Por que Júpiter NÃO TEM CHÃO – EDIÇÃO COMEMORATIVA
0de 2015, a NASA lançou ao espaço a sonda Juno,
que ganhou o nome da mitológica esposa de Júpiter porque, segundo a lenda, Juno, a deusa, era a
única capaz de ver através das nuvens que Júpiter, o deus, lançava em volta de si para esconder
seus segredos. A sonda tinha, portanto, a missão de repetir o feito da rainha dos deuses
romanos: enxergar o interior do planeta, entender sua composição e como ele se formou… Descobrir
se há algo sólido lá embaixo. Sua órbita polar, extremamente excêntrica, permitiu a obtenção das
imagens mais fantásticas já produzidas do maior planeta do Sistema Solar, como esta animação feita
a partir delas pode provar… Nos apresentou os vórtices polares, desconhecidos até então… Fez
com que fosse possível mapear o campo magnético do planeta, talvez o mais extravagante de todo o
Sistema Solar… E descobriu não apenas que não há nem ao menos um núcleo sólido debaixo de tantas
nuvens, como que o que há lá embaixo é bem mais inusitado do que qualquer um poderia imaginar.
É difícil entender como um planeta com 318 vezes a massa da Terra não tem um núcleo sólido,
afinal, por aqui, a grande maioria da matéria está no estado sólido… O dia a dia da humanidade é
povoado pela solidez, alguns de nós têm a sorte de conviver com as enormes massas d’água que dominam
nossa superfície, mas aposto que, se você olhar em volta de si neste instante, quase tudo o que vai
ver está no estado sólido… Talvez seja por isso que, quando pensamos no estado gasoso, imaginamos
isso aí, “objetos” etéreos como as nuvens, facilmente transponíveis por seres meio sólido,
meio líquidos como nós… O que faz com que muitos deduzam que Júpiter e os outros planetas
gasosos são apenas gigantescas nuvens esféricas, que poderíamos atravessar de uma ponta à outra se
tivéssemos uma espaçonave adequada para isto… Ideia que não poderia estar mais distante da
realidade. Hoje você vai entender por que Júpiter, apesar de ser um planeta cuja matéria está
quase em sua totalidade no estado gasoso, é o pior lugar possível para visitarmos em todo
o Sistema Solar, com exceção da nossa estrela… E descobrir como a gravidade extrema consegue
transformar gases praticamente inofensivos aqui na Terra… Em substâncias esquisitíssimas,
com comportamentos mais estranhos ainda! Para realmente entender o que se passa dentro
de Júpiter, é bom compreendermos, primeiro, como imaginamos que o planeta se formou. O Sistema
Solar surgiu do colapso de uma gigantesca nuvem composta, principalmente, por hidrogênio e hélio.
Por que estes dois elementos? Porque eles são os mais leves, os únicos que se formaram logo após
o Big Bang. Nós sabemos o quanto o hidrogênio e o hélio são abundantes no Universo porque é possível
analisar a composição dos astros distantes usando a espectroscopia, quando separamos a luz vinda de
uma estrela, planeta ou nebulosa usando um prisma, e vemos quais “faixas” do espectro são
absorvidas, é fácil descobrir do que eles são feitos porque cada elemento químico absorve
faixas bem específicas, é o mesmo efeito que vemos quando os iluminamos aqui na Terra. Existem
por todo o Universo nuvens de hidrogênio e hélio como esta, lugares que batizamos como “berçários
estelares” porque é lá que nascem as estrelas, e é na explosão das maiores delas que o resto dos
elementos da tabela periódica se forma e espalha pela nuvem. A nebulosa que gerou o Sistema Solar,
portanto, também era abundante em hidrogênio e hélio, tanto que nossa estrela é composta
principalmente por estes dois elementos… Mas quando o Sol acendeu, há quatro bilhões
e meio de anos, a área ao seu redor passou a ter menos hidrogênio e hélio porque o vento
solar começou a empurrar os gases mais leves para longe. É por isso que os planetas internos,
Mercúrio, Vênus, Terra e Marte, contém muito pouco hidrogênio e hélio, enquanto Júpiter, Saturno,
Urano e Netuno são ricos nestes elementos: somente após a órbita de Marte substâncias
voláteis como a água, o metano, a amônia e o gás carbônico conseguem se condensar. É por este
motivo que os cometas lançam caudas quando se aproximam do Sol, o gelo que os compõe sublima…
E por que os anéis de Saturno ainda estão lá, afinal o calor do Sol àquela distância não é capaz
de sublimá-los. Quando o Sol acendeu, portanto, ele empurrou os gases que não havia absorvido da
nebulosa original para longe… E a grande maioria do hidrogênio e do hélio que foi para lá se
aglutinou nos gigantes gasosos que conhecemos – e, talvez em mais alguns que não chegamos a conhecer,
voltaremos a falar sobre isto mais para a frente. O importante é entender que foi este complexo
processo que fez com que Júpiter se formasse, principalmente, por hidrogênio e hélio. Ok,
sabemos a composição… Mas não é apenas ela que impede que Júpiter tenha chão. A gravidade, a
densidade e a temperatura também são fundamentais para entendermos o que acontece lá embaixo… E
é a partir daqui que nossos instintos passam a atrapalhar a compreensão das estranhíssimas coisas
que acontecem nas entranhas de Júpiter… Porque estamos acostumados à gravidade, à densidade e à
temperatura que vivenciamos aqui na superfície da Terra, que são MUITO diferentes das que existem
por lá! A massa da Terra, a densidade de nossa atmosfera e a temperatura de nossa superfície,
combinadas, criam este cenário, onde nós evoluímos e nossos instintos foram afinados. No único corpo
celeste que já visitamos, a Lua, não há atmosfera e a gravidade é de apenas um sexto daquela a que
estamos acostumados… É por isso que o regolito lunar, a “areia” de sua superfície, é atirada
tão para o alto conforme o jipe se desloca. A temperatura, então, é de mais de cem graus
Celsius, mais um motivo pelo qual os astronautas precisam usar estes trajes. Em Vênus, onde pelo
menos a gravidade é quase igual à da Terra, a temperatura superficial chega a quatrocentos
e cinquenta graus Celsius… Já abriu um forno e sentiu o calor que emana de lá? Pois na superfície
de Vênus o calor é praticamente o dobro do máximo que o forno da sua cozinha consegue alcançar.
A temperatura, porém, seria a menor preocupação que você teria se visitasse Vênus… Porque sua
atmosfera é noventa e duas vezes mais espessa do que a terrestre! Nossos veículos mais resistentes
à pressão, os submarinos, seriam ESMAGADOS pela atmosfera venusiana. O gás carbônico, perto da
superfície, APESAR DE CONTINUAR A SER UM GÁS, começa a agir como um fluido supercrítico, algo
como um estado intermediário entre o gasoso e o líquido, mas SEIS VEZES MAIS DENSO DO QUE A ÁGUA.
Sim, um gás, quando suficientemente pressionado, pode permanecer no estado gasoso mesmo quando
sua densidade ultrapassa a de um líquido. Percebe como as condições da superfície da
Terra tendem a nublar nosso entendimento? Usei dois exemplos mais próximos, a Lua e Vênus,
para podermos começar a compreender o que acontece dentro de um planeta com 318 vezes mais massa
do que o nosso. Como Júpiter se formou além do cinturão de asteroides, na parte do sistema em
que o vento solar já não consegue mais empurrar os elementos mais leves, ele é composto por noventa
por cento de hidrogênio e dez por cento de hélio, ambos elementos que permanecem no estado gasoso
até bem próximo do zero absoluto. Está explicado por que o planeta é um “gigante gasoso”?
Afinal, como liquefazer ou solidificar o hidrogênio e o hélio, se para isto é preciso
chegar perto de menos 273 graus Celsius e, conforme descemos na atmosfera, a temperatura
só aumenta? E isto porque esta animação está mostrando o que acontece apenas na parte mais
externa de Júpiter, em sua camada de nuvens, onde está a grande mancha vermelha…
Uma área com apenas 350 quilômetros de profundidade. Logo abaixo dela vem a
parte propriamente gasosa do planeta, que é formada praticamente por hidrogênio,
e tem cerca de cinco mil quilômetros de espessura. Lembra qual é a espessura da atmosfera
da Terra? Pois é… Este pedacinho gasoso aí tem CEM quilômetros de altura. A atmosfera de Júpiter
é só CINQUENTA VEZES mais espessa do que a nossa. Esta quantidade absurda de hidrogênio exerce
tanto peso sobre o que está embaixo que ele passa a agir como um líquido, da mesma forma
que o gás carbônico age na superfície de Vênus. Aquilo, porém, não é, propriamente, hidrogênio
líquido, porque para liquefazer o hidrogênio teria que estar a menos de 253 graus Celsius negativos,
e a temperatura ali é MUITO maior do que isto. Assim como na superfície venusiana, o hidrogênio
ali age como um fluido supercrítico… É um gás MAIS DENSO do que um líquido! Os estados físicos
da matéria estão diretamente ligados à energia cinética de suas moléculas e à força de atração
entre elas. Moléculas de objetos sólidos têm pouquíssima energia cinética, e por isso a força
de atração entre elas as mantêm grudadas umas nas outras. Ao passar para o estado líquido, a
força de atração das moléculas permanece a mesma, mas a energia cinética aumenta, fazendo com
que elas mudem de posição continuamente, mas sem se dispersarem. Já no estado gasoso, a energia
cinética é tão alta que a força de atração entre as moléculas já não consegue mais mantê-las juntas
e elas se dispersam. O que acontece em Júpiter, porém… É diferente. Porque a energia cinética
das moléculas de hidrogênio ali é enorme, muito, muito, muito maior do que o necessário para elas
se manterem no estado gasoso… Mas a pressão de CINCO MIL QUILÔMETROS de gás as esmaga, sem deixar
espaço para que elas se espalhem, o que faz com que o gás hidrogênio passe a se comportar como
um líquido… Um líquido altamente energético, doido para explodir… Mas que não consegue fazer
isto porque a pressão de cinco mil quilômetros de hidrogênio acima dele não permite! Percebe, agora,
de onde vem a energia que mantém estes milhares de furacões girando ininterruptamente desde a
formação do planeta? E a coisa só piora conforme mergulhamos mais profundamente no planeta…
Porque depois da camada de nuvens, dos cinco mil quilômetros de hidrogênio gasoso e do oceano
de hidrogênio supercrítico… Há uma camada ainda mais exótica, dois mil quilômetros abaixo,
que parece metálica nesta animação porque, a partir dela, os elétrons dos átomos de hidrogênio
estão sob tanta pressão que não conseguem mais se manter na órbita de seus núcleos, o que os faz
agir como um metal, pulando de átomo para átomo. E uma esfera metálica gigantesca como esta
girando… Acaba agindo como um dínamo. Entendeu agora onde é gerado o enorme campo
magnético de Júpiter? Antes da missão Juno, acreditava-se que havia, abaixo
da camada de hidrogênio metálico, um núcleo sólido com aproximadamente dez
massas terrestres. Mesmo se isto fosse verdade, Júpiter não teria chão porque a mudança
de densidade do hidrogênio é gradual, e o chão, o piso, o lugar onde podemos nos apoiar
para nos deslocarmos é uma fronteira bem definida entre um meio gasoso ou líquido e um meio
sólido… Mas os instrumentos da Juno revelaram algo bem mais exótico lá embaixo! Porque o campo
magnético de Júpiter é bastante caótico, como você pode ver por este mapa feito a partir dos dados
colhidos pela sonda. Isto indica que o núcleo do planeta NÃO é sólido, apesar de poder ter partes
sólidas. Ele é formado, predominantemente, por hidrogênio metálico supercondensado, e parece ter
blocos de matéria rochosa, talvez ferro e níquel como o interior da Terra. A melhor hipótese
que explicaria esta configuração envolve a colisão entre dois gigantes gasosos, que deve ter
acontecido durante a formação do Sistema Solar. Como hoje nós sabemos que a migração dos planetas,
nesta época, é algo bastante comum no Universo… É bem provável que este cenário tenha ocorrido,
assim como a colisão entre a Terra e Theia, um planetesimal do tamanho de Marte, também
aconteceu mais ou menos na mesma época. Assim como Juno, a deusa, descobriu os encontros
secretos de Júpiter, o deus, ao observar através das nuvens que ele produzia para ocultá-los…
Juno, a sonda, conseguiu demonstrar que Júpiter, o planeta, muito provavelmente teve o encontro
mais catastrófico ocorrido durante a formação do Sistema Solar. Os ciúmes da deusa a fizeram sofrer
por toda a eternidade, o que não deve acontecer com a sonda, porém. Ao final de sua missão, ela
deve mergulhar em Júpiter e se dissolver em sua interminável atmosfera de hidrogênio, passando
assim a fazer parte do planeta que, afinal, foi a razão de sua existência. Um final bem mais
poético e feliz do que o da deusa enciumada! Não sei quanto a você, mas eu passei a maior parte da
vida ouvindo da minha mãe coisas como “não precisa







