ESSE É O MAIOR PESADELO QUE VOCÊ JÁ VIU!!! A distopia trans-humana de BLAME! (que “inspirou” Matrix)
0Imagine você estar num lugar onde
você não sabe direito por que está lá. Parece uma fábrica, um galpão,
um alojamento de operários. Tudo é muito grande, enferrujado e vazio.
Você caminha, caminha e caminha e nunca encontra ninguém, tão pouco o fim
disso que parece um labirinto de metal. E o pior de tudo, você ainda não
lembra exatamente por que está lá. Isso parece um pesadelo?
Então, é mesmo. Só que na real, um pesadelo muito,
muito genial e que se tornou uma obra cult, cultuada pela galera que curte
cyberpunk, horror corporal e megalofobia. Sim, palavra maravilhosa, né? Quer dizer medo de coisas grandes,
de espaços muito, muito grandes. Só que esse pesadelo tem ainda outro caráter
e que diz muito respeito aos dias de hoje, que é a certeza que esse mundo de
máquinas automáticas, de robôs, de inteligências artificiais é um mundo que
cada vez mais dispensa a própria humanidade. Caso você seja um completo ignorante e
não tenha a menor noção do que eu estou falando, o pesadelo que agora eu vou
compartilhar com você chama-se Blame!. Criado por Tsutomu Nihei, ou no
sentido original Nihei Tsutomu, Blame! é um mangá que saiu entre 1997 e 2003. Ele também ganhou um anime
pela dona Netflix em 2017. E pra muitos, o trabalho do
Nihei Tsutomu é inadaptável. Não rola fazer anime, não rola fazer filme,
simplesmente não dá pra fazer nada com isso. E o argumento é porque grande parte
do barato do mangá está na arte, ou melhor dizendo, na arquitetura.
Sim, Blame! é um mangá que muito arquiteto adora, justamente porque a ênfase não está tanto
na trama ou numa psicologia dos personagens, mas sim no ambiente e no quanto que ele
é capaz de fornecer sensações pra nós, mexer com a gente, nos perturbar. Mas assim, isso não quer
dizer que não tem historinha. Pelo contrário, a narrativa de Blame!, quando você começa a entender o
que está acontecendo, é assustador. Porque eu vou ser bem franco, falando
aqui como uma experiência de leitura, você enquanto leitor demora muito pra sacar,
pra entender realmente qual é dessa história. Tá, é um lugar vazio, outro lugar vazio,
personagens, que eu ainda vou comentar aqui melhor com vocês, que vão pra lá e pra cá.
Só que aí você vai juntando as peças, e quando o quebra-cabeça quase se completa,
é aquele momento que você fica em choque, porque entra em jogo aqui a força da ficção
científica, que é de produzir uma aparente janela, falando de um mundo que não tem nada a
ver com o nosso, até que, de repente, a tal da janela se revela um espelho.
Era sobre nós o tempo todo. E esse pesadelo, extremamente plástico e
belo, é o pesadelo da nossa vida atual. Mas tá muito abstrato, vamos
lá, vamos direto ao ponto. Sobre o que é a história de Blame!? Eu poderia aqui fazer uma explicação
cronológica de eventos, que são melhor explicados até mesmo por um spin-off, no caso
o mangá NOiSE, que saiu entre 2000 e 2001. Porém, se eu fizer isso, eu vou estragar
muito a imersão da própria história. Então vamos partir do pouco
de informação que a gente tem. Tudo começa com a gente
acompanhando um jovem chamado Killy. Ele está nesse lugar que
parece uma fábrica abandonada, ou um gigantesco hangar, que pode ser de
uma base subterrânea, ou de uma espaçonave, sei lá, você não sabe bem direito onde é que
as coisas estão acontecendo, mas você percebe que tudo é muito amplo e tudo é muito vazio.
E Killy acompanha um garoto, algo que se revela arriscado quando um estranho passa por ele.
Nesse mundo, raramente há outras pessoas. E Killy acaba sendo agressivo, porque
logo percebe que essas tais pessoas são, na verdade, Vidas de Silício.
Dito de outra forma, um tipo de robô, mas são figuras
tipicamente hostis e totalmente desumanas. E dá pra ver aqui a influência de Hellraiser na
composição dos monstros, dessas Vidas de Silício. Grande parte do efeito estético
de desumanização passa por essas imagens estranhas, agressivas, às vezes
até mesmo jocosas, mas sempre ameaçadoras. Esse embate só vai piorar e por
mais que Killy lute bravamente, a criança acaba sendo tirada dele.
Mesmo com os vilões depois derrotados, Killy reencontra essa criança,
já numa condição não humana. Ela está passando por algum tipo
de procedimento biomecânico e, portanto, a missão de salvá-la deu errado.
Notem que essa primeira aventura já dá o tom. Existe uma disputa, e já adianto,
vão entrar outros grupos aqui. Mas também existe esse ambiente, esse lugar,
que vai deixando tudo cada vez mais com cara de um labirinto, de uma masmorra, só que com
esse design industrial, pesado, brutalista. E aí você fica pensando, quem é Killy exatamente?
E isso é algo que não fica tão claro, tampouco a quem ele serve.
O que é facilmente identificável é a sua missão. Killy está em busca do Gene Modem.
E aí você deve estar perguntando, que diabos é isso?
Ao que tudo indica, é algo que apenas humanos podem ter, e
que se perdeu, sabe-se lá há quanto tempo. Daí que nesse lugar tão vasto e que é tão
difícil de achar alguém, Killy tem a missão de encontrar pelo menos uma única pessoa que seja
capaz de fornecer a ele o tal do Gene Modem. Eu poderia dizer aqui que o destino
da humanidade depende disso, mas conforme vocês vão ver,
não tem mais humanidade. O que está em jogo, na
verdade, é o destino da cidade. E sim, aqui, a cidade é esse complexo
industrial, que é difícil identificar o fim. Agora que eu já trouxe pra vocês esse início
enigmático, vamos então trazer o background, aquele que é explicado só depois
que você termina de ler Blame!. Mas vamos ser francos, dá uma dimensão
completamente nova pra história. Uma coisa que você não entende, quando você começa
a ler o mangá, é que porcaria de lugar é esse? Por que isso é tão grande?
E como é que isso consegue ser tão grande? Porque uma coisa que a gente vai
descobrir é que existem níveis. Inclusive a missão de Killy começa quando
ele precisa partir para os níveis superiores. Ele meio que tem que subir
as escadas, os elevadores. E a gente descobre que existem grandes blocos
que não tem contato com o bloco ao lado. A divisão se dá por aquilo que
é chamado de megaestrutura. Só que Killy tem uma arma que é muito rara
nesse mundo, e que é uma arma muito poderosa, talvez a mais poderosa que exista, no caso
um disparador de radiação gravitacional. Ou seja, ele tem uma pistola que produz buracos
negros, e que pode ser regulada na sua potência. E isso é capaz de produzir
furos entre as megaestruturas. Só que assim galera, vamos lá.
Quando eu comecei a ler, eu fiquei com a sensação que a principal referência aqui era Metrópolis.
E de pronto isso fica um tanto óbvio. Pra quem não sabe, Metrópolis, filme de Fritz
Lang, explora um mundo onde você tem grandes estruturas verticais, inclusive com os ricos
morando em cima e os pobres morando embaixo. Mas conforme a história avança, você percebe
que não se trata tão somente de subir. A tal da cidade vai se tornando
cada vez mais labiríntica. Você vai de baixo pra cima, de cima pra baixo,
da direita pra esquerda, da esquerda pra direita. Tudo isso contribui pra uma
falta absoluta de orientação. Você não consegue se localizar nesse cenário.
E é por isso que é tão imersivo, por isso que é tão assustador. Porém,
você começa a juntar algumas pistas. E uma coisa que já fica um tanto óbvio
é que a gente deve estar vendo uma história que se passa no futuro longínquo.
Afinal, uma coisa que Blame! vai explorar muito é o trans-humanismo. Mesmo
que Killy seja considerado humano, ele já não é humano, talvez
nos termos nossos de hoje. Killy tem uma série de implantes.
Ele consegue inclusive, pelos seus olhos, mapear, identificar as pessoas,
identificar inclusive robôs. Isso pra não falar das tantas
vezes que ele perde um membro, porque afinal sua pistola que produz buracos
negros, ela tem um ricochete monstruoso. Várias vezes Killy é jogado pra longe,
isso quando ele não perde o braço atirando. E daí vai lá e faz um implante.
É quase uma lógica de se perder o braço, não tem problema, é só enroscar de volta e ligar. E além das Vidas de Silício e dos humanos ou
trans-humanos, coisa que a gente vai ver aqui que tem as mais diferentes espécies ou raças,
algumas sequer se reconhecendo mais como humanos, tem também outros tipos que vai fazendo a
gente começar a entender a lógica desse lugar. O outro ser não-humano que surge
são os chamados varredores, robôs extremamente agressivos cuja missão
é tão somente matar seres humanos. Inclusive as Vidas de Silício não entendem
direito porque os varredores agem assim. Outro tipo de robô que a gente vê aqui
com frequência e geralmente são robôs monumentais são os construtores.
Às vezes eles estão inativos, às vezes eles estão trabalhando e produzindo
lugares completamente sem noção, mas enfim, esses robôs estão aumentando
o tamanho dessa megaestrutura. Estão fazendo a cidade se expandir cada vez mais.
Vocês estão sacando então o que está começando a ficar aqui na cara?
Deixa eu tornar mais óbvio. Por algum motivo que ainda não está claro, mas eu
já vou esclarecer, existe toda uma automação que fez com que essa cidade se expandisse sem qualquer
interferência humana e a própria humanidade se tornou algo marginal nesse lugar.
Inclusive tendo que se esconder. E aí você deve estar pensando, ok,
típica história de máquinas versus seres humanos, certo? Mais ou menos.
Nessa cidade também existe um controle, no caso feito por uma agência moderadora, que
é basicamente uma inteligência artificial, ou melhor dizendo, uma série de inteligências
artificiais que estão lá para gerir esse lugar. E ali tem algo equivalente a uma
internet, uma ‘netsfphere’, que, curiosamente, os humanos nem sabem o que é.
Tem um diálogo que o Killy pergunta para uma outra espécie trans-humana
se eles têm acesso à internet. E eis que a resposta é, o que é internet?
Aliás, esse senso de humanidade completamente alienado da própria tecnologia só
aumenta em diferentes passagens. Quando, por exemplo, uma
dessas espécies trans-humanas comentam que eles têm uma série de
textos que vão passando pela retina, dados que servem para mapear aqui, ali, acolá.
Só que eles falam, a gente não entende o que está escrito, a gente não sabe
nem mais ler essas informações. Então a gente é dotado de uma série de dados
que a gente não sabe o que fazer com eles. Essa profusão de informação, que no final
das contas se torna completamente inútil, intraduzível, parece falar
muito da nossa época, não? Mas enfim, tô aqui situando uma série de grupos,
subgrupos, regras, mas eu não estou respondendo à pergunta principal.
Que porra é essa? E a revelação vem mais para o final do mangá,
não é óbvia, mas é assustadora. Killy está passando por um lugar extremamente amplo e
escuro, e ele encontra uma vida de silício que diz estar mapeando um galpão, um lugar
que tem 143 mil quilômetros de diâmetro. Sim, é enorme pra diabo.
E sabe o que teria também esse diâmetro? Júpiter!
Galera, não sei se vocês estão entendendo, a tal da cidade que a
gente acompanha é uma esfera de Dyson. E vamos lá, vamos contextualizar. Freeman
Dyson, que era um físico e também matemático, bolou a ideia de que uma civilização realmente
muito avançada, acabaria usando como principal fonte de energia a estrela na qual orbita.
Dá a ideia de que a Terra, num futuro longínquo, uma vez sendo absolutamente avançada,
conseguiria construir esferas em volta do Sol, de modo a captar energia, abastecer o planeta
e até mesmo expandir essas mesmas estruturas, fazendo do sistema solar um
grande complexo industrial. Vocês estão começando a entender?
Vamos ver se caiu a ficha. O mundo de Blame! basicamente é o seguinte, a humanidade chegou no ponto de construir uma
esfera de Dyson, que vai do Sol até Júpiter, é um complexo industrial absolutamente gigantesco
e que era automatizado, porque não tem gente suficiente para construir galpão por galpão.
Só que a humanidade perdeu o controle disso. Essa explicação não vai estar
tanto em Blame!, vai estar em nós. O que aconteceu foi o seguinte, os seres humanos
que eram dotados do gene modem, eram os únicos que tinham controle na cidade a partir da netsphere.
Contudo, um grupo terrorista chamado A Ordem conseguiu hackear as pessoas, porque nesse
momento nós já estamos no estágio trans-humano, então a gente pode se contaminar com
um vírus de computador, digamos assim, e com isso o gene modem foi deletado de todo
mundo, ou pelo menos de quase todo mundo. Uma vez que os varredores que estavam ali para
impedir invasores não conseguiram mais reconhecer os seres humanos, eles passaram a caçá-los e os
construtores, sem qualquer tipo de orientação, continuaram construindo, inclusive fazendo
megastruturas completamente inúteis. Essa Ordem terrorista acabou com o
tempo se tornando as Vidas de Silício, se entregando completamente ao homem máquina.
Já os humanos que sobraram foram se dividindo, usando a tecnologia a seu favor e
produzindo uma série de subespécies, nessa estrutura que, eu repito, é tão
grande que é até difícil de ter noção. Chega a ser abstrato você imaginar um complexo
industrial, que é esférico, com uma série de esferas concêntricas, e que repito, vai do Sol
até Júpiter, mas não é uma linha reta, sacou? Pelo menos até Júpiter, é capaz
desse negócio ser até ainda maior. Perceba então como o Blame!
deixa claro o que veio. Através de muita plasticidade, a ideia
aqui é passar esse pesadelo da automação, desse futuro que a gente relega às
máquinas, às inteligências artificiais, e que muito facilmente pode se voltar contra nós. Afinal de contas, é um futuro que a gente não
faz parte, a gente é completamente dispensável. Mas gente, essa é a explicação do universo
de Blame!, eu nem entrei aqui na história. Vale a pena ainda falar dos personagens? Dos dramas humanos, porque
ainda resiste alguma humanidade. Falar das referências de Tsutomu Nihei?
E claro, dá uma filosofada braba, porque esse negócio aqui é um
convite a uma viagem muito estranha. Mas antes de eu te conduzir por um mundo,
que provavelmente vai deixar você sem dormir, ou se você for dormir, era melhor ter
ficado acordado, peço que você curta o vídeo se estiver curtindo, se inscreva
caso esteja novo por aqui e compartilhe. que Blame! explora o descontrole tecnológico,
ou seja, o quanto que a produção de tecnologia, a promessa de um futuro a partir da tecnologia, é,
ao mesmo tempo, uma imagem de perda de controle, perda de um assenhoramento que a humanidade
teria sobre as próprias condições técnicas. Dito de outra forma, nós não somos mais
senhores do que a gente cria, mas sim as nossas criaturas que nos assenhoram.
Tipo gato, saca? Só que bem pior. Tô falando aqui de um gato hi-tech,
um gato exterminador do futuro, sacou? Contudo, outro elemento aqui fundamental, que eu
acho que ajuda esse tom mais onírico e dá mais essa pegada de pesadelo, é a perda de memória.
Ninguém ali direito sabe por que faz o que faz, o próprio Killy está em busca desse gene modem.
E, embora não haja nenhum diálogo nesse sentido, é bem provável que ele não saiba
porque ele começou essa jornada, ou mesmo desde quando ele está nela.
Inclusive, de novo, vai ser em nós e não em Blame!, que vai mostrar que Killy era
um detetive quando ainda havia humanidade. Ele sequer deve lembrar disso,
porém esse dado é importante porque talvez Killy tenha muitos anos,
provavelmente milhares de anos. E o que restou dele, a partir de uma
série de implantes, transplantes, etc, é essa busca pelo gene modem pra salvar o que
restou da humanidade, restituindo controle sobre essa cidade que não para de se expandir
e de exterminar os humanos que sobraram. Tendo o gene modem, ele pode reacessar a
netosfere e voltar a ter controle sobre tudo. Só que assim, isso tá muito claro pra
nós aqui falando, pra ele nem tanto. O começo das histórias de Killy são
muito episodiais, cada capítulo é ele passando num lugar um tanto esquisito.
Uma que é bastante melancólica é dele lendo um livro, e sim, ele sabe ler,
mas ele não entende o que tá escrito. O livro fala de terra, e
ele pergunta, o que é terra? Outra coisa doida nessas tribos ou subtribos
trans-humanas, é que até mesmo o conceito de vida e morte começa a ficar muito difuso.
Killy é chamado por alguém ali que tá visivelmente alterado, pra ajudar a salvar uma
pessoa, provavelmente um ente querido pra essa pessoa que pediu ajuda dele.
Só que esse ser já tá morto. Killy percebe, morreu, já era.
Mas o companheiro ali não percebe, ele não sabe mais a diferença entre um
ser humano que tá desativado, desligado, como se fosse um robô, e uma pessoa morta.
Essa distinção meio que ficou difícil de ter. Outro episódio que também vai acontecer,
e isso um pouco mais pra frente no mangá, é que Killy vai encontrar um reduto de mulheres.
Só que aí que tá, aquele reduto de mulheres, na verdade, são clones.
E a mulher original é uma espécie de prisioneira, toda plugada em uma série de cabos, que tá
ali só pra produzir um clone atrás do outro. Esse é um elemento fundamental aqui na
história, porque não tem mais criança. Esses seres trans-humanos são imortais em
alguma dose, basta eles não serem destruídos. Daí então que a própria ideia
de reprodução, de proliferação, de prole, é um negócio que ninguém
mais sabe direito também o que é. Inclusive, uma questão fundamental que vai se
dar no clímax de Blame!, tem a ver com gravidez. E que ninguém mais identifica, porque
não existem mais pessoas grávidas. A cidade está sempre quente,
labiríntica, infinita, esmagadora, quando ele, na busca por pessoas,
vai em direção da metrópole Kato, governada por uma empresa chamada Seidensha.
Sim, a gente tá falando de uma cidade onde quem dá as regras é uma grande corporação.
E antes de chegar lá, Killy esbarra com um povo que não fala a língua dele,
eles não conseguem se entender, é uma espécie de povo indígena e que são
chamados pelos outros de pessoas secas. Killy ao ver uma menina desse povo sendo
atacada por uma aberração biomecânica, acaba salvando ela e isso faz com que
o próprio povo acabe poupando Killy. Porém, depois, Killy pega
carona pra metrópole Kato, fica sabendo desse povo e no meio
do trajeto é atacado por eles. Killy então se volta contra o próprio povo
que ele agora pouco estava protegendo. E dá pra ver que ele sofre com isso, ele não
queria estar matando as pessoas que ele salvou, não faz muito tempo, mas eles estão atacando,
eles parecem hostis, são agressivos, por quê, né? Killy então finalmente chega na metrópole Kato e ele descobre ali no bagageiro dessa
nave que ele pegou, que a metrópole, principalmente a elite daquela metrópole,
se abastece do tráfego de pessoas secas. Eles sequestram inclusive aquela
menina que Killy tinha salvado. Porque, sim, né? Estamos no futuro, há um grande
trans-humanismo, mas escravidão ainda rola. Killy então percebe a tragédia do seu
ato, ele lutou contra quem estava tentando apenas salvar as suas crianças.
E daí então ele resolve do jeito que ele está acostumado a resolver, ele pega a
pistola dele de buraco negro e destrói geral. O elemento aqui que vale comentar e que
vai perpassar a Blame! é o horror corporal, Body Horror, como o pessoal fala em inglês, e que
é um subgênero do horror que explora justamente essas formas humanas, ou não só humanas, mas
levadas a um limite completamente bizarro. Uma coisa que é muito recorrente em Blame!
são uma série de monstros que parecem vermes, ou mesmo figuras insetoides.
E apesar de às vezes parecer que é apenas um bicho, no final das contas
ainda são máquinas e conseguem produzir tecidos dos mais diferentes tipos, alguns sendo
bastante viscosos, sendo bastante nojentos. E esse é um elemento legal porque
aumenta a sensação de vastidão, de vazio. Você pequenininho nesses lugares grandes,
com vermes gigantes devorando você. Em parte, isso mexe com nosso imaginário
de se sentir pequeno diante de ameaças. E é por isso que tem tanto filme de
monstro gigante, porque é uma maneira de a gente processar uma série de fobias a
partir de uma nova escala, considerando uma que coisas nojentas como uma barata, pode
ser do tamanho de um estágio de futebol. Porém, esse horror corporal em Blame! também
muitas vezes tem um componente mais erótico. E aqui dá pra ver que a referência principal é H.R. Giger, muito conhecido por seu
cara que criou o design de Alien. Mas voltando aqui pra história, Killy acaba
se descobrindo no meio de uma luta política. Os operários estão sendo perseguidos pela
corporação e eles querem uma revolução, só que pra fazer essa revolução eles precisam da
arma do Killy, coisa que ele não vai entregar. Então, no primeiro momento, ele
arranja treta com os operários. Inclusive depois vai parar no esgoto
daquela metrópole e vai descobrir uma engenheira-chefe que estava condenada ali,
presa naquilo que são seus restos mortais, ainda conscientes, ainda operantes.
É aqui que entra a segunda personagem mais importante da história, Cibo,
que acaba sendo resgatada por Killy, porque supostamente ajudaria ele a ter
acesso aos dados do gene modem da cidade, mas que depois se torna uma
parceira pra todo tipo de aventura. Cibo inclusive consegue reconstruir seu corpo. Apesar da batalha violenta que Killy e
Cibo acabam caindo, eles não conseguem ter acesso a nenhum gene modem.
Não havia esses dados na metrópole. Então o plano deles é continuar subindo, furar
a megaestrutura, usando a arma do Killy e com isso ter acesso a uma outra megaestrutura, que
teria outras metrópoles, teriam outras cidades. Enfim, lá a gente teria mais chance.
E é a partir então dessas longas caminhadas, que a história não descreve, mas dá a
entender que levam talvez meses, anos. Enfim, vai ser a partir dessa jornada que eles
vão conseguir então chegar em outra megaestrutura e lá vão conhecer um outro povo, no caso os
eletro-pescadores, descendentes dos plantadores. Aí você tá perguntando, quem eram os plantadores?
Nem eles sabem. Isso aqui retoma o elemento que eu
já falei, essa perda de memória. Ninguém mais conhece a sua ancestralidade,
ninguém sabe mais pra que serve esse cabo ou aquele outro cabo, esse plug.
As informações que eu tenho acesso, nossa, elas são muito úteis, mas eu não sei ler.
Ou seja, uma produção imensa de tecnologia, de inteligência, coisas que as big techs
adoram dizer pra nós que é maravilhoso, mas que aqui você percebe, elas se
tornaram inúteis, servem pra nada nesse mundo onde os seres humanos não conseguem
mais ter controle sobre absolutamente nada. No tanto que os eletro-pescadores, eles
vivem à margem de uma grande instalação de onde vieram os plantadores.
E essa grande instalação tem um texto em japonês na entrada, coisa que
ninguém ali sabe ler. Cibo, porém, sabe. E ela fala. O nome é Indústrias Toha.
Só que aqui começam os problemas. Durante o percurso em direção
aos eletro-pescadores, Killy e Cibo esbarraram com uma menina
que estava sendo vítima dos varredores, daqueles robôs que estão ali
pra matar qualquer ser humano. E eles acabam, então, acolhendo Sanakan.
Isso, inclusive, deixa Killy bastante ferido. E ele vai ser tratado por uma
curandeira ali dos eletro-pescadores, algo que inclusive aperfeiçoa a capacidade dele
de identificar os diferentes grupos, as mutações, enfim, conseguir entender o que ele tá vendo.
E aí vem um plot twist de arrepiar a espinha, porque a tal da menina que eles salvaram, a
tal da Sanakan, ela também é uma varredora. E daí eles se deram conta que
levaram uma assassina de humanos, a mais poderosa assassina de
humanos, no meio de uma aldeia. E aí começa o merderel, é
óbvio, só podia acontecer isso. Sanakan se revela extremamente cruel
e convoca ainda mais varredores, pra simplesmente limpar aquele povo.
Já Cibo tem uma ideia, se conectar com um dos construtores. E aí no final das contas
a gente tem luta de mecha, monstros gigantes descendo a
porrada, isso é sempre legal. Seja como for, a alternativa aqui usada pra vencer
a Sanakan tem a ver com produzir uma sobrecarga, algo que Cibo consegue entrando em contato com
a agência moderadora, isso no campo do virtual. E esse detalhe aqui não é um detalhe menor
na história, porque o que vai acontecer nesse embate é que os resíduos orgânicos, tanto da
Cibo como da Sanakan, vão acabar se juntando. De modo que depois, Cibo até vai ter uma
recaída e ela vai voltar a se transformar na Sanakan, tentando matar Killy.
Aliás, esse aqui é um outro tópico que é preciso explicar aqui na história.
O mundo da cidade é chamado de realidade fundamental, e por mais que a Netsphere
não esteja mais acessível aos humanos, inclusive eles nem saibam mais usar esse
negócio, ela ainda, em alguma dose, existe. É por lá que a agência moderadora,
toda ela feita por IAs, funciona. E isso aqui é mais um elemento de
confusão mental mesmo na narrativa, porque vão ter momentos que você já não sabe mais
direito se você está na realidade fundamental. Até que ponto você não entrou
num espaço de virtualidade. Uma coisa meio Inception, sacou?
Só que em vez de ser um sonho ou um pesadelo, são níveis e mais níveis do virtual.
A realidade escapa, porque talvez a gente sempre esteja conectado ou ligado
a algum tipo de realidade simulada. Sim, a gente acaba naquela clássica
pergunta que deixa todo mundo noiado. O que é real, afinal?
E se vocês estão vendo aqui semelhança com Matrix, realmente tem muitas,
inclusive no figurino, nessas roupas pretas, estilosas, nessas armas potentes, nesse futuro
distópico dominado por máquinas em formas de seres nojentos e estranhos.
Só que tem um detalhe, né? Matrix, quando saiu, Blame! já estava rolando.
Então assim como já dizem que Matrix é plágio de Ghost in the Shell, plágio de Cidade das
Sombras, inclusive os dois filmes que eu já comentei aqui no canal, agora dá pra
botar mais esse na conta de Matrix. Plágio de Blame!. Enfim, pra ser honesto,
nem acho que seja um caso de plágio, mas que a direção de arte pegou a
referência aqui, eu acho que é bem óbvio. Mas voltando aqui pra história, Killy e
Cibo conseguem ajudar os eletro-pescadores a entrarem dentro das indústrias
Toha, que também é um lugar imenso. E lá eles descobrem que tem uma inteligência
artificial cuidando de cada nível desse lugar. Ao total, 13 níveis. E no nível 8 tem uma
IA chamada Mensab, que está indo numa grande guerra contra as Vidas de Silício, que também
estão lá dentro querendo conquistar espaço. Mensab tem uma espécie de
guardião, um típico cavaleiro, medieval quase, e que se chama Seu. Sim, Seu. E aí, meu? Não, é Seu.
Essa foi horrível. E Seu é só quem restou dos antigos plantadores, esse povo mítico que deu origem aos pescadores.
Eu tô aqui pulando uma série de eventos, mas uma coisa que acontece é que a Mensab
teleporta as pessoas, teleporta Killy e Cibo. E aí você diz, bom, ok, começou
a ficar muita viagem, né? Dá pra supor que existe a
tecnologia de teleporte? Dá. Mas eu acho que o que tá
rolando aqui é outra coisa. Lembre-se, essa cidade tem
uma estrutura gigantesca, e o que eu acho que tá rolando
aqui é teoria da relatividade. Conforme os personagens estão
diante de algum corpo celeste que exerce a sua força gravitacional,
o tempo, obviamente, passa diferente. E quando eles se separam, aí
mesmo que isso fica mais evidente. Killy, a partir desse teleporte,
vai encontrar uma Cibo alternativa. E aí você vai dizer, tem realidade de alternativa?
Já não sei se é alternativa mesmo. Às vezes é uma Cibo de um futuro muito distante. Seja como for, ele depois vai conseguir
voltar pra onde está a Cibo original. Só que a Cibo original informa
a ele, você ficou fora 10 anos. Algo que pra ele não faz sentido, ele sente
que não faz muito tempo que ele partiu. E sim, agora tem um Killy e duas Cibo.
Algo que não dura muito, porque eles estão sempre lutando, seja com as Vidas
de Silício, seja com os varredores e tal. E a Cibo do universo paralelo, digamos
assim, acaba morrendo. A outra Cibo também se fere e usa o corpo da Cibo do outro
universo. Enfim, de duas Cibo vira uma. Você pode achar tudo isso um detalhe
meio confuso, ou até meio idiota. Mas repito, no quadrinho isso é
muito bom pra gerar essa imersão. Onde até mesmo a noção de individualidade, nesse mundo trans-humanista, é um
negócio que não faz mais muito sentido. Eventualmente, corpos se recombinam.
A noção do ‘eu’ entra numa profunda crise. Mais uma vez aqui a gente
vai ter grandes batalhas e lutas. Isso acontece direto aqui no mangá.
Mas o que é bacana é que o Killy, na busca pelo gene modem, finalmente consegue algo.
Mensab, a inteligência artificial, explica que ela não guarda nenhum
gene modem dos humanos que ali viviam. Até porque ela transferiu os humanos pra
outro nível, pra estarem protegidos das Vidas de Silício e dos varredores.
Porém, tem um humano do lado dela, tem um plantador. Seu.
É o DNA do Seu que ela disponibiliza. Sim, Mensab pede para que Seu ceda o seu
material genético, de modo a investigar se ali resta ainda algum gene modem.
Killy e Cibo então partem, buscando um laboratório que também fica num lugar muito,
muito distante, onde eles podem estudar esse DNA. Aqui de novo, as proporções
gigantescas ficam mais evidentes. Existem elevadores super rápidos, mas mesmo esses
elevadores sendo super rápidos, eles levam dias, meses, pra chegar de um lugar ao outro.
O que não é difícil aqui pros nossos personagens, porque uma vez que eles são
trans-humanos, eles simplesmente se desligam. Isso vai fazer com que os nossos protagonistas
aqui esbarrem com outros novos personagens. No caso, Dhomochevsky, que é um típico modafokka,
com visual descolado e uma ferida no olho, que fica parecendo um crucifixo invertido.
Sério, virou show de heavy metal. E ele é acompanhado por Iko, que, ao
que tudo dá a entender, é que era um parceiro de Dhomochevsky, mas que perdeu a
sua materialidade e virou tipo um fantasminha. No caso, uma nuvem de informação.
Fazer serem varredores temporários não faz com que eles se
voltem contra seres humanos. Eles são de uma época anterior ainda
à informação de exterminar humanos. Daí então que eles conseguem fazer uma aliança com
Killy e Cibo, uma aliança que é bem problemática, porque ninguém confia em ninguém, mas que
serve pra proteger, principalmente Cibo, assim como enfrentar as Vidas de Silício
que estão tomando conta daquele nível. Uma das Vidas de Silício aqui que se
torna talvez o big boss da história é o Davine Lu Linvega, que não fica claro
o gênero, talvez tão pouco importe. E essa vida de Silício quer muito conseguir
acessar a Netsphere, quer conseguir ter o controle sobre a agência moderadora.
Ou seja, tá em jogo aqui uma disputa sobre a cidade.
E é muito poética e legal a cena em que o vilão aqui consegue entrar nesse mundo virtual,
consegue se deparar com a agência moderadora. E esse lugar é tão somente um rio, que
conforme o vilão tenta entrar, mais a agência moderadora vai aumentando o seu leito.
E o vilão entrou lá utilizando o DNA de Seu. Só que assim galera, agora vem uma pira
braba aqui que na real é muito, muito boa. Davine Lu Linvega não consegue
tomar o poder da Netsphere. A intervenção no mundo real,
na realidade fundamental, do Domoshevsky e do Killy acabam impedindo isso. Mas o tempo que o vilão ficou lá serviu para
ele roubar dados e carregar um varredor supremo. Algo que vai se dar no corpo de Cibo.
A nossa heroína então vai virar uma vilã. Aí você vai dizer, tá de novo? Afinal isso já tinha acontecido com
a Sanakan, aquela outra varredora. Só que aí que tá, a Sanakan agora vai salvar Cibo.
Ela reaparece agora a serviço da agência moderadora e quer preservar Cibo.
E por que ela quer fazer isso? Então essa resposta vai ter que esperar 14 anos. Porque no meio dessa confusão, Killy vai parar em
outro espaço, que de novo aqui eu não vejo como viagem no tempo, mas sim relatividade rolando.
E após o reencontro, o que se descobre é que Cibo colocou junto com o DNA de Seu
o seu próprio material genético. E aí rolou um negócio que ninguém
mais sabia direito o que era. No caso, uma fecundação.
Só que Cibo também era a Sanakan. Daí que a Sanakan está ali, a
pedido da agência moderadora, para garantir que essa nova
forma de vida se desenvolva. Esse ser filho de um pai e duas mães.
Sacaram então? Nós temos finalmente um embrião. E esse embrião, essa nova forma de vida,
num mundo onde não nasce mais ninguém, ao que tudo indica, finalmente
ele tem o tal do gene modem. É uma espécie de promessa, de prometido,
de assumir o controle de novo da cidade. Notem que aqui está muito presente
também a trama de Ghost in the Shell. Onde máquinas visam a sua reprodução. No caso, uma reprodução humana.
Só que no caso de Blame! é mais confuso. Aqui você tem a junção de um humano
com uma máquina e uma trans-humana. A busca por salvar essa esfera,
traz essa imagem grotesca de uma gravidez num corpo esquelético e mecânico.
Vai fazer com que emerge a figura de um varredor exterminador de primeira classe.
Nome sofisticado, né? Mas basicamente é o robô mais filha
da puta que você pode imaginar. O ser mais poderoso.
Que está ali para garantir que os seres humanos morram, e que também nenhuma vida venha nascer.
Cibo e Sanakan morrem nesse processo. Killy resiste. E consegue salvar o Orbe. O que é dito aqui é que esse embrião só consegue
se desenvolver estando em um lugar seguro. Longe de qualquer tipo de contaminação.
Algo que nunca é bem explicado, mas dá a entender que tudo começou lá atrás, porque alguns
humanos estavam contaminados, então eles separaram outros que podiam ter controle sobre a cidade.
Enfim, aí que tudo deu errado. Então precisa de um lugar seguro,
descontaminado, e que precisa ser nos limites da cidade. Repetindo, uma
cidade que tem o tamanho do sistema solar. E com isso a gente se dirige ao final
de Blame!, que é bastante poético. Killy cada vez mais consegue
ir para o limite da cidade. Uma jornada que aqui não fica claro, mas
provavelmente pode ter levado séculos. E esse limite são imagens abstratas. São figuras oceânicas. Pela primeira vez a gente tá vendo uma
vegetação que parece mesmo vegetação. Será que esse fim da cidade é a Terra?
Não faz sentido, a Terra tá lá no meio. Ou seria talvez um planeta oceânico, um satélite?
Enfim, difícil dizer. Mas ele consegue chegar no fim da cidade, e
o embrião finalmente começa a se desenvolver. Na última página de Blame!, a gente vê
Killy ainda dando tiro pra lá e pra cá. E atrás, uma criança vestindo
uma roupa pra não se contaminar. Ou seja, a luta continua. Nasceu talvez o Salvador, a Salvadora.
Mas ainda, os perigos são muitos. A conquista pela cidade não acaba aqui. É muito interessante como Blame! consegue
levar a fundo o gênero do cyberpunk. Esse mundo de baixa qualidade
de vida e alta tecnologia. Aqui nesse caso, tão alta, mas tão alta,
que o senso de referência, seja geográfica, seja existencial, foi completamente perdido. Uma outra coisa também que
ajuda a dar o climão de Blame!, tornar tudo isso mais envolvente,
é essa interioridade absoluta. E nesse sentido aqui, eu não consigo deixar
de pensar no filósofo Gottfried Leibniz. Pra tentar aqui dar uma explicação
sucinta, Leibniz vai defender que o universo é formado por mônadas, substâncias
simples, que são fechadas em si mesmo. Elas não têm janelas, não têm porta, e cada
uma dessas substâncias são como que espelhadas. Elas não têm uma essência, elas têm uma percepção. Cada substância constrói
uma percepção do universo. Pra trazer aqui uma imagem que o próprio Leibniz
usa, cada gota do oceano traz consigo um oceano. O lance é que as mônadas são
uma interioridade absoluta. Nada que é exterior as afeta. Todas as percepções que ela multiplica, se dá
por uma força interior, por esse espelhamento, por esse desdobramento em si mesma.
Parece muita viagem, né? Mas voltemos pra Blame!.
A esfera de Dyson que a gente vê aqui, que constrói essa cidade, em muito é a
imagem dessa interioridade que não acaba. E que a partir de todo um automatismo,
onde humanos não têm mais nenhum controle, vai multiplicando essas perspectivas,
que são todas fechadas, enclausuradas, nesse universo que não tem mais lado de fora. Nesse sentido então, Blame! perturba
até mesmo a noção fora e dentro. Que são coisas que a gente usa
pra se localizar no espaço. No mundo de Blame!, assim como na
mônada de Leibniz, não existe o fora. Faz talvez nem sentido pensar nessa dualidade.
Você está sempre dentro. Só existe o interior.
E de lá não tem como escapar. Mas aí talvez você diga, tá, mas essa
esfera de Dyson também não é infinita. Sim, meu amigo.
Mas talvez ela seja tão grande, mas tão grande, que mesmo você sendo
um trans-humano que dura séculos, ou mesmo milênios, talvez você
não consiga jamais chegar no fim. Porque os construtores estão expandindo ela mais
rápido do que você possa chegar nos confins dela. Sacaram? É uma interioridade suprema. Assim como o pior dos pesadelos.
Não tem como você sair de lá. Considerando esse apelo pra uma fantasia
onírica, ou seja, pra um pesadelo, vale perceber o quanto Tsutomu Nihei
também bebe de um outro grande quadrinista. Criador também de fantasias
oníricas muito poderosas. No caso, Moebius. Inclusive tem uma página em NOiSE que é
simplesmente igual a uma outra página que o Moebius fez, que traz o Batman.
De certa maneira, considerando os mundos fantásticos que o Moebius sobrecriar,
o que Nihei fez foi pegar tudo isso e dizer, vamos botar aqui um tempero de cyberpunk.
Mas não esse cyberpunk cuja plasticidade é agradável, tipo um Blade
Runner que é muito bonito. Não, eu quero uma plasticidade que ainda
é bela, mas é profundamente perturbadora. É angustiante. Você, enquanto leitor,
se sente preso numa armadilha. Mesmo depois de terminar
a história, não tem saída. Repito, não existe o exterior.
Não tem como você escapar disso. Não é por acaso então que Blame! se
tornou esse grande clássico do mangá e que muita gente diz que não dá pra adaptar.
Porque a força tá nessa geografia, nesse cenário. E vamos combinar, Tsutomu Nihei não é
um grande desenhista de personagens. Até uma coisa que às vezes é um pouco complicada
é que todo mundo tem a cara meio parecida. Agora, na construção de ambiência, de
climão, ele realmente é um dos melhores. E aí eu fico pensando, sei lá, tão somente
um cenário de CGI, vamos supor que a gente faça um live action, talvez isso não tenha
o impacto que, em termos gráficos, tem. Dito de outra forma então,
temos aqui um absolute mangá. Quanto ao anime, vou ser honesto, não vi. Então se você viu, diga nos
comentários, diga o que achou. Quanto ao mangá, Blame!, ele saiu aqui
no Brasil pela editora JBC em 10 volumes. Volta e meia eles republicam, e você
consegue achar alguns números mais fáceis do que outros.
Enfim, eu recomendo. E aquela velha história, busquem
em sebos, em lojas de quadrinhos, mas forem pela Amazon, usa o
nosso link aqui que ajuda muito. Sugiram que outras obras cyberpunk que
prenunciam esse mundo de inteligência artificial e robótica que vai destruir com
a gente e tal, que eu posso comentar aqui. Aliás, um vídeo que a galera está me pedindo é
o esculacho que eu ainda quero fazer em Matrix. Porque, sim, eu acho que Matrix
merece um bom no esculacho. Enfim, surgiram aí. E já que eu falei de um mundo
completamente paranoide, eu recomendo o nosso vídeo sobre o anime Paranoia Agent, talvez
um dos mais perturbadores animes já feitos. No mais, siga a gente em nossas outras
redes sociais, TikTok, Blue Sky e Instagram. Obrigado por assistir, valeu pessoal.