O Esquema Bilionário da Indústria dos Shows (E como ela te faz de trouxa..)
0Nos anos 90 e 2000, ir a um show era
bem mais simples e acessível. Muitos adolescentes conseguiam comprar ingressos
com valores razoáveis, seja juntando a mesada ou com ajuda dos pais. Esses eventos eram
acessíveis, tanto em grandes capitais quanto em cidades menores. A cultura de ir a shows era
uma celebração coletiva: grupos de amigos, família, fãs e até quem queria apenas curtir uma
noite diferente. O show não era um luxo — era parte da rotina cultural de muitos brasileiros.
Mas hoje, a receita dos artistas depende muito mais desses shows. Com a ascensão do streaming e
a queda na venda de CDs e outros formatos físicos, o modelo de negócios da indústria musical mudou
completamente. De acordo com reportagem da BBC, a receita dos músicos com o streaming é
mínima — cerca de 5% da renda total — o que tornou os shows ainda mais importantes
na carreira e receita de qualquer artista. Essa dependência do ao vivo também elevou a
exigência por megaestruturas, qualidade técnica, e experiências imersivas, o que transformou a
produção de um show em um evento caro e complexo. Foi-se o tempo que era preciso uma estrutura
de som e luz para fazer um show. Pegue como exemplo esse show aqui do Police em 82, com
estrutura simples, iluminação e sonorização, e compara com a estrutura do mesmo Police em
2008. Compare isso com a estrutura para o show do Coldplay em 2023, onde além de toda uma estrutura
gigantesca, cada espectador ganhou um bracelete que se acendia em determinadas horas do show.
Os shows precisam estar cada vez mais imersivos e espetaculares com pirotecnias e efeitos visuais
pra realmente marcar e impressionar o espectador. Ao mesmo tempo, o comportamento do público mudou.
O consumo de música migrou dos álbuns para as playlists, e o artista virou marca. Com isso, ir
ao show deixou de ser só sobre ouvir a música ou ver o artista ao vivo: virou uma experiência de
status, quase como comprar um item de luxo ou ir em um restaurante caro, pra postar nas redes
sociais e ganhar pontos no currículo social. Se em 2010 era possível assistir a um show do Paul
McCartney pagando a partir de R$140, em 2024 o ingresso mais barato passou a custar R$450, ou 225
na meia entrada, e isso sem considerar as taxas. A diferença mostra como até os artistas mais
consagrados entraram na lógica do encarecimento. Hoje, fãs relatam dificuldade em pagar R$400 para
ver nomes em ascensão como Sabrina Carpenter, ou mais de R$1.000 por uma experiência VIP com
artistas como Taylor Swift. A espontaneidade deu lugar a filas virtuais, pré-vendas
segmentadas e disputas que lembram um leilão. Mas como essa transformação aconteceu tão rápido?
O que está por trás dessa elitização dos shows? E será que os artistas têm alguma
responsabilidade neste processo? A explicação para os ingressos tão caros começa
com um dado crucial: a receita média gerada por cada stream no Spotify é de cerca de 0,003 a 0,005
dólares por reprodução. Isso significa que, para um artista ganhar cerca de US$1.000, ele precisa
de mais de 200 mil reproduções. É por isso que as turnês viraram a principal fonte de renda.
Mas sair em turnê não é barato. Só com o transporte de equipamentos, artistas
internacionais gastam milhões. No caso do Brasil, há ainda mais custos: impostos,
estrutura local, logística complexa e a oscilação do dólar tornam tudo mais caro. A alta
do câmbio impacta diretamente na contratação de artistas e na montagem das estruturas.
Além dos custos operacionais, há um fenômeno novo na venda de ingressos: o preço dinâmico. Inspirado
no modelo das passagens aéreas, esse sistema muda o valor do ingresso conforme a demanda —
quanto mais gente na fila, mais caro fica. A prática é defendida por promotores
como uma forma de maximizar a receita, mas também cria um efeito colateral perverso:
quem não tem dinheiro pra comprar logo no início, acaba pagando mais caro ou pior, ficando de fora.
No caso da turnê de reunião do Oasis, esse modelo gerou tanta indignação entre os fãs
britânicos — que viram os preços dobrarem durante a pré-venda — que o governo do Reino Unido abriu
uma investigação sobre a prática. Como resposta, a banda anunciou que não utilizará o
preço dinâmico nas apresentações da turnê norte-americana de 2025, alegando que o sistema
causou uma experiência inaceitável para os fãs e não conseguiu lidar com a altíssima demanda.
E o ingresso VIP? Segundo a BBC, há hoje uma cultura de leilão emocional: pacotes que incluem
acesso ao camarim, brindes ou apenas uma visão melhor custam até dez vezes mais. O ingresso
virou símbolo de status, como uma bolsa de grife. Empresas como Ticketmaster e Live Nation têm um
papel ainda mais central do que parece. A história da Ticketmaster mostra como ela cresceu até
dominar boa parte do mercado de ingressos. Criada nos anos 70 como um sistema eficiente de venda,
ela começou a cobrar taxas extras nos anos 80. No começo, essas taxas eram pequenas, mas com o
tempo, segundo a More Perfect Union, passaram a representar “78% do preço de um ingresso”.
Nos anos 80 e 90, a empresa adotou uma estratégia ousada: em vez de cobrar das casas
de show para vender os ingressos, ela oferecia dinheiro a elas para ter exclusividade na venda.
Ou seja, a Ticketmaster pagava para ser a única plataforma autorizada a vender os ingressos
daquele local. Esse dinheiro era dividido com os promotores e os donos dos locais dos shows.
Essa jogada tirou concorrentes do caminho, como a Ticketron, e pavimentou a estrada para
uma fusão com a Live Nation em 2010. Com isso, nasceu um gigante que controla praticamente
tudo: desde a venda de ingressos até os locais dos shows e parte dos artistas envolvidos.
E quem tentou desafiar esse sistema, enfrentou consequências duras. Em 1994, o Pearl Jam se
recusou a cobrar as taxas da Ticketmaster e tentou organizar uma turnê fora da plataforma. O grupo
queria manter os ingressos a um preço justo — algo em torno de 18 dólares, com apenas US$1,80 de
taxa. A Ticketmaster não topou. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos, chegou a abrir
uma investigação antitruste, mas a banda acabou encurralada: não conseguiu espaços independentes
suficientes pra fazer a turnê e teve que cancelar várias datas. Perderam cerca de 2 milhões de
dólares e saíram enfraquecidos. A investigação foi arquivada, e o sistema seguiu intocado.
Essa concentração de poder gerou outros escândalos. Um dos casos mais emblemáticos
aconteceu com Bruce Springsteen. Muitos fãs que tentavam comprar ingressos pelo site da
Ticketmaster eram redirecionados, sem saber, para o site TicketsNow — uma plataforma secundária
também controlada pela empresa — onde os ingressos estavam muito mais caros. Springsteen ficou
indignado e escreveu uma carta pública denunciando a prática, dizendo que não havia autorizado essa
revenda e que os fãs estavam sendo enganados. Outro escândalo veio à tona em uma investigação
da CBC, no Canadá. Repórteres se infiltraram em um evento do setor e flagraram representantes
da Ticketmaster explicando, com detalhes, como funcionava o programa TradeDesk.
Eles mostravam que a empresa sabia que bots — softwares automáticos — estavam comprando
grandes quantidades de ingressos nos primeiros segundos da venda, e que esses ingressos eram
revendidos na própria plataforma da Ticketmaster por valores absurdos. Ou seja, a empresa ganhava
duas vezes: na primeira venda e depois na revenda. Mesmo sabendo do esquema, ela não
punia os revendedores, e ainda oferecia ferramentas para facilitar essa prática.
Mesmo após processos e investigações do Departamento de Justiça dos EUA, a Ticketmaster
conseguiu escapar de punições severas. O caso da turnê de Taylor Swift em 2022 escancarou
essa fragilidade: milhões de fãs enfrentaram instabilidade no sistema, esperas de horas
e ingressos revendidos por até US$33 mil. A própria Taylor desabafou: “É excruciante ver esses
erros acontecerem sem nenhuma forma de correção”. E esse tipo de prática não se limita aos
Estados Unidos ou à Ticketmaster. Na Índia, a plataforma de revenda Viagogo foi envolvida
em uma polêmica após o início das vendas para os shows do Coldplay em 2025. Ingressos que
custavam cerca de US$150 apareceram minutos depois em plataformas secundárias por mais de
US$8.000. O caso virou alvo de investigação da Unidade de Crimes Econômicos de Mumbai,
após denúncias de que o sistema de venda da BookMyShow — parceira oficial — teria favorecido
a revenda irregular. A Viagogo se defendeu dizendo que apenas oferece um espaço para que fãs e
empresas revendam ingressos, e que os preços são definidos de forma autônoma, com base na
demanda. Mas o episódio levanta o mesmo alerta: quando não há regras claras, o mercado secundário
acaba virando um palco lucrativo para abusos. Em resumo, o domínio da Ticketmaster se
consolidou graças a uma combinação de tecnologia, contratos exclusivos, controle sobre
a revenda e impunidade jurídica. Hoje, seu nome virou sinônimo de frustração para fãs e
de alerta para reguladores que veem na empresa o retrato de um monopólio moderno. O processo movido
em 2024 aponta que a Live Nation-Ticketmaster impõe cláusulas de exclusividade em casas de show,
impede que artistas toquem em locais concorrentes e penaliza financeiramente quem tenta romper com
o sistema. Há ainda acusações de que a empresa utiliza sua influência sobre artistas para forçar
que os ingressos sejam vendidos exclusivamente por seus canais, sufocando a concorrência antes
mesmo que ela exista. O próprio documento judicial cita que a empresa “criou um ciclo de
dominação”, usando as receitas obtidas com taxas e comissões para garantir cada vez mais poder
sobre todos os elos da cadeia: do artista ao fã. A ação movida em 2024 por 30 procuradores-gerais
e pelo governo americano detalha como a Live Nation-Ticketmaster criou um
ciclo autossustentável de poder: com o controle da venda de ingressos, da promoção
dos shows e até da gestão de muitos dos maiores palcos do mundo, a empresa se consolidou
como um monopólio vertical. Essa estrutura, chamada de “flywheel” pelo próprio Departamento
de Justiça, permite que a empresa use o dinheiro arrecadado em taxas para atrair artistas,
fechar contratos exclusivos com arenas e sufocar qualquer tentativa de concorrência (fonte 8).
Uma investigação publicada pela Rolling Stone reforça: os preços estavam tão altos para ver
Taylor Swift nos EUA que alguns fãs preferiram viajar para Paris, onde os valores e as
regras de revenda são mais regulados. A mesma reportagem destaca que um ingresso
para ver Drake, que custava US$116 em 2018, passou a custar US$260 em 2023,
um aumento de 126% em cinco anos. E olha só o absurdo que aconteceu
comigo quando o Oasis anunciou os shows pra 2025. O ingresso mais barato para
o show em São Paulo estava custando R$ 590. Quando fui ver o preço para o show em Toronto, no
Canadá, o mais barato estava US$ 114. Convertendo do dólar canadense pra real, o ingresso no
Canadá estava mais barato que no Brasil! A conclusão é lógica: nosso real não vale
nada mesmo. Pra mim valeu mais a pena viajar pro Canadá, ficar uns dias lá, revisitar
amigos e assistir o show. E pra poder fazer também tem a ver com a meia-entrada, que
acaba inflacionando o preço da inteira. A lei garante o benefício a estudantes,
pessoas com deficiência, jovens de baixa renda e outros grupos. Mas o que
parece justo gera uma distorção: os organizadores elevam o valor da
inteira para compensar as isenções. Quem paga o valor cheio, muitas vezes,
está subsidiando outras duas pessoas. E tudo isso se confirma também na prática e
eu mesmo passei por isso. Comprando ingressos para o show do Paul McCartney em Florianópolis, em
2024, em um site chamado Eventim, a experiência, que deveria ser animadora, se tornou
um inferno com taxas. Ao escolher três ingressos — dois para a pista normal e um para a
pista premium — o valor final chegou a R$2.748,00. Além de dizerem “taxa de entrega grátis” pra
um ingresso que seria entregue no meu email, o sistema do site embutiu R$198 de taxa de serviço
no ingresso da pista premium, e 130 de taxa de serviço de cada um dos ingressos da pista normal,
elevando o valor de R$990 para R$1.188 da pista premium e o valor de 650 pra 780 da pista normal.
Na capa do site, eles mostram que o valor é a partir de 225 reais. O que até não tá errado,
mas é uma bela de uma forçada de barra, por que o ingresso mais barato é de fato 225
para a meia entrada da cadeira descoberta. Mas é só ir até o final da compra pra ver
que esse ingresso que era pra ser de 225 pode muito bem chegar a 540 reais. Eles acham
que enganam quem quando fazem essas coisas? E, pelo visto, minha experiência não foi um
caso isolado. Em agosto de 2023, o Procon-SP notificou a Eventim pedindo explicações sobre
a venda de ingressos para shows como os do RBD, Coldplay e Paul McCartney. Segundo o órgão, os
consumidores relataram dificuldades técnicas no site, esgotamento instantâneo dos ingressos e
suspeitas de vantagem para cambistas com uso de bots. A Eventim foi solicitada a informar sobre
número de ingressos vendidos, funcionamento da meia-entrada, setores e valores. Em resposta,
o diretor da empresa afirmou que a frustração seria um reflexo da altíssima demanda frente à
oferta limitada, e que todas as informações foram prestadas ao Procon. Ainda assim, nas redes
sociais, sobram relatos parecidos com o meu: gente tentando comprar ingresso no horário marcado
e se deparando com tudo esgotado em minutos. O fã hoje paga caro — e muitas
vezes nem consegue entrar. Mas, então, quem ganha com esse sistema? O ingresso virou só o começo. O verdadeiro
espetáculo — para as empresas — acontece nos bastidores, naquilo que você não vê: as taxas.
E isso não é exclusividade de uma plataforma. Todas são assim.
Hoje, para ir a um show, não basta pagar pelo ingresso. Você também paga
pela taxa de conveniência, pela taxa de entrega, pela taxa de retirada e até pela taxa
de e-ticket. Isso mesmo, uma cobrança pra você ir até um local e retirar o ingresso
e uma taxa pra receber o ingresso por e-mail. E as políticas de reembolso são ainda
mais complexas. O reembolso não inclui a devolução dessas taxas. Na Tickets for Fun, por
exemplo, a regra é clara: “O valor referente à taxa de conveniência não será devolvido.”
A Eventim segue a mesma lógica. Mesmo se você pedir o cancelamento dentro do prazo
legal de 7 dias, o valor da taxa de serviço fica com a empresa. Já a Q2 Ingressos criou um
“serviço reembolsável” à parte — você paga mais, pra garantir o direito de ser reembolsado,
mas só em partes. “O valor reembolsado será apenas aquele pago no ingresso, não incluindo
as taxas cobradas, muito menos o custo maior em caso de compra parcelada, ou seja, os juros.”
O problema é que isso virou regra no setor. As plataformas de venda, que antes
existiam pra facilitar o acesso, hoje criam obstáculos e lucram com eles. Cobram
pela entrega de algo digital, retêm taxas mesmo quando o evento nem aconteceu, e ainda
terceirizam responsabilidades pro consumidor. Um exemplo claro disso aconteceu com o Festival
Turá em Porto Alegre, que precisou ser adiado por conta das enchentes no Rio Grande do Sul.
Mesmo diante de uma situação emergencial, a política de reembolso deixou claro que
“o valor referente à taxa de conveniência e entrega não será devolvido. Considerando que estes
serviços foram prestados”. Ou seja, mesmo quando o evento nem acontece, os consumidores ficam com
o prejuízo das taxas — um custo que não reflete absolutamente nenhum serviço real entregue.
Cobrar mais não é, por si só, um crime. Um empresário — seja ele um artista, uma produtora ou
uma plataforma de vendas — vai buscar o modelo que maximize seu lucro. Essa lógica faz parte de
qualquer atividade econômica. Mas quando esse modelo se apoia em taxas desproporcionais,
políticas de reembolso questionáveis e em estruturas que impedem a concorrência, aí a
discussão deixa de ser sobre preço e lucros. No fim, a pergunta muda: o que estamos
comprando, afinal? Um ingresso ou uma armadilha disfarçada de serviço?
Quem ganha com isso tudo, a essa altura, está bem claro. E quem perde também.
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