O PARADOXO da TOLERÂNCIA EXPLICADO
0Esse vídeo é polêmico, e ao invés de fazer uma introdução, eu quero
jogar logo a pergunta que vai ser discutida aqui Existem opiniões que são tão
extremas que deveriam ser proibidas? Talvez você pense que sim, existem limites para o
que é razoável expressar dentro de uma sociedade Ou talvez você pense que não,
todas as ideias merecem vir ao ar E eu não tô aqui pra discordar de você, e
sim pra tentar te dar uma perspectiva um pouco mais aprofundada sobre essa discussão,
porque honestamente eu acho que todos meio que estamos precisando. E pra fazer isso, nós vamos conversar
sobre a versão mais tradicional desse problema, que é conhecido
como o paradoxo da tolerância. O paradoxo da tolerância foi apresentado pelo filósofo Karl Popper e ele
diz mais ou menos o seguinte. Imagine uma sociedade com tolerância ilimitada. Ela aceita e tolera todas as opiniões possíveis. Sim, eu disse TODAS as opiniões possíveis. Parem e pensem em uma opinião bem absurda. De preferência a coisa mais
extrema que passa pela sua cabeça. Pensou? Então não escreve nos comentários. Mas se você quiser se inscrever
no canal, isso seria bem legal. Pra continuar esse exemplo, eu vou imaginar que a opinião extrema é a de que quem
toma com açúcar merece ser preso. Ei! Tá bom. Isso é extremo. As pessoas deviam poder tomar café como quiserem,
mesmo as que tomam errado porque colocam açúcar. Mas esse não é o ponto. O ponto aqui é que uma sociedade que tem
tolerância ilimitada vai tolerar essa opinião. Mas não é muito difícil de brincar com
esse exemplo pra ver que a situação pode entortar de vez muito rápido. Vamos supor que, no início, poucas pessoas
concordem que quem toma café com açúcar deveria ser preso. Mas com o tempo, essa opinião vai ganhando
tração e entra até pro debate público. Em não muito tempo, começam a surgir vídeos na
internet de pessoas sendo expulsas de cafeterias por outros clientes justamente
por pedirem café com açúcar. E aí você, que ama colocar açúcar no café
porque a vida já é amarga o suficiente, começa a esconder sua preferência. Você se sente mal de falar isso em público
porque não sabe qual vai ser a reação das outras pessoas. No fim, você esconde completamente o que
pensa e prefere por pura pressão social. É óbvio que esse é só um exemplo bobo,
porque se eu colocasse opiniões extremas de verdade aqui, esse vídeo
não duraria um dia no ar. Mas ele me ajuda a ilustrar como a sociedade com tolerância ilimitada acaba ficando
exposta a opiniões intolerantes, que por sua vez, acabam
suprimindo outras opiniões. Então a solução é simples, certo? Nós devemos parar de tolerar quem é intolerante. Voltando pro nosso exemplo, talvez a nossa
salvação fosse multar ou prender quem expressasse opinião de que pessoas que
tomam café com açúcar merecem ser presas. Quem sabe a saída seja termos pelo menos um
pouco de intolerância com os intolerantes, pra garantir que pessoas que tomam café com
açúcar sejam deixadas em paz, mesmo estando erradas. Calma ai, Pedro não dá mais, você
vai falar isso pra você ser multado. Mas não, isso não faz sentido. E aqui eu preciso pedir desculpas por esse
exemplo ser bobo, mas troquem a opinião extrema por qualquer outra que vocês ouviram
ultimamente, ele ainda vai valer. Se você achou que me remover de apresentador
foi uma atitude extrema, bom, é por isso que o paradoxo da tolerância é um paradoxo. Se a solução pro paradoxo da tolerância fosse
simplesmente ser completamente intolerante com qualquer opinião intolerante, o
próprio Popper teria pensado nisso. Tanto a tolerância quanto a intolerância
podem sair do controle e acabarem criando uma sociedade menos livre, ou,
como diria o Popper, menos aberta. O grande argumento de Popper é que a sociedade
maximamente livre se encontra em algum meio termo entre a intolerância extrema e a tolerância
extrema, com os dois extremos gerando uma sociedade que não é a ideal. Mas responder onde está o grau perfeito
ou limite de tolerância não é fácil. E pra fazer isso, nós precisamos responder
três perguntas difíceis e perigosas, que são… Como decidimos quais ideias passaram dos limites? Como nós podemos punir ou restringir essas ideias? E quem é que pode executar essas punições? Essas perguntas não são hipotéticas. Em algum momento, todos os países e sociedades
do mundo precisaram ou vão precisar responder essas perguntas na prática. Por exemplo, geralmente quem decide quais ideias passaram dos limites e como devemos
puni-las são os corpos legislativos dos países, que podem fazer leis
limitando formas de expressão, que vão desde ser mandante de um assassinato até proibir de gritar fogo em
uma sala de cinema cheia. E quem executa essas punições,
na maioria das vezes, é o poder judiciário, que é o responsável
por lidar com quem viola as leis. Tanto é que boa parte das discussões sobre
o paradoxo da tolerância acabam usando política institucional como grande exemplo. Mas hoje, nós vamos fazer diferente. Antes de eu continuar, eu preciso fazer um
apelo pro seu lado sonolento que gosta de dormir Eu vou te explicar o paradoxo da
tolerância de Popper e algumas ideias importantes para entendê-lo melhor. E também vou dar alguns exemplos que
você pode literalmente aplicar em casa. E pra isso, eu preciso começar
explicando o que é Cosmovisão. Todos nós nascemos dentro de uma Cosmovisão. É através dela que nós interpretamos a realidade
ao nosso redor e damos sentido às coisas que experienciamos. Mas aqui eu preciso fazer
uma distinção importante. Cosmovisão não é sinônimo de
cultura, mesmo que uma possa influenciar a outra. A cultura é a que dita hábitos
e costumes específicos. O que comemos, como nos vestimos ou por que celebramos certas
datas faz parte da cultura na qual nós estamos inseridos. A cosmovisão nos dá o valor
que nós atribuímos às coisas. Por exemplo, dependendo da cosmovisão,
o casamento pode ser visto como uma união sagrada ou como um contrato social. O carnaval, que é uma parte importante
da cultura brasileira, pode ser visto como uma excelente oportunidade de
ir em uma festa em uma cosmovisão ou como um bom feriado para descansar em outra. A cosmovisão é mais sobre como
você percebe e avalia o mundo ao seu redor do que exatamente
sobre o que você faz nele. De certa forma, a cosmovisão funciona como se
fossem óculos com os quais você enxerga o mundo. Imagine que cada um desses
representa diferentes cosmovisões. Qual delas representa melhor
como eu penso sobre o mundo? Ah! Um terremoto! Essa é uma ótima oportunidade
para experimentar os óculos. Esse terremoto tem uma razão física e geológica. Ele aconteceu porque placas tectônicas se moveram. Esse terremoto foi uma mensagem
pra nós darmos mais valor à vida. E a prova disso é que os
óculos ficaram no mesmo lugar. Nem um nem outro. Isso foi só a câmera se mexendo. No livro Os tipos de concepção de mundo
e sua formação nos sistemas metafísicos, o filósofo Wilhelm Dilthey argumenta que nós
nascemos em uma cosmovisão e a nossa forma de pensar é profundamente moldada por ela. Somos, em grande parte, produtos do contexto
histórico-temporal em que estamos inseridos. Por exemplo, alguém que viveu na idade
média em um feudo teria uma visão muito diferente sobre coisas como a vida, a
arte e a morte se comparado com alguém que nasceu e mora em uma
grande cidade como São Paulo. O espírito do tempo no qual nascemos define os nossos horizontes de pensamento. Ou seja, um homem medieval europeu não teve à sua disposição os avanços
científicos, as mudanças do globo, as grandes guerras e o mundo tecnológico de hoje, mas isso não quer dizer que a
sua cosmovisão tenha menos valor ela faz parte daquele contexto
e pode até sobreviver ao tempo, além disso nós podemos mudar
de cosmovisão ao longo da vida podemos adotar novos valores, novas
crenças e até mudar as nossas respostas para as grandes questões como
por exemplo o mistério da morte como que o Flamengo conseguiu tomar
aquele gol em 5 minutos de jogo É possível por exemplo que alguém que
antes acreditava em uma vida após a morte passe a negar essa possibilidade ou vice-versa tá… bem bonito mas… o que que isso tem a ver com
o paradoxo da tolerância? o conceito de cosmovisão nos dá uma forma mais
precisa de apresentar o paradoxo da tolerância que na verdade é na forma de uma pergunta. Existem cosmovisões que não podem ser toleradas? Isso é, existem formas de ver o
mundo que são fundamentalmente incompatíveis com uma sociedade tolerante e que por isso precisam ser desprezadas mesmo
por uma sociedade que quer ser inclusiva? Popper sugere que a tolerância
não pode ser um caminho sem fim. Precisa existir um limite em que
a intolerância seja enfrentada. Mas isso é uma resposta muito curta
para uma pergunta bem complicada. Porque a pergunta que segue é… Se nós não podemos tolerar
cosmovisões intolerantes, então como classificamos
quais delas são inaceitáveis? Ou, em outras palavras, qual
que é a linha da intolerância. Porque sim, em exemplos diretos, é fácil
de decidir quando alguém cruzou a linha. Que pena que esse terremoto não
quebrou esses outros óculos. Não, esse aqui tá quebrado. Esse era um exemplo direto. É fácil de ver que a linha
da intolerância foi cruzada, mas no mundo real, as ideias muitas vezes não são expressadas de formas tão diretas e óbvias. As vezes pessoas verdadeiramente intolerantes
se escondem por trás do eufemismo Outras vezes, pessoas são
intolerantes por razões não maliciosas Simplesmente por terem uma cosmovisão que
contrasta demais com o mundo em que elas habitam O suficiente para essas pessoas sentirem
que certas mudanças não podem ser toleradas Ou ainda, nós podemos ter opiniões
que a princípio são mais moderadas Mas que podem servir como um ponto
de entrada pra visões intolerantes. E eu sei que esse tempo todo você
provavelmente deve estar pensando em política. E é justo. Esse é um exemplo que se aplica à política. Mas ao invés de ir direto pra um exemplo macro
e que envolve diversas variáveis complicadas, por que que nós não tentamos olhar
pra um exemplo mais perto de casa? Você já parou ou diminuiu o convívio com um amigo
ou um familiar pelo que eles falam ou pensam? Se sim, isso foi você exercendo, na prática,
sua resposta pro paradoxo da tolerância. Mas você acha que essa pessoa da qual
você se afastou se considera intolerante? Provavelmente não. Eles devem se achar os certos da história. E acreditam que você é chato por ter se afastado. A realidade é que a maior parte
das pessoas acha que é uma pessoa normal e perfeitamente razoável
dentro da sua própria cosmovisão. Todo mundo acha que tem uma boa
razão para acreditar no que acredita. Quase ninguém acha que é um
vilão ou uma pessoa ruim. Mas se as pessoas não pudessem tomar escolhas
intolerantes que às vezes machucam outras pessoas, a história do mundo seria bem diferente. A realidade é que muitas vezes pensamos
que restrições de liberdade só existem quando impostas de cima pra baixo,
como por um governo autoritário. E sim, isso acontece e é um problema. Mas essa não é a única forma de restringir
liberdades e de impor cosmovisões. Existe uma forma mais sutil disso que surge
não através de uma imposição estrutural, mas sim através de uma imposição social. Isso é algo que qualquer pessoa
que já conviveu com familiares ou colegas de trabalho com cosmovisões
completamente diferentes sentiu um pouco. Talvez, quando cercados por essas pessoas
muito diferentes, você sentiu que não podia expressar suas verdadeiras ideias e tinha
que se limitar pra manter a paz ou evitar ser excluído do grupo. Ou quem sabe você mesmo tenha sido excluído de
um grupo por ter opiniões diferentes demais. Isso é um microcosmo do paradoxo da tolerância. E sim, esses exemplos são menos dramáticos do
que um governo autoritário censurando notícias, mas são em momentos como esse que você pode
exercitar sua resposta ao paradoxo da tolerância. A boa notícia é que o debate sobre tolerância
evoluiu muito desde que Popper o propôs. Existem pesquisas científicas tentando
estudar melhor o conceito de tolerância. E um dos pontos centrais do debate é
o que exatamente nós queremos dizer quando chamamos alguma coisa de tolerância. Na definição mais simples, tolerância
é o oposto de intolerância. Quando você tolera algo, você permite que
aquele algo esteja ao seu lado na sociedade. Quando você é intolerante, você é incapaz
de coexistir com as coisas que não tolera. Mas essa não é uma definição boa o suficiente
para estudar e analisar nossa sociedade. Uma pesquisa realizada em 2019 apontou que modelos sociológicos que usam essa
definição simples de tolerância são incapazes de modelar a intolerância na prática. O estudo realizou uma pesquisa
com um número grande de pessoas. E aí, estudando a resposta de só uma
pequena parcela dos participantes, tentou prever o grau de tolerância do resto deles. O principal resultado foi que pensar em tolerância só como o oposto direto de
intolerância não gera boas previsões. O estudo, então, propôs um modelo mais robusto, em
que tolerância é dividida em três qualidades. Respeito, aceitação e
apreciação. E o grau de tolerância de indivíduos e comunidades
é melhor explicado por esse modelo de 3 graus de tolerância. Por exemplo, indivíduos podem respeitar uma
cultura diferente, mas não aceitar que essa cultura exista próxima deles. Ou eles podem aceitar que essa cultura coexista
próxima a eles, mas evitar contato com ela. Ou eles podem apreciar o fato de
viverem próximos de culturas diferentes. Usando esse modelo, eles tentaram avaliar o
quão dispostas as pessoas estavam a respeitar, aceitar e apreciar diferenças. Uma das conclusões mais importantes do
estudo é que dos três tipos de tolerância, apenas a apreciação por outras
culturas e outros grupos acaba levando a reduções significativas
de preconceitos e intolerância. Ou seja, respeito e aceitação são
o ponto de partida para superar as diferenças, mas só fazemos isso de fato quando nós
aprendemos a valorizar pessoas que são diferentes de nós. Mas claro, esse é só um estudo recente, e o
próprio estudo pede cuidado ao generalizar as conclusões do modelo. Um outro estudo de 2013 tentou criar
uma sociedade e modelo em computador com dinâmicas sociais de tolerância e
intolerância usando teoria dos jogos. E sim, os resultados desse estudo não podem
ser diretamente traduzidos para o mundo real. Mas o estudo também chegou em resultados que
favorecem uma ideia similar sobre a apreciação de outras culturas como a
melhor cura para preconceitos. Essa é a chamada hipótese do contato
intergrupal, que sugere que indivíduos deixam seus preconceitos de lado só após contatos
positivos com o grupo que eles tinham preconceito. Mas parem e pensem no que isso quer dizer. É muito mais fácil ser intolerante de longe. E isso até faz certo sentido. Humanos têm mais semelhanças
entre si do que diferenças, mesmo que sejam essas diferenças que
normalmente se destaquem na sociedade. Para finalizar, é realmente desafiador encontrar uma maneira
de garantir que a diversidade de cosmovisões possa coexistir sem que a intolerância
de uns impeça a liberdade de outros. Eu não tenho essa resposta. E talvez ninguém tenha. Nem mesmo o Popper. Só que me preocupa um pouco que quando eu
vejo o paradoxo da tolerância sendo discutido, muitas pessoas entendem que a solução do
próprio Popper é simplesmente que nós devemos ser intolerantes com pessoas intolerantes O que nem de longe é verdade O ponto do paradoxo é justamente o quão complicado é balancear a tolerância
em uma sociedade na prática E tem uma outra pergunta
ainda mais perigosa que surge O que exatamente nós devemos fazer
com as cosmovisões intoleráveis? Se algum indivíduo passa dos limites
sociais e expressa ideias perigosas, como ele deve ser tratado? E isso serve pra mostrar como nós podemos ir
longe em pouco tempo falando desse problema. Nós começamos falando sobre opiniões polêmicas e chegamos em perguntas sobre
usos legítimos de violência. Mas isso serve pra mostrar que
o paradoxo da tolerância não é uma pergunta que requer uma resposta definitiva. Pelo contrário, nós esperamos
que conforme o mundo mude, as respostas para o paradoxo também mudem. O desafio é justamente conseguirmos construir um mundo em que damos liberdade
o suficiente para as pessoas serem livres, mas evitamos dar a oportunidade para pessoas
mal-intencionadas destruírem essa liberdade. Mas como exatamente isso deve ser feito na prática
talvez seja um dos maiores desafios da humanidade. Na sua opinião, o que nós precisamos fazer para
diferenças não escalarem para a intolerância? Bora ter uma conversa profunda e
sadia sobre isso nos comentários. Muito obrigado e até a próxima!