O Túnel de $7 Bilhões Que Vai Mudar o Mapa da Europa
0Como é que um pedaço de mar tão pequeno ainda consegue impedir a conexão direta entre duas das regiões mais ricas e desenvolvidas do planeta? Parece estranho quando lembramos que a Europa já construiu túneis gigantes atravessando montanhas, pontes ligando países e linhas de trem cruzando o continente a mais de 300 km/h. Mesmo assim, bem no norte da Alemanha, existia um ponto onde o progresso parava. Neste vídeo você vai conhecer um gargalo geográfico que resistiu por décadas e que agora finalmente está sendo vencido. Entre a ilha alemã de Femarn e a cidade dinamarquesa de Hodby está surgindo o maior túnel submerso do mundo em extensão contínua. Esse é o túnel do cinturão de Femarn, um projeto que deve custar cerca de 7 bilhões e meio de dólares e promete mudar totalmente o jeito de transportar pessoas e mercadorias entre o norte e o sul da Europa. Atualmente, essa travessia depende de balças. Mesmo levando cerca de 45 minutos, ainda há demora no embarque, filas e horários limitados. Com o túnel pronto, o mesmo percurso vai levar apenas 10 minutos de carro ou 7 minutos de trem. Se a ideia parece simples ligar dois pontos separados por apenas 18 km de mar, por que demorou tanto para virar realidade? A resposta está nos enormes desafios técnicos, ambientais e políticos que precisaram ser resolvidos ao longo de décadas. O estreito de Femarn pode parecer tranquilo, mas é cheio de dificuldades. As correntes são fortes, o fundo do mar é instável e muitos navios passam por ali todos os dias. Construir uma ponte significaria erguer torres gigantescas com vãos enormes que poderiam atrapalhar as rotas marítimas. Escavar um túnel tradicional também seria difícil. Ele teria que ser fundo demais, custaria caro demais e não funcionaria bem para trens de carga que precisam de rampas suaves. A solução escolhida foi completamente diferente de tudo que já foi feito. Um túnel submerso formado por blocos gigantes de concreto encaixados no leito do mar. A maior estrutura desse tipo já construída. O túnel vai ter 18,1 km de extensão e vai juntar no mesmo espaço uma rodovia com quatro faixas e duas linhas de trem. Tudo isso separado com segurança, bem ventilado, iluminado, monitorado e preparado para emergências. O mais impressionante é que tudo está sendo construído em terra firme, no porto de Hodby Haven, na Dinamarca. Ali foi montada uma fábrica enorme que já começou a produzir os blocos de concreto. No total serão 89 blocos, sendo 79 do tipo padrão e 10 blocos especiais. Cada um tem cerca de 217 m de comprimento, 42 de largura e 10 de altura. São blocos ocos com espaço interno para as pistas, os trilhos e toda a parte técnica. A escavação da trincheira, onde os blocos serão encaixados, foi concluída em 2024. Foram retirados cerca de 15 milhões de meticos de sedimentos do fundo do mar. Parte desse material está sendo reaproveitado para criar novas áreas verdes e espaços públicos no entorno da obra. O portal de entrada do túnel no lado da Dinamarca também já está pronto, com mais de 100 m da estrutura submersa instalados. Agora o foco está na montagem dos blocos. Alguns já estão prontos, outros ainda estão em produção e os primeiros devem começar a ser transportados e afundados no mar ainda este ano. Quem quiser acompanhar essa obra de perto pode visitar um mirante chamado Pillen, criado especialmente para o público observar a construção. Também há exposições interativas que mostram como o túnel está sendo feito, incluindo uma atração dentro da Legoland que mostra modelos em escala do projeto. O cronograma atual prevê que os testes comecem em 2028 e que o túnel seja aberto ao público em 2029. Mas esse prazo está sob pressão. Fatores como licenças ambientais, atrasos em canteiros, condições climáticas difíceis e mudanças técnicas podem empurrar a entrega para os primeiros anos da década de 2030. Do lado alemão, por exemplo, a construção do túnel que vai ligar a ilha de Femarna ao continente só começa em 2026 e pode atrasar ainda mais a abertura total do projeto. Mesmo assim, os impactos esperados são enormes. O túnel vai acabar com um dos maiores gargalos logísticos do corredor Scanmed, a principal rota de transporte entre o norte e o sul da Europa. Esse corredor liga países como Finlândia, Suécia, Dinamarca, Alemanha e Itália. Com o túnel funcionando, trens de carga vão conseguir atravessar diretamente, sem depender de balsas lentas ou desvios de centenas de quilômetros. Isso significa tempo, menos custo e menos emissão de carbono. Mas o projeto também enfrenta a resistência. Do lado alemão, muitos ambientalistas e moradores da região protestam contra a obra. Eles temem os impactos no ecossistema do Mar Báltico, que é cheio de espécies marinhas sensíveis e áreas protegidas. A dragagem e o movimento intenso de navios levantaram preocupações sobre o assoreamento e a saúde da vida marinha. Foram muitos protestos, ações na justiça e debates públicos até que o projeto fosse aprovado. Em 2008, os governos da Dinamarca e da Alemanha assinaram um acordo internacional. A Dinamarca ficou com a responsabilidade de construir e pagar pela obra em troca do direito de operar o túnel e cobrar pedágio por várias décadas. Já a Alemanha ficou encarregada de modernizar as estradas, ferrovias e construir um segundo túnel menor, ligando a ilha ao continente. Enquanto a Dinamarca trabalha no fundo do mar, a Alemanha atualiza sua infraestrutura em terra. Cidades como Hamburgo e Lubecão se preparando para receber o novo fluxo de veículos e trens. Em poucos anos, a Escandinávia vai estar a poucos minutos de distância do restante da Europa continental. A verdade é que esse túnel é muito mais do que uma obra de engenharia. Ele é um símbolo de integração europeia, uma resposta a décadas de atraso logístico e uma aposta num futuro mais conectado. Um projeto que parecia impossível por mais de 100 anos e que agora está ganhando forma, bloco por bloco, bem debaixo do Mar Báltico. E por trás das toneladas de concreto, dos anos de trabalho e da tecnologia de ponta, existe um objetivo simples, facilitar o caminho, aproximar pessoas, culturas e mercados. Porque às vezes o maior papel da engenharia é esse, encurtar a distância entre o que é necessário e o que ainda parece impossível. E todo esse processo funciona como uma coreografia altamente coordenada, sem espaço para erro. Essa jornada começa em Rodby Haven, no sul da Dinamarca, onde foi construída uma fábrica imensa só para essa finalidade. O complexo industrial cobre mais de 1 milhão de met quadrados, o equivalente a 200 campos de futebol, e opera 24 horas por dia, 7 dias por semana. Cada bloco é feito em nove sessões contínuas moldadas ao longo de 36 horas. Durante esse tempo, engenheiros monitoram variáveis como temperatura, umidade e tempo de cura do concreto. Se o concreto endurece rápido demais, ele racha. Se endurece devagar, perde resistência. É um processo tão delicado quanto assar um bolo gigante, onde cada camada precisa sair exatamente no ponto antes de seguir para a próxima. Quando o bloco está pronto, ele é transferido para uma bacia de inundação. Ao ser inundado, flutua graças a tanques de lastro estrategicamente posicionados. Rebocadores levam essa estrutura colossal e esse transporte exige condições climáticas específicas e envolve monitoramento técnico contínuo durante toda a operação. Diferente de outros túneis submersos no mundo, geralmente construídos a cerca de 20 m de profundidade, o túnel de Ferrimarn será assentado a mais de 40 m abaixo do nível do mar. A trincheira onde os blocos são depositados foi escavada em um solo instável, sujeito a movimentações causadas por correntes marítimas intensas e tráfego naval denso. Mesmo assim, cada bloco precisa se encaixar ao anterior com um erro máximo de apenas 15 mm. Isso garante a vedação e a estabilidade da estrutura. Para tornar esse encaixe possível, os engenheiros desenvolveram um sistema de juntas selantes flexíveis que atuam como ventosas. Ao serem pressionadas entre os blocos, criam uma ligação estanque resistente à pressão. Após o encaixe, a base é coberta com camadas de pedras que estabilizam a estrutura. As próprias correntes marítimas auxiliam na vedação ao empurrar a areia sobre a cobertura, tornando o túnel praticamente invisível no fundo do mar. Com os blocos conectados, começa a transformação interna. Técnicos especializados instalam as quatro faixas de rodovia, as duas linhas férreas, sistemas de ventilação, iluminação, monitoramento, túneis de evacuação e dispositivos de segurança. Tudo isso precisa funcionar perfeitamente dentro de um espaço fechado, isolado do ambiente externo e projetado para operar com segurança por mais de 120 anos. Os testes operacionais devem começar em meados de 2028, conforme o cronograma atualizado pelo consórcio Femer AS. Como a fábrica não tem espaço de armazenamento, cada bloco precisa ser transportado e instalado imediatamente após sua conclusão. Isso exige uma sincronia perfeita entre a produção, as condições climáticas, o nível do mar e a disponibilidade das equipes técnicas. Qualquer falha nesse fluxo afeta diretamente o andamento de todo o projeto. Para minimizar riscos, foi construído um túnel de teste em escala real. Ele serviu para ensaiar todas as etapas da concretagem ao transporte e instalação no fundo do mar. Cada fase foi testada diversas vezes até atingir um nível de precisão aceitável para os padrões exigidos. Esse processo permitiu antecipar problemas e ajustar soluções ainda na fase de simulação. A fábrica de Hugby Heaven conta com três pavilhões. O mais avançado deles, o pavilhão B, abriga as instalações de concretagem automatizada, guindastes de grande capacidade e moldes metálicos de alta precisão. Seu tamanho é tão grande que seria possível acomodar um avião de grande porte dentro de cada galpão. O local é considerado um dos maiores e mais modernos canteiros industriais da Europa. Já o pavilhão A é responsável pela produção dos 10 blocos especiais. Esses blocos são maiores e mais complexos do que os padrões, porque tem os equipamentos técnicos do túnel, como os sistemas de ventilação, comunicação, drenagem e acesso de emergência. Por conta disso, precisam de um cuidado extra durante a construção. Embora esse pavilhão seja menor que o pavilhão B, ele também conta com sistemas de fundição contínua, controle de qualidade rigoroso e estrutura dedicada para a montagem dos moldes. A principal diferença está na configuração interna dos blocos, que exige um processo mais personalizado. No pavilhão A, os engenheiros trabalham com maior flexibilidade, já que cada bloco especial tem características únicas e funções específicas dentro do túnel. O pavilhão C é o pavilhão de apoio à produção. Ele é usado principalmente para a preparação das ferragens, armazenamento de moldes, acabamento das peças e também para a transição dos blocos já concluídos para os dicos, onde serão testados e preparados para serem levados ao mar. Nesse pavilhão também acontecem trabalhos importantes de reforço estrutural e ajustes finais antes do transporte. É uma área de suporte essencial para manter o ritmo de produção dos outros dois pavilhões, funcionando sem pausas. Além disso, o pavilhão C tem equipamentos de grande porte para movimentação de materiais, áreas de cura controlada e um sistema logístico que conecta todo o fluxo de produção até o embarque dos blocos. Com cerca de 90.000 1000 m² de área total construída, os três pavilhões operam de forma coordenada, como uma linha de montagem gigante. São ao seis linhas de produção, cinco dedicadas aos blocos padrão e uma exclusiva para os blocos especiais. Tudo é pensado para funcionar como uma engrenagem, sem espaço para atrasos. Apesar de toda essa grandeza tecnológica, o maior desafio do projeto continua sendo o tempo. Cada bloco precisa seguir um cronograma fixo. Atros em uma única etapa podem afetar toda a sequência e comprometer o alinhamento da obra. Como o transporte depende do clima, da maré e da sincronização com outros sistemas logísticos, qualquer erro pode representar perdas financeiras e operacionais significativas. Experiências anteriores, como o túnel de Orisund, o Drogden e o Cross Rail em Londres forneceram aprendizados importantes que foram aplicados e ampliados aqui. O projeto do túnel de FEMAR é considerado o maior do mundo no modelo de imersão segmentada em extensão contínua. Há 30 anos, esse projeto seria considerado tecnicamente inviável, mas hoje ele está sendo concretizado graças ao avanço de softwares de engenharia, sistemas de monitoramento em tempo real, maquinário de última geração e uma intensa cooperação entre Dinamarca e Alemanha. O investimento total é de cerca de 7,5 bilhões de dólares, sendo 500 milhões financiados pela União Europeia como parte da política de integração de infraestrutura do bloco. O restante está sendo coberto pela Dinamarca. A estimativa é que o túnel reduza em até 2 horas a viagem entre Hamburgo e Copenhague. Com essa velocidade, estima-se que o tráfego no local aumente para mais de 10.000 veículos por dia, até 2035. Isso vai gerar uma receita anual suficiente para pagar o investimento ao longo de aproximadamente 40 a 50 anos. A expectativa é de que o túnel gerehões de dólares em lucro líquido para a Dinamarca até o fim do período de concessão. Apesar do otimismo técnico e econômico, o projeto ainda enfrenta a resistência. Ambientalistas alemães continuam preocupados com os impactos no ecossistema do Mar Báltico. A ilha de Fermar, no lado alemão, é uma área de grande valor natural e turístico. Muitos moradores temem a transformação do ambiente, o aumento de ruído e a movimentação constante de caminhões, trens e carros. Grupos locais pressionam por mais estudos ambientais e compensações adequadas. O túnel do cinturão de Femarn representa um novo marco na infraestrutura europeia. Ele não apenas conecta dois países, mas redefine o conceito de mobilidade entre o norte e o sul da Europa. É o resultado de décadas de planejamento, avanços tecnológicos e cooperação internacional. Muito mais do que concreto e aço, essa obra é um reflexo de uma escolha estratégica em favor da conectividade e da integração continental, mesmo diante de desafios ambientais e sociais complexos. M.