O inevitável retorno da PIR4TARI4 Online
0Nos anos 2010, a internet tinha um sabor de liberdade. Milhões de pessoas abriam programas como Lime War, Beat Torrent e navegavam pelo lendário Pirate Bay. Em poucos cliques, surgiam filmes recém-lançados, discografias inteiras e jogos completos. Tudo de graça. Tudo disponível como se o mundo digital fosse uma biblioteca infinita. A sensação era de estar diante de um novo universo sem barreiras nem limites. Mas essa festa começou a perder força quando o streaming entrou em cena, oferecendo praticidade e baixo custo. Só que a história não acabou ali e agora aquele velho hábito está voltando com força. A pergunta é por quê? [Música] A década de 2010 marcou o auge da pirataria digital. O Bit Torrent chegou a responder por 1/3 de todo o tráfego da internet. O Lime War contabilizava mais usuários que o próprio Facebook e o Pirate Bay funcionava como uma locadora virtual universal, onde qualquer filme, música ou jogo parecia estar disponível. Era o período de transição da mídia física para o digital. Até quem não era muito ligado em tecnologia percebia arquivos digitais podiam ser copiados infinitamente sem custo real. O armazenamento estava cada vez mais barato e a internet se tornava mais rápida. No auge, cerca de 95% de todos os downloads de música eram ilegais. O motivo era simples, era mais barato, mais fácil e muito mais prático do que comprar discos ou DVDs. Tudo indicava que a pirataria só iria crescer. Mas a partir de 2012, o movimento perdeu força e depois de 2015 caiu ainda mais. A explicação parecia óbvia. Chegaram os serviços de streaming. Plataformas como Spotify e Netflix ofereceram uma alternativa melhor por um preço acessível. O usuário tinha à disposição um catálogo enorme, sem precisar lidar com sites duvidosos, vírus ou buscas intermináveis. De repente, piratear deixou de fazer sentido. A pirataria não morreu por causa de repressão governamental, mas porque a opção legal ficou mais prática. Hoje, no entanto, vemos o movimento contrário. A pirataria está voltando e os motivos são claros. O streaming se tornou caro, fragmentado e pior em qualidade. No futebol, o problema é ainda maior. Para seguir um mesmo campeonato, muitas vezes é preciso assinar várias plataformas diferentes, cada uma com parte dos jogos. Isso encarece e complica a experiência, levando muita gente a recorrer a TV Box e serviços de IPTV pirata, que oferecem todos os canais em um só lugar por um preço muito menor. Para muitos torcedores, essa acaba sendo a opção mais simples. O curioso é que a maioria das pessoas nunca foi contrapagar por conteúdo. O que todos querem é que seja acessível e fácil. Produzir música, filmes ou jogos custa tempo e dinheiro. E o público entende que artistas e profissionais precisam ser remunerados. Pesquisas feitas no auge da pirataria mostravam que quem mais baixava ilegalmente também era quem mais pagava por conteúdo quando ele estava disponível em serviços práticos como antigo iTunes. Ou seja, o obstáculo não era a falta de disposição em pagar, mas sim a barreira criada pela própria indústria. Depois de 2013, duas mudanças foram decisivas. Primeiro, houve algumas operações de repressão, mas pouco efetivas. Derrubava-se um site, outro surgia. O Pirate Bay, por exemplo, chegou a distribuir uma cópia completa de si mesmo para que qualquer pessoa pudesse reerguê-lo em poucos minutos. O que realmente mudou foi o streaming. A internet mais veloz permitia assistir sob demanda sem precisar baixar nada. Além disso, era barato. Uma mensalidade dava acesso a milhares de títulos, muito mais vantajoso do que comprar músicas ou filmes individualmente. Na música, o modelo funcionou bem. Spotify, Dieser e Music oferecem praticamente os mesmos catálogos e a pirataria musical praticamente desapareceu. Artistas ganham menos do que nas vendas físicas, mas preferem receber algo a ver suas músicas circulando de graça. No cinema e nas séries, a história foi outra. A fragmentação, a competição entre estúdios e os preços altos criaram um cenário confuso e caro. Resultado, o público voltou a recorrer ao caminho mais prático, a pirataria. Essa diferença levanta um ponto incômodo. Talvez o problema não esteja no streaming em si, mas na indústria cinematográfica, que nunca conseguiu se adaptar de verdade ao modelo digital. Entre todos os serviços de streaming, a Netflix se tornou a mais dominante. Hoje são mais de 300 milhões de assinantes pagantes. E diferente de vários concorrentes, a empresa é realmente lucrativa. No último ano registrou 8,7 bilhões de dólares de lucro líquido, um número impressionante. Mas desde o início a Netflix sabia que não poderia vencer a pirataria para sempre. Era óbvio que em algum momento o público voltaria a recorrer a métodos alternativos. A grande diferença é que estrategicamente a empresa nunca se preocupou tanto com isso. Por que a Netflix não se desesperou? Porque em termos práticos a pirataria prejudica muito mais os concorrentes do que ela própria. Se um filme sai do catálogo da Netflix e o público prefere baixar ilegalmente em vez de assinar outra plataforma, o prejuízo não é da Netflix. Um estudo publicado em 2023 no Journal of Economic Behavior and Organization intitulado Pirate and T mostrou que quando filmes eram retirados da Netflix e migravam para outras plataformas, os índices de pirataria aumentavam em mais de 20%. Para Netflix, isso não era uma perda direta, já que o conteúdo em questão nem sempre era dela. Para os estúdios que dependiam das vendas ou da assinatura de seus próprios serviços, era um desastre. Em outras palavras, a Netflix sabia que se não podia eliminar a pirataria, poderia ao menos se beneficiar indiretamente dela. A Netflix enfrenta um dilema comum às grandes empresas. Sua valorização no mercado ultrapassa meio trilhão de dólares. Para justificar esse número, precisaria manter um crescimento constante por décadas, mas no ritmo atual de lucros levaria mais de 50 anos para que os investidores recuperassem o investimento. Como isso não é sustentável, a empresa aposta em novas formas de aumentar a margem de lucro, cortar conteúdo menos rentável, aumentar preços, investir em produções próprias e até lançar recursos experimentais, como jogos para celular dentro do aplicativo. Do lado das despesas, há boas notícias. A tecnologia de transmissão ficou mais barata com o tempo e a infraestrutura de servidores hoje é mais eficiente. O custo de entrega de vídeo ajustado pela inflação está estável desde 2022, mesmo com quase 100 milhões de novos usuários. O problema está no conteúdo. A Netflix licencia cada vez menos filmes e séries de terceiros por dois motivos. Primeiro, para economizar. Segundo, porque os estúdios passaram a lançar suas próprias plataformas e reservar seus principais títulos para elas. Assim, a Netflix se vê obrigada a investir em produções originais para preencher o vazio, mas nem sempre consegue substituir com qualidade ou quantidade o que perdeu. A empresa também já usou a pirataria a seu favor de forma curiosa. Em 2013, admitiu que analisava os downloads ilegais mais populares para decidir quais títulos valiam a pena licenciar. Ou seja, transformou o comportamento dos piratas em pesquisa de mercado gratuita. Enquanto isso, os grandes estúdios de Hollywood vivem um impasse. Eles poderiam reduzir a pirataria centralizando o conteúdo em uma única plataforma global, como ocorreu na música com o Spotify. Mas isso significaria entregar poder a Netflix, algo que empresas como Disney, Warner ou Paramont dispostas a fazer depois de gastarem bilhões em seus próprios serviços. O resultado é um mercado pulverizado, caro e confuso para o consumidor. E quanto mais fragmentado fica, mais gente volta a procurar a solução rápida, a pirataria. A diferença com a música é gritante. Produzir álbuns custa relativamente pouco e os artistas têm outras fontes de renda, como shows e merchandise. Por isso, aceitaram o streaming como parte inevitável do negócio. No cinema, ao contrário, os custos só aumentam. A ida ao cinema nunca voltou ao patamar pré-crise e a venda de DVDs praticamente desapareceu. Para compensar, os estúdios se jogaram em mega produções caríssimas que nem sempre dão retorno. Com isso, os estúdios empurram preços para cima e pioram a experiência dos assinantes num ciclo vicioso que só fortalece a pirataria. Se a música conseguiu transformar o streaming em solução definitiva contra a pirataria, o cinema e as séries seguem tropeçando. O problema não está apenas na tecnologia, mas no próprio modelo de negócios da indústria cinematográfica, que insiste em manter custos altos e uma estratégia pouco adaptada ao público atual. Nos últimos 10 anos, os estúdios dobraram a aposta em mega produções bilionárias. Dos 20 filmes mais caros da história, 19 foram lançados depois que o streaming já era realidade. Mas ao contrário da promessa, muitos desses blockbusters sequer conseguiram recuperar o investimento. E aqui nem entram os custos de marketing que podem somar centenas de milhões de dólares. Mesmo com estimativas generosas de bilheteria, apenas metade dessas produções realmente se pagou. Casos como Missão Impossível, Acerto de Contas, Indiana Jones e O Dia do Destino e a Nova Branca de Neve da Disney se configuraram como fracassos catastróficos. O resultado é que cada erro pesa muito mais no bolso dos estúdios. Ir ao cinema se tornou uma experiência cada vez mais cara. Para muitas famílias, assistir a um lançamento deixou de ser algo frequente e virou um programa de ocasião especial. Afinal, em poucas semanas, aquele mesmo filme estará disponível em algum serviço de streaming pelo qual a pessoa já paga. Isso criou um descompasso. Enquanto os estúdios gastam fortunas em blockbusters, o público não tem interesse em manter assinaturas apenas por causa de um título. Muitos se inscrevem, assistem e cancelam logo depois. O que fideliza o consumidor é um catálogo variado de produções médias e consistentes, algo que as empresas têm abandonado. Na tentativa de justificar orçamentos gigantes, os estúdios pressionam suas plataformas a recuperar o investimento. O resultado preços mais altos, mais anúncios e experiências piores. Isso, por sua vez, empurra ainda mais gente para o caminho que a indústria tanto teme. A pirataria. É um ciclo difícil de quebrar. Os executivos sabem que poderiam reduzir o problema unificando o acesso, como aconteceu com a música. Mas a briga por mercado e a vaidade corporativa impedem essa solução. A prova do contraste está em um dos maiores lançamentos dos últimos anos, a turnê de Taylor Swift, que levou multidões ao cinema. Não veio de um estúdio tradicional, mas da indústria musical, que entendeu como usar diferentes canais de receita para compensar a perda das vendas físicas. Enquanto isso, Hollywood parece ter ficado refém de si mesma, gastando cada vez mais em menos produções e oferecendo menos valor ao assinante comum. Tudo isso mostra que a pirataria não é a causa do problema, mas um sintoma. O público prefere soluções legais, desde que elas sejam convenientes. Quando os serviços eram baratos e unificados, a pirataria praticamente desapareceu. Agora que se tornaram caros, confusos e restritivos, ela retorna. O futuro da indústria audiovisual depende de entender essa lição. Tornar a pirataria inútil, como aconteceu com a música, pode ser mais eficaz do que qualquer repressão legal. Essa crise chega em um momento delicado. As plataformas já perderam parte do encanto inicial. Os investidores cobram resultados e os consumidores estão mais críticos do que nunca. Se os estúdios continuarem insistindo em produções bilionárias, sem resolver o problema da fragmentação, correm o risco de perder ainda mais espaço para o alto mar digital. A cada aumento de preço ou anúncio forçado, mais usuários se perguntam se não vale a pena voltar a baixar filmes e séries ilegalmente. O que vemos hoje é um impasse. O streaming não está quebrado. O que está em crise é a indústria cinematográfica. Ao contrário da música que conseguiu se reinventar, Hollywood ainda tenta sustentar um modelo insustentável. Enquanto isso, a pirataria volta a crescer. Não porque as pessoas desejam burlar as regras, mas porque a experiência legal deixou de ser vantajosa. O recado é claro. Se o acesso for simples, justo e acessível, o público paga. Caso contrário, vai buscar alternativas. A pirataria voltou porque a indústria falhou em entregar conveniência e preço justo. Isso não acontece só no streaming. A TV por assinatura, também está desmoronando diante dos nossos olhos. Assista ao vídeo que está aparecendo na sua tela e descubra porque esse modelo pode estar prestes a acabar.