Os “brasileiros” esquecidos no país mais rico do mundo

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Está vendo aquele nome ali? É assim 
que se chama um vilarejo que também é conhecido como “Novo Brasil”. Fica no 
país mais rico do mundo. E é marcado por uma história de fracasso sobre a qual, por 
muito tempo, quase ninguém queria falar. A reportagem da DW veio até 
aqui entender melhor o porquê. E eu adianto: estamos falando do estigma em torno de uma travessia para 
o Brasil que jamais aconteceu. Aqui é Grevels. Atualmente. 
Naquela época não tinha esse nome. Eles não tinham nada. Eram 
pessoas pobres. Moravam em barracas na floresta. Era um tempo muito difícil. Era como é hoje. Com fronteiras e a 
decisão entre deixar pessoas entrarem, recebê-las ou obrigá-las a voltar para casa. Vai comecar. Esse aí do vídeo é o mesmo 
Claude que você acabou de ouvir. Mas quase trinta anos mais jovem, interpretando o morador de uma 
barraca na zona rural de Luxemburgo. Um pequeno país da União Europeia com a maior 
concentração de riqueza por pessoa do planeta. O ano da cena: 1997. O diretor do 
espetáculo de teatro amador: Jemp. No início, algumas pessoas mais velhas não 
queriam falar sobre o assunto. Queriam reprimi-lo. Quando a gente falava em comprar a casa aqui, 
nos anos 80, um tio meu sempre dizia: “Ah, vocês vão comprar uma casa no Novo Brasil”. E em algum 
momento minha mãe falou que não estava muito feliz que comprássemos uma casa aqui. Porque “ahhh… se 
mudar para Grevels”… “por que para Grevels?”… Com o passar do tempo, tudo 
começou a fazer sentido. A rotina no campo em pleno século 
19 nessa região de Luxemburgo não era fácil. Pessoas vendiam o que tinham 
para fugir da fome e dos altos impostos. Em 1828, um grupo escolheu o Brasil como destino. 
Convencido da promessa de uma vida nova. Digna. Brasilien, Brasilien… A viagem para cruzar o Atlântico 
começaria no porto da atual Bremen, na Alemanha. Mas ela nunca chegou a acontecer. Antes do embarque, grupos 
inteiros de famílias rurais receberam uma informação que marcaria gerações. O Brasil, então um império sob o comando de 
Dom Pedro I, já havia recebido gente demais naquele ano. Que, aliás, foi o primeiro 
da emigração luxemburguesa para lá. Novos migrantes não seriam aceitos. O problema é que as pessoas não tinham 
para onde voltar. Só não restou outra escolha. E elas acabaram assentadas num pedaço 
de terra que ficou conhecido como “Novo Brasil”. Foram toleradas num lugar muito, 
muito pobre, onde nada crescia. Bem aqui, onde atualmente fica 
essa rua cercada por descampados. O que se conta na redondeza é que as 
dificuldades fizeram os “brasileiros”, como eram chamados, lutar pela sobrevivência. Às vezes, levantando a desconfiança 
de que pudessem roubar os vizinhos. Eles não eram muito bem vistos na vizinhança, 
porque não tinham nada. E as pessoas tinham medo de que fossem ladrões. Que simplesmente 
pegassem o que quisessem, as roupas do varal. Que invadissem porões, despensas, para roubar 
carne, pão. Porque, de fato, não tinham nada. Eles tentavam sobreviver de alguma forma. Como 
artistas de rua, vendendo coisas no mercado. O rótulo de “brasileiro”, associado sobretudo 
à pobreza, acompanhou os descendentes. E muitos passaram a evitar o 
passado. O assunto virou tabu. O senhor não gostaria mesmo de 
contar sobre isso para a câmera? Não, deixa…

Os jovens não se interessam mais. Conversei mês passado com um e perguntei como os pais dele chegaram à propriedade. E 
ele disse que nunca falaram sobre isso. Mas quem passa por Grevels, um vilarejo de 
300 habitantes sustentado pela pastagem de animais e plantação de grãos, sente que 
é uma lembrança impossível de apagar. Não é uma história da qual se possa 
facilmente esquecer. Tem memória por todo lado. Inclusive aqui, nessa pequena igreja. Três ilustrações penduradas. Um resumo do que teria sido 
a expedição malsucedida dos antigos “brasileiros”. E a 
fundação do “Novo Brasil”. Ilustra um pouco da história dos “brasileiros”. Eles voltaram como mendigos. Ninguém queria ter 
nada a ver com eles. Isso não passa tão rápido. No século 19, por exemplo, 
os “brasileiros” não podiam entrar nesta outra igrejinha. Só iam até a porta. Hoje, ela fica aberta a visitações de qualquer um. Sinal de que os tempos mudaram. 
Não tão rápido. Mas mudaram. “Novo Brasil” agora aparece no mapa do 
Google. É nome de um centro cultural. E desta escola. Onde estudam alguns alunos 
da linhagem dos migrantes rejeitados. Ou seja, muita coisa lembra o sonho 
de um “Brasil” não alcançado. Porém, com um olhar de orgulho. É a 
biografia de Grevels sendo recontada. Vocês se lembram do que falamos sobre Novo Brasil? Eu sempre abordo esse tema com a minha turma, 
porque é uma história muito importante. Uma história muito triste, mas que as crianças 
conseguem entender bem. Para mim, também é importante recontar essa história no contexto 
da integração. Temos na região um abrigo para pessoas que buscam asilo. E muitas crianças 
desse abrigo estudam na nossa escola. Elas estão integradas às turmas. Isso deve mostrar 
que elas são bem-vindas aqui. Que não acontece o que aconteceu com as pessoas do Novo Brasil, 
que foram discriminadas e não foram integradas. Em 2010, este escritor luxemburguês lançou na Alemanha um romance 
inspirado nesses acontecimentos. Ano passado, ele foi publicado 
em português do Brasil. Isso diz muito sobre a mente dos seres humanos. 
Antigos vizinhos, com quem você viveu por dez anos, lado a lado, porta com porta… então essas 
pessoas voltam para esses vizinhos. E não são mais aceitas. Eles diziam: são “brasileiros”. Como se 
“brasileiro” fosse uma palavra desagradável na época. E eu acho isso interessante. Também tem a 
ver com a forma como tratamos os migrantes hoje. No Arquivo Nacional de Luxemburgo, uma pilha de documentos guarda os registros 
da jornada dos trabalhadores do “Novo Brasil”. Incluindo aqueles que conseguiram 
fazer a travessia. Sim, porque a verdade é que nem todos foram barrados. A Roberta descobriu um ancestral sortudo 
entre os que partiram dos arredores de Grevels em direção ao Brasil no século 
19. Que conseguiu viajar e por lá ficou. Ela vive atualmente em Luxemburgo. É um marco para os brasileiros, 
principalmente para esses que estão retornando. Porque esses são os frutos, 
a descendência daqueles que conseguiram, que venceram e chegaram do outro lado do oceano. 
Para gente, o local é simbólico nesse sentido. E Grevels, por ironia do destino ou não, é 
hoje o lar de algumas famílias brasileiras. Como a do Leonardo, que não tem uma ancestralidade 
conhecida com os “brasileiros” de 1828. Ele e a esposa, aliás, só ficaram sabendo dessa saga luxemburguesa quando compraram 
uma casa justamente no “Novo Brasil”. No dia que a gente veio fazer o acordo de 
compromisso da casa, a gente passou aqui na rua, e eu vi que estava escrito, parecia que era 
Brasserie. Aí eu falei: é Brasil. Ele falou: não, é Brasserie. Eu falei: não, é Brasil. Pesquisei 
na internet e vi que era Brasil. Vi um pouquinho a história, porque não tem muito explicando. 
Eu falei: a gente vai morar no Novo Brasil. E eu penso em colocar um mastrinho aqui 
com a bandeira do Brasil e a bandeira de Luxemburgo com a plaquinha aqui do 
Novo Brasil. Acho que vai ser bacana.

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