O poder da estupidez (e por que ninguém está imune)

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E se eu te dissesse que estupidez não é simplesmente ausência de inteligência, mas algo muito mais traiçoeiro, uma força capaz de transformar mentes brilhantes e instrumentos de destruição. E se a maior ameaça à civilização não fossem pessoas más fazendo coisas más, mas pessoas comuns que simplesmente pararam de pensar. Imagina um cientista renomado que de repente começa a espalhar desinformação perigosa, um juiz íntegro que aplica sentenças injustas por seguir cegamente o protocolo, ou um pai amoroso que começa a tomar decisões que colocam seu próprio filho em risco. Essas pessoas não são monstros, são inteligentes, bem intencionados e mesmo assim foram capturadas pelo que Bonfar chamou de o poder da estupidez. E o mais assustador de tudo é que isso não está acontecendo só com os outros, está acontecendo com pessoas como você e eu. Quando você ouve a palavra estúpido, provavelmente pense em alguém burro, alguém limitado, que não entende as coisas. Mas Detrist Bonfar, um teólogo que enfrentou o nazismo e acabou morrendo por isso, pensava diferente. Para ele, a estupidez era algo muito mais perigoso do que a ignorância, porque o estúpido não é necessariamente burro. Ele pode ser culto, educado, bem intencionado. A estupidez que ele denunciava é a incapacidade de pensar por conta própria. O estúpido não formula ideias, não argumenta, ele só absorbe que o grupo acredita. Quanto mais um estúpido se sente parte de algo, menos ele pensa. Bonfer dizia que a estupidez é mais um problema moral do que intelectual, porque o estúpido não reconhece o mal como mal e, por isso ele pode se tornar ainda mais perigoso que o perverso. Regimes totalitários se apoiam em pessoas massas. Mas sua maior força está nas pessoas comuns, aquelas que obedecem sem questionar, se adaptam rápido e repetem estigmas. São essas pessoas que seguem ordens sem nunca parar para pensar. É por isso que o sistema prefere o estúpido. Porque o rebelde inteligente é imprevisível. Ele pode desobedecer, pode dizer não. Mas o estúpido funcional, esse é confiável. Ele segue qualquer ordem. E essa obediência cega não é só teoria. Foi testada na prática no experimento de Milburn. Pessoas comuns recrutadas aleatoriamente foram levadas a acreditar que estavam participando de um teste educacional, mas sob ordens de um homem de jaleco branco, passaram a aplicar choques em desconhecidos. Choques que aumentavam de intensidade e mesmo quando ouviam gritos de dor continuavam. Mas só porque uma figura de autoridade mandava continuar. Theodor Adorno chamava isso de personalidade autoritária. Pessoas que foram treinadas desde cedo para valorizar disciplina, ordem, submissão. Foram treinadas dentro de casa por famílias que impunha a autoridade como lei. Na escola, onde questionar era sinônimo de desrespeito por religiões que ensinavam culpa e obediência como virtude. E quando adultas, essas pessoas passaram a ver a obediência como moral. Não só aceitam ordens, elas acreditam nelas. O estúpido não sente culpa. Ele acredita que está fazendo certo. E quando você acredita que está fazendo certo, você se torna imune à culpa. A verdade é que nós não pensamos sozinhos. Pensareis de tempo, dúvida, esforço, conflito. Então, fica muito mais fácil apenas aceitar outras ideias e se adaptar. Renê Jirá dizia que até nossos desejos são imitados. A gente não quer o que quer, a gente quer o que os outros querem, porque dessa forma encontramos pertencimento. Você pode não querer ter um corpo atlético, mas se quiser pertencer a certo grupo, você deve ansiar por isso. Gram chamava isso de hegemonia ideológica. Quando o sistema não precisa de violência, é porque já conquistou o mais importante, a sua mente. Ele molde o seu senso comum, o que você considera óbvio, natural, verdadeiro. Suas ideias não foram impostas de fora, foram absorvidas como se fossem suas. E quando isso acontece, você nem percebe que está obedecendo, porque tudo parece escolha. Fron dizia que muita gente foge da liberdade, já que a liberdade verdadeira não é fazer o que quiser. Ela necessita que você decida, analise e pense. Só que isso pode gerar angústia. Diante da liberdade, o sujeito se sente pequeno, isolado e impotente. Então, ele corre pro abrigo mais próximo, que é se tornar submisso. Obedecer passa a ser um alívio, porque transfere o peso da escolha para o outro. A obediência se torna uma fuga e dessa forma o sistema só tem agradecer. É mais fácil acreditar em frases prontas, mas seguro repetir, porque se todo mundo acredita, então deve ser verdade. A conformidade não apenas anestesia o pensamento, ela substitui. Em vez de refletir, a pessoa repete. Em vez de duvidar, defende. Ela se torna multiplicadora de ideias que nunca examinou, mas que aprendeu a chamar de verdade. E é assim que a estupidez funcional se espalha, não como um vírus, mas como cultura. A estupidez pode encontrar qualquer pessoa em qualquer momento. Hann Ah estudou o caso de Adolf Hemman, um dos responsáveis pela logística do holocausto. Ela não ouvia como um monstro. Ele não era um fanático, um sádico. Era um burocrata, um homem comum, eficiente e obediente. Arant chamou isso de a banalidade do mal, quando pessoas comuns param de pensar criticamente e passam a executar ordens como máquinas. A história está cheia de pessoas brilhantes que colaboravam ativamente com sistemas de destruição. Médicos nazistas realizaram experimentos brutais com prisioneiros e justificaram isso em nome da ciência. Engenheiros projetaram câmaras de gás tratando o extermínio como um problema logístico. Eles eram profissionais altamente qualificados e sabiam o que estavam fazendo. Robert J. Lifton, que estudou profundamente esses médicos, dizia que eles fragmentavam o eu, mantinham sua humanidade fora do campo de concentração e vestiam um jaleco como se aquilo fosse apenas trabalho. E isso só é possível porque a inteligência quando não é crítica não questiona, ela justifica. E quando toda a cultura ao redor valida como certo, até o absurdo parece lógico. Bom, Rofar via isso tudo como fracasso moral coletivo. Não era falta de conhecimento, era falta de coragem para pensar. E é por isso que a estupidez funcional não poupa ninguém. Porque quando pensar pode te isolar, punir ou expor, obedecer começa a parecer virtude. E nesse momento até mentes brilhantes colocam sua inteligência a serviço do mal, não por ignorância, mas por conveniência ou por covardia. A estupidez funcional é também o colapso da dúvida. É onde refletir se torna não só raro, mas quase impossível. Nosso cérebro foi moldado para economizar energia. Como mostrou Daniel Kenoman, preferimos respostas rápidas, automáticas e familiares. Não buscamos o que é mais verdadeiro, buscamos o que parece mais coerente. Aquilo que se encaixa no que já acreditamos é o chamado viés de confirmação. Ele é o solo fértil, onde a estupidez cresce. E para piorar, vivemos em sistemas projetados para explorar essas falhas cognitivas. Choosana Zubof chama isso de capitalismo de vigilância. Plataformas e algoritmos que não apenas conhecem nossas vulnerabilidades, mas as transformam em lucro. Elas não querem que você pense, querem que você reaja o mais rápido possível da maneira mais cega e não pensada. O novo autoritarismo não queima livros. Ele nos afoga em entretenimento e dissolve ideias em ao mar de distrações, memes, slogans e certezas baratas. É nesse ambiente que a estupidez funcional triunfa, não pela força, mas pela conveniência. E se você está sempre em silêncio quando deveria estar pensando, duvidando ou discordando, talvez já tenha até sido capturado. A estupidez funcional não é um traço, é um estado. Ela não surge da ignorância, mas do abandono, do pensamento, do julgamento e da responsabilidade. Ela se instala quando pensar se torna exaustível, quando julgar parece perigoso, quando agir deixa de fazer sentido. Ela se dilui no cotidiano, nos hábitos, nas opiniões repetidas. Não exige crueldade nem brutalidade. Só exige que você se ausente, que você se acomode ao que já está posto e se torne parte dele, mesmo sem querer. O mais difícil é perceber quando isso já aconteceu, porque você continua vivendo, continua acreditando que está escolhendo, mas as escolhas já foram feitas por você em algum lugar entre a pressa, o cansaço e o medo. E não há manual de saída, só uma tarefa contínua, observar o que te forma, perceber o que te move e sempre se perguntar. As ideias que guiam sua vida são realmente suas. [Música]

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