Não caia nessa! O golpe dos FIIs
0Criado pelo britânico Sir Arthur Conoyal, Sherlock Holmes é um dos personagens mais icônicos da literatura inglesa. Holmes é o detetive clássico, genial, observador e sabe ligar os pontos que ninguém vê. Ele é conhecido por juntar pistas como ninguém, com uma mente rápida, olhar atento e uma lógica de fazer inveja. Mas ele não fazia tudo sozinho. Ele contava com seu fiel escudeiro, Dr. John Watson, e juntos eles colocavam a Scott Lanard no bolso. Uma das histórias mais curiosas de Sherlock Holmes é a Liga dos Cabeça Vermelha. Nela, um homem ruivo é contratado por essa liga para um trabalho tanto quanto esquisito. Ele tinha que copiar a enciclopédia todo santo dia em troca de um bom salário. Tudo parecia legítimo, até que Holmes descobre que a tal liga era só uma fachada. Enquanto o Ruivo ficava distraído com o emprego inútil, os golpistas escavavam um túnel pro banco que ficava ao lado do escritório, onde esse ruivo copiava a enciclopédia. As histórias de Sherlocke Holmes são fictícias, mas há situações tão bizarras que parece que saíram diretamente dos livros. Em agosto de 2023, assim como Holmes no conto da Liga dos Cabeça Vermelha, a gestora esquadra percebeu que tinha algo estranho por trás de uma estrutura que parecia legítima. Tudo bonito por fora, mas por baixo o sistema era outro. Então ela publicou uma carta e essa carta relacionava fundos imobiliários com pirâmides financeiras. Acontece que alguns fundos, assim como a Liga dos Cabeça Vermelha, criaram uma estrutura que distrai o cotista com a promessa de pagamentos. Enquanto isso, a gestora lucra de uma maneira um tanto quanto duvidosa. E a carta não passou despercebida, já que a esquadra é uma lenda no mercado financeiro brasileiro. Basicamente, ela possui um fundo de ações com uma ótima rentabilidade histórica e é conhecida por sortear empresas, que é um tipo de investimento onde você ganha quando a ação de uma empresa cai. Inclusive, foi ela que denunciou a fraude contábil na IRB em 2020. E não deu outra. Embora a carta fosse mais enigmática do que informativa, ela caiu como uma bomba no mercado. Então, chegou a hora de botar o casaco, pegar o cachimbo e desvendar o caso da Liga dos Dividendos de Ouro. Preparado para essa aventura, meu caro Watson? Como eu disse, a carta é mais enigmática do que informativa. Ela tem 22 páginas, mas a parte que trata só sobre os fundos imobiliários se resume a um único parágrafo. Porém, ainda assim, é possível pegar algumas pistas paraa nossa investigação. Primeiro, a esquadra diz que é perigoso tomar decisões de investimento se guiando por dividendos, pois não é raro que eles estejam inflados para atraírem mais investidores. Depois, a gestora diz que essa distribuição acima da geração de caixa só é possível com novas emissões de cotas ou alavancagem. E por fim, ela ainda faz uma previsão de que por ser impossível aumentar os endividamentos e as novas emissões indefinidamente, o futuro desses fundos imobiliários pode ser trágico, mas você pode evitar cair numa armadilha dessas. Aqui na VARS a gente avalia de forma minuciosa os demonstrativos financeiros de um fundo imobiliário. A gente vai atrás de todo o histórico da gestora, quem manda nela, investiga os imóveis e os CR que ela comprou, metrifica os riscos e junta tudo em uma carteira recomendada. Nela, a gente seleciona os melhores fundos imobiliários que a gente encontra para facilitar a sua vida. E dá uma olhada, desde que a gente criou a carteira, ela já rendeu 30%. Caso você tenha interesse, eu vou deixar o link aqui embaixo para você fazer sua assinatura. Mas vamos voltar paraa nossa investigação. Para entendermos o que os fundos imobiliários estão fazendo, primeiro a gente precisa separar eles em fundos de papel e fundos de tijolo. Os de papel investem em títulos atrelados ao mercado imobiliário, como Cris e LCI. Os de tijolo investem diretamente em imóveis. Depois, a gente precisa saber que numa regra geral, esses fundos precisam distribuir a cada semestre 95% de todo o lucro líquido em forma de dividendos. Além disso, os fundos de tijolo têm que usar o regime contábil de caixa. Já os fundos de papel podem optar entre o regime de caixa ou o regime de competência. A diferença é que no regime de caixa as receitas e despesas do fundo só são contabilizadas quando elas entram ou saem de fato do caixa do fundo. Isso quer dizer que o fundo só vai pagar aos cotistas um percentual das receitas que ele efetivamente recebeu. Já no regime de competência, as receitas e despesas são contabilizadas quando fato gerador daquela receita ou despesa acontece. Deixa eu dar um exemplo para facilitar o entendimento. Imagine que você comprou uma televisão na Amazon e pagou R$ 3.000 no cartão de crédito, parcelando em 10 vezes sem juros. No regime de competência, assim que a venda foi realizada, a Amazon contabilizou R$ 3.000 em sua receita, mesmo com a operadora do cartão, repassando esses valores em parcelas. Já no regime de caixa, a Amazon contabiliza cada parcela quando ela cai de fato no bolso dela, ou seja, R$ 300 a cada mês até totalizar os R$ 3.000. É através dessa possibilidade de poder escolher o regime contábil que vai usar, que alguns fundos imobiliários de papel conseguem pegar a receita futura e distribuir como dividendos, colocando em risco os dividendos futuros do fundo. É basicamente como contar com ovo dentro da galinha. Funciona mais ou menos assim: os fundos imobiliários de papel investoritariamente em CRIS, que nada mais são que títulos de dívida que as empresas têm com o fundo. Como toda dívida, ela é dividida entre o principal, que é o valor que foi emprestado, e os juros. Esses juros incidem sobre o valor total da dívida a uma determinada taxa pré-estabelecida. Ah, e além dos juros, existe também uma correção monetária que atualiza o valor da dívida com base no índice de inflação. Essa atualização incide apenas sobre o principal. Então, se uma dívida for de 100.000 no início do mês e a inflação for de 0,5%, o valor atualizado da dívida iria para 10,5.000. Aí no mês seguinte, se a inflação for de novo de 0,5, então haverá novamente uma atualização monetária, levando o montante da dívida para R$ 101.250 e assim sucessivamente. Se for uma dívida com prazo de 12 meses, no final do prazo, o saldo será de 106.167,78. Aí os juros, eles incidem sobre esse principal atualizado todo mês. Perceba então que além de todos os juros recebidos pelo fundo ao longo do empréstimo, ele ainda terá uma receita financeira de 6.167,78, que representa justamente essa atualização monetária do período. E é aí que a máscara acontece. Os fundos conseguem se aproveitar do regime de competência para distribuir mais dividendos. Como no nosso exemplo, o fundo vai receber o valor da atualização monetária apenas no final do contrato, se ele adotar o regime de caixa, essa receita só vai entrar no final do contrato. Porém, se ele optar pelo regime de competência, a cada mês, mesmo sem o fundo ter recebido esse valor, a atualização monetária pode ser reconhecida como receita. Ou seja, pelo regime de competência, o fundo pega um valor que vai receber apenas no final do contrato e distribui no final de cada mês. Mas é importante deixar claro que essa receita e esse dividendo antecipado não vieram do nada. A inflação, que é o fato gerador paraa atualização monetária, aconteceu e, portanto, ela deverá ser paga pelo devedor em algum momento. A única coisa que o fundo fez foi antecipar esse dinheiro, mas o problema tá na forma com que esse fundo antecipa o dividendo. Se ele ainda não recebeu dinheiro, de onde ele veio? E pior, e se no meio do caminho o devedor resolve que não vai pagar dívida? O fundo já distribuiu dividendo esperando receber esse dinheiro? E agora? Bom, no pior dos casos, o fundo vai dar prejuízo e vai ficar um tempo sem pagar dividendos. Mas como o fundo ganha dinheiro? Ele recebe uma porcentagem do quanto tem investido nele. Se o fundo não paga dividendo, as pessoas vão tirar o dinheiro do fundo e o dono da gestora não vai curtir as férias na lancha dele. Aí o que que ele faz? Ele vai lá e emite novas cotas. Com dinheiro dos novos cotistas, ele compra mais Cris e novamente antecipa o recebimento da correção monetária. Então essa nova antecipação gera uma receita extra que acaba ocupando o rombo do prejuízo que ele iria receber pelo calote e mantém os dividendos estáveis, iludindo o investidor que só olha pros dividendos. Como efeito colateral, o fundo cria um problema ainda maior pro futuro e um efeito dominor. Ele vai empurrando a bomba lá pra frente. Tá vendo como parece uma pirâmide? O fundo vai lá e promete dividendo. Para pagar esse dividendo, ele adianta o valor a receber das correções monetárias por meio do regime de competência. Se ele não recebe cevido, ele emite mais cotas para refazer o processo e pagar os dividendos prometidos. E aí, quando novos calotes acontecerem, o fundo terá que fazer novas emissões cada vez maiores para conseguir cobrir o rombo, comprando mais crises e antecipando o recebimento de mais correções monetárias. Mas vai chegar num ponto onde vai ser impossível fazer novas emissões. E aí meu filho, já era. Iná dispensa no teto, prejuízo no resultado e cotista pulando fora. O castelo desmorona, o dividendo some e quem entrou por último segura conta. E dá para ser pior. Eu falei dos fundos de papel, agora eu vou falar dos fundos de tijolo. É muito comum que os fundos de tijolo se alavanquem, em outras palavras, que eles se endividem. Na prática, a regulamentação meio que proíbe os fundos imobiliários de contrair dívidas para adquirir imóveis no portfólio. Basicamente, eles têm que fazer isso com dinheiro dos cotistas. Então, o que que esses fundos fazem? É comprar imóveis que já vem com algum tipo de dívida. Confuso, né? Pois bem, imagine que um fundo imobiliário tem 100 milhões e quer comprar um imóvel de 200 milhões. Ele não pode se endividar. Então, o proprietário do imóvel que tá à venda emite um CRI no valor de 100 milhões e vende o imóvel por 100 milhões. Então, contra tudo e todos, o fundo consegue o imóvel, mas agora ele tem uma dívida de 100 milhões. Fazendo juiz ao país do futebol, o fundo driblou a regra e conseguiu se endividar. Mas agora, em algum momento, o fundo vai ter que quitar essa dívida. E as únicas formas de fazer isso seria emitindo 100 milhões em novas cotas ou vendendo ativos que o fundo já possui. E de um jeito ou de outro é muito provável que os dividendos diminuam. Pensa só, se o fundo optar por emitir novas cotas para quitar parte do imóvel que já faz parte do fundo, ele vai aumentar a base de cotistas, mas isso não vai aumentar a receita do fundo, já que a quantidade de imóveis vai continuar igual. Agora, se ele optar por vender outros ativos, ele manterá a mesma base de cotistas, mas a receita vai cair, já que o número de ativos do portfólio vai diminuir. Elementar, meu caro Watson, não tem saída. Ao se alavancar, o fundo estará inflando os dividendos no presente em troca de dividendos no futuro. E é exatamente isso que a esquadra alerta na carta. A alavancagem só vai ser positiva quando os juros pagos pelo empréstimo forem inferiores ao incremento de receita que o ativo adquirido vai gerar. Em o mundo ideal, os fundos checariam isso antes de se alavancarem, mas o ideal fica só nas ideias. A gente tá bem longe disso. A realidade nos mostra que parte dos fundos imobiliários estão em um jogo de aumentar os dividendos custe o que custar. Complicado, né? Mas não para por aí. No mundo real, os fundos de tijolo muitas vezes financiam seus imóveis com dívidas atreladas a um indexador de inflação, como IPCA, por exemplo. Até aí tudo bem. O problema começa quando esses fundos contrariam o CPC8, que é o pronunciamento contábil que trata de ajustes monetários. Eles simplesmente não consideram a atualização monetária como uma despesa financeira. Lembra dos fi de papel? Neles, a correção monetária aparecia como uma receita e isso faz sentido. Afinal, eles emprestam dinheiro. Se a inflação sobe, eles recebem mais no final. Receita. Ponto. Agora, nos fundos de tijolo, quem toma o empréstimo é o fundo. Então, se o fundo recebe uma correção monetária como receita, o outro deveria reconhecer como despesa. Mas não é isso que acontece. O que muitos fundos imobiliários de tijolo fazem é simplesmente jogar essa correção monetária para dentro da dívida, como se fosse um acréscimo do saldo devedor. Deixa eu colocar isso em números para você entender. Imagina uma dívida de 100 milhões com custo de PCA mais 6%. Se a inflação do ano for 8%, o custo total da dívida seria de 14 milhões, 6 milhões dos juros fixos e 8 milhões da correção monetária. Mas ao invés de reconhecer esses 8 milhões como despesa financeira, o fundo simplesmente aumenta o valor da dívida para 108 milhões. Simples assim, a dívida cresceu, mas ninguém reconheceu essa despesa no resultado. Na prática, o fundo empurrou o IPCA pro passivo e é daí que vem o truque contábil. Como isso não passou pela DRE como despesa, não afetou o lucro. E se o lucro não caiu, o dividendo continua alto. Parece mágica, mas é só a contabilidade criativa. Só que essa mágica tem um preço. Ao fazer isso, o fundo tá transformando parte do patrimônio dos cotistas em dividendos. Cara, seria a mesma coisa que se eu pegasse R$ 10 no seu bolso, desse para você e você comemorasse achando que ficou mais rico. Só que não. O que aconteceu, na verdade, é que o patrimônio líquido diminuiu na mesma proporção em que os dividendos aumentaram. Não houve ganho real nenhum. O cotista, nesse caso, tá sendo pago com o próprio dinheiro. E pior, a dívida aumentou. Agora o fundo precisa emitir 108 milhões em cotas e não mais os 100 milhões iniciais. Ou seja, mais emissão, mais cota, mais diluição e menos dividendo no futuro. Mais uma vez, uma bola de neve que vai crescendo e adivinha quem que vai pagar essa conta? O cotista. E enquanto isso, o gestor tá lá pegando sol na lancha dele e comendo vários quitutes. Camarãozinho, deu até fome. Agora, meu caro Watson, falta apenas um detalhe pra gente desvendar de vez o caso da Liga dos Dividendos de Ouro. A gente já sabe exatamente a forma com que as coisas são feitas, não é mesmo? Mas um caso só é solucionado quando além do meio a gente também descobre o motivo. E nesse caso o motivo é mais elementar do que aparenta. É que como disse por alto ali na carta da esquadra, muitos investidores investem baseados apenas em dividend y então quando o fundo consegue inflar os dividendos, o investidor desavisado fica sedento. Ele vê aquele retorno e quer para ele. A demanda pela cota aumenta e junto dela o preço de negociação. Como boa parte dos fundos imobiliários tem a taxa de gestão atrelado ao valor de mercado, no final do dia, quem ganha com isso é o gestor safado. Ele ganha com aumento da demanda e com as emissões. Afinal, quanto maior o número de cotas emitidas, maior é o valor no qual essa taxa de gestão é aplicada. E tem fundo por aí fazendo isso. E você quer saber qual? Eu te conto isso em outro vídeo.