tem até uma cena interessante no começo do filme, onde Van Gog aparece conversando com um outro pintor que tá revoltado com a falta de liberdade e o excesso de julgamento desse mundo. Ele só quer fugir da sociedade, viver isolado para poder ficar em paz fazendo o que ama, sem ninguém enchendo o saco para dizer as regras, os padrões e o que é certo a ser seguido. Eu quero ficar o mais longe possível dessas pessoas. Eu vou para Madagascar, onde eles nunca ouviram falar de pintura, de escolas, onde eu posso criar uma nova visão, uma nova forma de pintar bem longe de todos os sistemas e teorias. Liberdade total. Parece bom. Pra Vanangog, Aventura era uma forma de sobrevivência. Inclusive, existem relatos de que o pouco dinheiro que ele recebia do seu irmão para sobreviver, muitas vezes era gasto com tintas ao invés de comida. Porque para ele, pintar era uma questão de sobreviver, de botar para fora o que sentia. Tem até uma frase que diz: “O oposto da depressão não é felicidade, é expressão”. Quando eu pinto, eu paro de pensar e eu sinto que eu sou parte de tudo o que está fora e dentro de mim. Eu encontro alegria na tristeza e a doença às vezes pode nos curar. Essa fala de outra cena explica bem isso. A cabeça dele era um lugar barulhento, caótico, cheio de dor. E pintar era a única forma de silenciar isso tudo. Ele encontrava uma estranha paz dentro da tristeza, como se ao encarar a dor de frente, ela perdesse um pouco da força. E quando ele dizia que a doença também pode curar, ele tá indo além. Era como se a própria instabilidade dele, os delírios, os surtos, fossem o que permitiam ele enxergar o mundo de um jeito que ninguém mais via. E aí eu fico me perguntando, será que ele entendia o mundo assim por causa do sofrimento ou sofria justamente porque entendia o mundo demais? Talvez as duas coisas, mas independente da resposta, o que se sabe é que no fim, se ele não pintasse, aí sim ele enlouqueceria de vez. E na conversa com o padre, ele expõe tudo isso, abre seu coração, mas o padre só pensa em corrigi-lo, não tenta entender, só tenta adequar. É bem aquela frase que diz: “Cuidado ao falar com sinceridade sobre suas vulnerabilidades e sentimentos, porque revelar a profundidade da sua dor é arriscar encontrar a indiferença do mundo.” Nesse caso, Van Gog encontra a rejeição, o julgamento do padre de que seu trabalho é feio e desagradável. Claramente não é uma crítica técnica, é uma crítica sobre a forma de Van Gog enxergar o mundo, como se ele dissesse: “Sua forma de ver o mundo está errada. Você precisa ajeitar isso. Tanto é que depois de ouvir Van Gog, o padre diz que ele tá livre para ir embora, mas antes de sair, ele faz questão de virar pintura contra a parede para que ninguém veja. Esse gesto de estudo é praticamente um você pode sair, mas o que você é, o que você faz, isso deve continuar escondido. Para conviver em sociedade, você precisa usar uma máscara. O padre teme que a visão de mundo de Vanog possa atormentar os outros. Sua visão assusta, sua arte incomoda e tudo que incomoda precisa ser silenciado. E aqui entra outra questão importante. Por que Deus me daria esse dom para pintar coisas feias? Será que Deus errou ao dar esse dom? Será que Deus o amaldiçoou com um dom inútil? Algo que só o afastou do mundo e fez com que ele nunca fosse valorizado por ninguém é a ideia do domão. Vanog ainda diz que tentou fazer outras coisas, mas não conseguiu. Eu não sei fazer nada mais. E acredite, eu tentei. Ele deixa claro pro padre que já tentou de tudo para se adequar, para ser considerado normal e viver como os outros, mas ele tinha algo mais forte dentro dele que o impedia, algo que o condenava a viver como pintor. Sem pintura, eu não vivo. Essa frase é simbólica porque mostra como seu dom pode ser visto como uma espécie de prisão divina, um dom que o condenava a sentir o mundo de outra forma, a não conseguir conviver em sociedade e ainda viver na miséria, já que ninguém reconhecia a única coisa que ele realmente sabia fazer. E o que acho interessante nessa ideia é que vivemos ouvindo as pessoas dizerem: “Siga sua paixão, faça o que você ama, descubra seu talento.” Mas a verdade é que seguir seu dom não garante nenhuma, nem sucesso, nem felicidade, nem reconhecimento. Van Gog é o exemplo disso. Passou a vida toda sem ser reconhecido. E quando ele diz: “Talvez Deus tenha me feito um pintor para pessoas que ainda não nasceram. A vida é para semear, a colheita não é aqui. Essa é uma das falas mais complexas do diálogo, porque por trás dela percebemos a esperança de Van Gog de que de alguma forma ele ainda sente valor no que faz. No início, ele queria que as pessoas entendessem o que ele tava expressando através das pinturas, mas isso com o tempo foi mudando. Eu queria tanto compartilhar o que eu vejo. Eu eu achava que um artista tinha que pensar como olhar para o mundo, mas eu não penso mais isso. Agora eu só penso no meu relacionamento com a eternidade. Essa frase marca um ponto de virada na vida de Van Gog. Ele deixa de pintar esperando ser entendido. Deixa de tentar convencer as pessoas que sua visão tem valor e começa a pintar para manter viva a única coisa que ainda fazia sentido, o que ele sentia por dentro. E quando ele fala em eternidade, não tá falando de céu, de religião, nem de viver para sempre. Ele tá falando de um estado interno, um estado em que ele se sente parte de tudo, tanto do que tá fora quanto do que pulsa dentro dele, no meio do caos que era sua vida. Foi nisso que ele se agarrou, na arte, na fé que ele tinha em algo que ninguém podia ver, mas que ele sentia. Volte seu coração para longe das coisas visíveis e vire-se para as coisas invisíveis. Mesmo quando diziam que seus quadros eram feios, mesmo sem vender nada, mesmo oscilando entre desespero, ele continuava, porque ali na pintura, ele se sentia inteiro. Era pintando que ele abria seu coração sem precisar explicar, sem ser corrigido, sem ser interrompido, o oposto do que acontece na conversa com o padre, onde ele também abre o coração, tenta expressar sua fé, mas tudo que recebe em troca são julgamentos, questionamentos e lições de moral. E o que acho que pega tanto nessa cena é justamente esse conflito entre o que sentimos e o que o mundo nos devolve. Eu posso fazer as pessoas sentirem como é estar vivo. E você acha que elas não se sentem vivas? É, eu acho. Para ele tem muita gente vivendo no automático, seguindo regras, fazendo tudo que dizem ser certo na esperança que um dia tudo faça sentido. Mas será que é assim mesmo? A história de Van Gog nos mostra que seguir o caminho da sociedade ou seguir o caminho do coração não te garantem coisa nenhuma. E talvez esse seja o ponto. A vida não vem com garantia. Seguir seu dom não garante alegria. Fazer tudo do seu jeito não garante reconhecimento. Van Gog morreu sem saber se aquilo tudo fazia sentido. Morreu sem fama, sem dinheiro, sem prestígio e por mais bonito que seja imaginar ele lá em cima sorrindo agora, isso é só uma crença, não é uma certeza. E é isso que torna essa história tão tocante, porque ela não é necessariamente sobre um final feliz. Hoje, claro, tem museu com o nome dele. Seus quadros valem milhões, sua forma feia e errada de ver o mundo virou referência, virou arte. E ele ficou marcado na história como um dos maiores pintores. Nós sabemos que valeu a pena, mas ele não. Ele nunca soube, nunca viu o impacto da própria arte, mas ainda assim continuou. Essa foi sua escolha, viver em sintonia com a força que o criou, mesmo sabendo que tudo ao redor dizia o contrário. E provavelmente essa é a coisa mais corajosa e nobre que alguém pode fazer na vida. Se você gosta dos meus vídeos, venha conhecer minha série, A chave das Três Dimensões. Ela no momento, tá vindo com minha outra série de poder e manipulação de graça. Nesse vídeo da esquerda explico mais sobre a chave e no da direita te mostro um trecho grátis de um dos episódios da série de poder para ver se você se interessa. I’m not [Música]