O Verdadeiro Preço da Burocracia Brasileira (E quem lucra)
0Você talvez não se lembre, mas em 2015,
as operadoras de telefonia brasileiras se uniram com um único objetivo: proibir o
WhatsApp. Na época tudo era novo e o uso do aplicativo tava crescendo exponencialmente.
E não era pra menos, ele conectava milhões de brasileiros de forma simples, rápida e… grátis,
uma palavra que as operadoras desconheciam. Tudo era cobrado na época.
Qualquer ligação ou mensagem de texto era cobrada, então o whatsapp virou alvo das gigantes porque
ameaçava os lucros delas. Chamaram de “pirataria”, disseram que era ilegal e pediram à
Justiça que bloqueasse o serviço no país. Esse episódio foi um retrato de como
o Brasil reage à inovação: com medo, com resistência — e, quase sempre, com proibição.
Porque aqui, o novo não é visto como avanço. É tratado como ameaça.
E enquanto isso, quem lucra com o atraso segue
protegido pelo próprio sistema. Então, por que, no Brasil, tantas
soluções que funcionam em outros países acabam sendo barradas por aqui?
E quem realmente se beneficia com toda essa burocracia que trava a vida de quem quer inovar,
empreender ou simplesmente resolver o básico? No Brasil, tudo parece exigir
tempo, paciência e claro, taxas. Eu considero o ato de possuir um carro
e poder dirigi-lo, uma das coisas mais burocráticas, caras e ineficientes do Brasil.
Eu já falei inúmeras vezes aqui no canal e sempre tem algo que eu não explorei a fundo.
Eu já falei que só pra conseguir dirigir, por exemplo, é um sufoco. O processo pra
tirar a carteira de motorista é burocrático, caro e ineficiente. Você precisa ir no
Detran, se matricular em uma autoescola, fazer horas de aulas teóricas e práticas,
e, claro, gastar com taxas e mais taxas. “Tomando por base um processo de habilitação
padrão, com um número razoável de aulas práticas e eventuais reprovações, o
custo total chegaria aos R$ 3.000,00” E esse gasto nem sempre se traduz em
segurança. Segundo Flávio Freitas, “chegamos à conclusão de
que não temos uma formação, mas sim de que somos adestrados a
tirar a habilitação”. Ele complementa: “Decoramos placas de trânsito sem saber que
atitude devemos ter diante dessa sinalização” Ou seja: o brasileiro gasta tempo e dinheiro
em um processo que não necessariamente ensina a dirigir.Mas algo que eu ainda não falei
é sobre outro processo que envolve carros, que é ineficiente e também tem muita
taxa: a transferência e vistoria veicular. Na teoria, ela é rigorosa. A lista oficial pra
vistoria inclui mais de 15 itens pra verificação: pneus, freios, faróis, cintos, estrutura da
carroceria, extintor… tudo deve ser verificado. Mas na prática muitas vezes, a inspeção não dura
nem cinco minutos e nada disso é verificado. Eu mesmo passei por isso recentemente e a
minha vistoria não durou 2 min. E a fila pra chegar até esses 2 min foi de mais de
40 min, isso porque eu cheguei bem cedo, tem gente que deve ficar mais de hora parado.
Eles usam um sistema inovador para atender os motoristas: por ordem de chegada. Isso
por vezes forma uma fila na vistoria e faz com que muita gente perca tempo.
O ideal era poder agendar a vistoria para evitar a fila de espera, como é
na Alemanha, por exemplo, com o TÜV. Mas o mais contraditório é que mesmo com
essa vistoria, ainda vemos pelas ruas do Brasil, carros caindo aos pedaços e sem
condições mínimas de rodar com segurança. Então a vistoria serve pra evitar que um
carro seja vendido em péssimas condições, e isso é bom. Mas e quando o carro vai
se deteriorando ao longo dos anos com o mesmo dono e começa a colocar pessoas em perigo? Pra isso, a Alemanha exige uma
inspeção do carro a cada 2 anos. Ou poderíamos ter um sistema ainda mais simples,
como hoje é o dos seguros, onde, na maioria dos casos, não é mais necessário o vistoriador ir
conferir o teu carro, e tudo que as seguradoras exigem são fotos do carro e do documento.
Mas aqui é Brasil, e a confiança é algo que não existe.
Pra você ter uma ideia, existe toda uma indústria que lucra muito com a falta de confiança
no Brasil, que eu também já falei aqui no canal. Os cartórios existem pra, teoricamente, garantir
segurança e aumentar a confiança nas transações. O problema é que, com o tempo, eles se tornaram um
entrave. Como disse o economista Kenneth Arrow, “a confiança é o lubrificante da economia” —
mas como aqui essa confiança é rara, a gente paga por cada carimbo e autenticação
como se fossem artigos de luxo. E mesmo com a tecnologia disponível, o sistema
continua travado. Em 2020, o Conselho Nacional de Justiça tentou digitalizar os cartórios, mas
voltou atrás por pressão dos tabeliães. Resultado é um sistema que impede a livre concorrência
e te obriga a usar o cartório mais próximo da sua casa — mesmo que outro na cidade cobre
menos. Como explicou Marcelo Campos, “para o CNJ não importa se o meio digital não tem
fronteiras, o que realmente importa é manter, fortalecer e ampliar a fonte de renda dos
que se intitulam monopolistas da confiança”. E no Brasil, nem a morte te livra
da burocracia. Quando alguém falece, o que deveria ser um momento de luto e acolhimento
se transforma numa maratona cartorária. Muita coisa precisa ser resolvida antes que os herdeiros
possam encostar num centavo do que foi deixado. E se alguém acha que vai resolver tudo rapidinho,
vale lembrar: só pra abrir o inventário, existe um prazo de 60 dias — que, se perdido, já gera multa.
Mas abrir é só o começo. Dependendo da situação da família, o processo pode levar anos. E durante
esse tempo, os bens continuam gerando despesas: IPTU, condomínio, manutenção. tudo isso
vai se acumulando enquanto o patrimônio fica parado no limbo da burocracia.
Em muitos casos, o custo pra acessar a herança chega a 37% do valor total
dos bens. O processo exige um advogado, taxas de cartório, avaliação de imóveis, e
claro, o temido ITCMD — o “imposto da morte”. Em São Paulo, por exemplo, uma herança de 1 milhão
pode gerar mais de R$ 115 mil em custos. E se a família não tiver como pagar, não herda nada.
Os bens ficam bloqueados, e o governo pode até vendê-los pra garantir o pagamento dos impostos.
É esse tipo de coisa que mostra que quem tem dinheiro até vive bem no Brasil. Porque
compra segurança, encurta burocracia, paga pra não esperar e quando não dá
pra burlar a lei, paga pra driblar. Pro resto da população, dá pra dizer que o
Brasil não tem pressa. Nem pra formar motoristas, pra transferir imóveis e nem pra entregar uma
avenida no prazo, isso por que o Brasil penou pra entregar obras pra copa que ia sediar. A copa
ia iniciar em 12 de junho de 2014 e em 09 de abril eles entregaram a obra, só que eles erraram
o ano, a entrega foi em 2024 e não em 2014. E essas coisas vão cansando a gente.
No dia a dia, esse acúmulo de processos que não entregam o que prometem
vai te desgastando. Você paga caro, espera demais, e no fim recebe um serviço ruim.
Um cotidiano travado, burocrático e mal resolvido. E ainda nem falamos de quando a
inovação é banida aqui no país. Se o cotidiano no Brasil já é
travado nas pequenas coisas, quando o assunto é progresso a coisa para
de vez. No lugar onde o novo deveria nascer, quem fala mais alto é a papelada,
o carimbo e o medo do diferente. A justiça é o exemplo perfeito dessa paralisia
institucional. O Brasil tem um dos sistemas mais caros do mundo: mais de 100 bilhões de
reais por ano são gastos com o Judiciário. Isso representa cerca de 1,5% do PIB nacional
— o triplo da média dos países desenvolvidos. E mesmo com toda essa estrutura, o tempo médio
para resolver um processo cível é de 4 anos e meio. Em muitos casos, ultrapassa uma década.
E essa demora, às vezes, é por falta de noção, por que a justiça brasileira
tá lotada de processo idiota. Em João Pessoa, uma empresa foi condenada a
pagar R$ 30 mil de indenização a um funcionário que fraturou a mão ao cair da cadeira enquanto
trabalhava de home office. A Justiça entendeu que houve negligência da empresa por não fornecer
um ambiente ergonomicamente adequado, e o acidente ocorreu no início da jornada, quando a cadeira
doméstica do funcionário quebrou (fonte 7). Por outro lado, na Bahia, um funcionário da
Vale processou a empresa após ser mordido pelo próprio cachorro durante o expediente,
só que o pedido foi negado pela Justiça, que concluiu que o ambiente doméstico é de
responsabilidade do trabalhador, não da empresa. Essa é a justiça brasileira, padronização zero.
E tem casos que beiram o ridículo. Na Bahia, um cliente entrou na Justiça porque foi cobrado
R$ 2,06 a mais por pimenta e caruru quando comprou um abará. E o pior: ganhou a ação e ainda
recebeu R$ 300 de indenização por danos morais. Mas pra isso acontecer, toda a estrutura do
Judiciário precisou ser acionada, num processo que custou mais de 1.500 vezes o valor do prejuízo. E
quem pagou essa conta foi o pato do contribuinte. Além disso, temos a chamada “banalização do dano
moral”. Tem gente que entra com processo só pra ver se consegue uma graninha, mesmo sem motivo
real. Em 2016, foram mais de 2 milhões de ações desse tipo no Brasil, entupindo os tribunais. E
como não tem uma regra clara pra definir quanto vale o tal “sofrimento”, cada juiz decide de um
jeito — um dá R$ 500, outro dá R$ 10 mil e tem outros que não estão dando nada. No fim, isso vira
bagunça e gasta tempo e dinheiro de todo mundo. E se você acha que empreender é uma saída mais
rápida, prepare-se: abrir uma empresa no Brasil sempre foi uma aventura. Tivemos muitos avanços
digitais nos últimos anos que reduziram para algumas poucas horas a abertura de empresa, e isso
é muito positivo, mas o país ainda é um dos piores do mundo no quesito burocracia tributária.
De acordo com levantamento do Banco Mundial, até 2019, as empresas gastavam 1.958 horas
por ano apenas para calcular e pagar impostos. Em 2023 melhorou, mas não muito, “elas despendem
entre 1.483 e 1.501 horas para preparar, declarar e pagar impostos. É mais do
que em qualquer outro lugar do mundo.”. Ou seja, você leva o triplo do tempo
que um empresário nos EUA leva só pra manter o negócio em dia com o fisco.
A complexidade é tanta que empresas precisam manter equipes inteiras só pra garantir
que estão em dia com a Receita. Um custo que, obviamente, é repassado pro consumidor.
E o que acontece quando alguém tenta inovar, cortar caminho ou criar algo novo? O
governo inventa desculpa pra proibir. Eu nunca me esqueço que em 2015, as operadoras de
telefonia no Brasil iniciaram um movimento para tentar barrar o WhatsApp. A acusação era de que
o app estava atuando como uma operadora ilegal, oferecendo chamadas e mensagens sem
pagar as mesmas taxas que as teles. O então presidente da Vivo chegou a chamar
o WhatsApp de “pirataria pura” e defendia que ele “vai contra as leis brasileiras”. O
objetivo era simples: proteger seus lucros. Só que a reação pública foi tão negativa que
as empresas recuaram — ao menos naquela época. Segundo matéria da revista Época, de
2015 “Cada gravação de voz, chamada, envio de foto ou mensagem curta de cada brasileiro
no WhatsApp é um serviço a menos que a operadora cobra. Tanta gente assim usando o aplicativo, em
algum momento provocaria um impacto nos balanços das operadoras. A conta chegou neste ano. No
primeiro trimestre de 2015, o brasileiro falou, em média, 111 minutos ao celular, segundo
dados da Anatel, queda de 15,6% em relação aos últimos três meses de 2014. Foi a maior queda
na história das telecomunicações brasileiras.”. Eu nunca gostei de nenhuma dessas empresas
de telefonia, e confesso que passei a odiar todas elas depois desse episódio. Elas já
prestam um serviço ruim, e aí quando alguém vem com uma inovação elas querem proibir?
Dez anos depois, o fantasma do bloqueio voltou a aparecer, mas não por conta
das operadoras. Em fevereiro de 2025, um juiz de Goiás ameaçou suspender o WhatsApp
no Brasil após a Meta não cumprir uma decisão judicial envolvendo a conta de um jornalista. A
empresa só evitou a punição depois de restabelecer o acesso dentro do prazo. Esse tipo de medida
extrema mostra como ainda existe um desejo de manter controle sobre ferramentas que
modernizaram a comunicação no país. E isso que eu nem falei do
Telegram, do twitter, etc. Viver no Brasil é assim. A gente
só tem a certeza que tudo é incerto O Uber já passou por maus bocados e o Airbnb
enfrentou resistência semelhante. Em todo o mundo ambos sofreram, mas no Brasil
talvez mais que nos outros lugares. Em várias cidades turísticas, como no litoral
paulista e em regiões serranas, o Airbnb foi acusado de desregular o mercado imobiliário e de
concorrência desleal com hotéis — mesmo oferecendo uma alternativa mais barata e acessível para o
turista (fonte 10). Hoje, se condomínios quiserem proibir VOCÊ de listar o SEU apartamento
no Airbnb, eles podem, de acordo com o STJ. O SEU apartamento, que VOCÊ
comprou e que VOCÊ paga IPTU. E também teve plataformas como a Buser —
que conecta passageiros a empresas de ônibus intermunicipais —que foram alvo de proibições
por parte de órgãos reguladores. Mesmo com decisões favoráveis no passado, a Buser ainda
enfrenta tentativas de ser barrada no Brasil. Em fevereiro de 2025, o Ministério Público
Federal pediu à Justiça que suspendesse as operações da plataforma em todo o país, alegando
que ela “opera ilegalmente o serviço de transporte coletivo de passageiros na modalidade regular”.
O MPF acusa a empresa de burlar regras como gratuidade para idosos e regulação de tarifas,
dizendo que, na prática, ela vende passagens como qualquer viação tradicional. A Buser, por
outro lado, afirma que só faz a intermediação do fretamento e que seu modelo já foi considerado
legal pela Justiça Federal do Espírito Santo. E teve gente querendo proibir
até o PIX em São Paulo. Ao invés de tratar o problema na raiz e fazer
algo que de fato vai acabar com o problema, aqui no Brasil parece que querem punir o cidadão
honesto que usa os serviços de maneira correta, por conta do criminoso.
Queriam proibir o PIX em São Paulo por que ele facilita golpes.
E a mesma coisa aconteceu com o celular nas agências bancárias, que foi proibido
por conta das “saidinhas de bancos” E o mesmo poderia ter acontecido com
as garupas de moto, acredite se quiser. Mas o que dizer do país do golpe, onde as pessoas
não confiam umas nas outras e o atraso parece trazer prazer e satisfação para alguns?
E ainda quando tentam resolver um problema, focam na solução errada?
Aliás, a pandemia parece que foi o que faltava para algumas coisas avançarem por aqui.
Mas por que só com uma calamidade global parece que as coisas andaram?
De qualquer forma, a lógica parece ser sempre a mesma: o sistema não tolera o atalho.
Inovar, no Brasil, é enfrentar uma batalha. Enquanto países incentivam soluções
tecnológicas para melhorar o transporte, a saúde e o acesso à informação, aqui a inovação
vira crime, e o progresso é tratado como ameaça. A verdade é que boa parte das estruturas
do Brasil parecem desenhadas pra manter tudo como está. Elas não só travam quem quer
avançar — mas protegem quem lucra com o atraso. O pior de tudo é perceber que não importa o quanto
você se esforce, o sistema parece sempre puxar você pra trás. Você acorda cedo, enfrenta
ônibus lotado, trânsito, fila, burocracia. Trabalha o mês inteiro, paga imposto
em tudo, e quando sobra algum dinheiro… vem mais taxa, mais papelada e mais regras.
É como correr numa esteira: você se movimenta o tempo todo, mas não sai do lugar.
Enquanto isso, tem gente que vive num Brasil diferente. Gente que não enfrenta
fila, que não pega transporte público, que tem alguém pra resolver os problemas. Quem
tem dinheiro, compra tempo, compra conforto, compra silêncio. E se errar, paga pra corrigir.
Já quem não tem, paga o dobro pra não ter nada. E o mais difícil é perceber
que o problema não é você. É que o Brasil parece feito pra dar
certo só pra quem já nasceu com tudo. E é nesse ciclo que a maioria das
pessoas vai vivendo: se virando, adiando sonho e postergando planos. Sempre
esperando que “uma hora as coisas melhorem”. Mas e se elas não melhorarem? E se esse
país continuar exatamente como está?