Por que o Brasil comprou o ACRE?!
0O Acre existe? Essa pergunta, que virou folclore
no Brasil inteiro, esconde uma história tão absurda que parece mentira. Estamos falando de
um território que já foi independente três vezes, quase virou americano e acabou comprado por um
país que nem fazia questão de ter aquelas terras. Tudo começou com a corrida pela borracha, mas o
que era pra ser só mais uma disputa por riquezas virou um enredo cheio de golpes, revoluções e
até impérios autoproclamados. No meio disso tudo, o Brasil tentou esquecer o Acre, a Bolívia
chamou a negociação de “troca por um cavalo”, e o resto do país fingiu que o estado nem existia.
Mas por que, mais de 100 anos depois, ainda tem gente que acredita que o Acre não
existe? E por que o Brasil comprou o Acre? No final do século XIX, a Amazônia era o lar dos
seringueiros – homens que adentravam a mata para extrair o látex das seringueiras, árvores que só
cresciam naturalmente naquela região do planeta. O trabalho era árduo: para conseguir a
matéria-prima da borracha, eles “sangravam” as árvores com pequenos cortes, coletavam a seiva
leitosa em bacias e depois a defumavam até formar grandes bolas que podiam pesar até 40 quilos.
E foi justamente a borracha que mudou para sempre o destino dessa região.
Com a descoberta da vulcanização, esse produto se tornou extremamente valioso
para as indústrias europeias e americanas. Com a crescente demanda internacional,
os seringueiros brasileiros começaram a ultrapassar as fronteiras do país em busca
das valiosas seringueiras, chegando até terras que oficialmente pertenciam à Bolívia.
A ocupação dessa região foi intensa. Por volta de 1899, existiam cerca de 300 a 400
seringais na área, a maioria pertencente a brasileiros. Comerciantes de Belém e Manaus,
junto com o governo do Amazonas, eram os grandes interessados nessa expansão territorial.
Afinal, entre 1890 e 1900, a receita do Estado do Amazonas aumentou quase dez vezes graças ao
“ouro branco”, como era chamada a borracha. Mas aqui começa a confusão: em 1867, Brasil e
Bolívia haviam assinado o Tratado de Ayacucho. Esse acordo dizia que o território do Acre
pertencia à Bolívia. O problema era que a região já estava repleta de brasileiros que não
queriam saber de virar bolivianos. Além disso, havia uma disputa sobre onde exatamente
ficava a nascente do rio Javari, um ponto crucial para definir as fronteiras.
Em meio a essa disputa territorial, a Bolívia estava prestes a tomar uma decisão
que mudaria completamente o rumo dessa história: simplesmente entregar o controle
da região para os Estados Unidos. A história do Acre está prestes a ganhar
um protagonista improvável: Luis Gálvez Rodríguez de Arias, um espanhol formado em
direito pela Universidade de Sevilha que já tinha trabalhado como diplomata em Roma e Buenos Aires.
Em 1897, ele chegou à Amazônia em busca do El Dorado – a lendária cidade de ouro. Claro que
não encontrou, mas acabou se estabelecendo como jornalista em Belém e depois em Manaus, escrevendo
para o Correio do Pará e o Commercio do Amazonas. Segundo registros históricos, ele até
se tornou dono de uma “casa de jogos e prostituição” na capital amazonense. (ô seu Luis)
Em 1899, enquanto servia no consulado boliviano em Belém, Gálvez descobriu algo alarmante:
a Bolívia planejava entregar o controle do Acre para empresários americanos e
ingleses. Ele levou a informação ao governador do Amazonas, Ramalho Júnior.
Em meio ao total desinteresse do governo federal brasileiro, mais preocupado com a
oligarquia cafeeira do que com os brasileiros nos confins da Amazônia, Gálvez proclamou uma frase
que resumia o sentimento de abandono da região: ‘Já que nossa pátria não nos quer, criamos outra’.
Era uma oportunidade única, afinal, o estado do Amazonas tinha multiplicado suas receitas em dez
vezes graças à borracha, então, ter o controle dessa região seria extremamente lucrativo.
Ramalho não pensou duas vezes: financiou uma expedição dando ao espanhol recursos,
armas e vinte soldados mercenários. Em 14 de julho de 1899, Gálvez chegou a
Puerto Alonso, hoje Porto Acre, e proclamou a independência do território. O autoproclamado
“imperador do Acre” assumiu o comando com toda pompa: criou bandeira, fundou escolas,
hospitais, exército e até corpo de bombeiros. Ele montou um ministério e governava como
um líder convencional, chegando a enviar representantes diplomáticos para outros países na
esperança de ter seu Estado reconhecido. Na época, cerca de 13 mil pessoas viviam ali.
O historiador Victor Missiato, da Unesp, conta que esse governo “teve,
sim, uma legitimidade popular naquele momento”. Segundo ele, “era uma república com seus
ministérios, seus despachos. Funcionou ativamente, mas em determinadas situações entrou em conflito
com seringueiros por conta do controle da terra e de interesses externos. Isso a fragilizou”.
O sonho imperial durou apenas seis meses. O seringalista Antônio de Sousa Braga deu um golpe
de Estado e, por um mês, foi o segundo presidente da tentativa de nova nação. Quando percebeu que
não conseguiria gerir a confusão, chamou Gálvez de volta em janeiro de 1900. A essa altura,
o governo federal brasileiro já havia enviado militares para acabar com a República do Acre e
devolver o território à Bolívia. Em 11 de março, Gálvez se rendeu aos militares brasileiros, foi
enviado a Recife e de lá exilado para a Europa. A situação ficou ainda mais tensa quando
a Bolívia fechou um acordo com o chamado “Bolivian Syndicate”, um grupo de empresários
americanos e ingleses com sede em Nova York. O contrato era escandaloso: dava a eles
poderes para conquistar o território, ocupar, explorar e valorizar a região. Podiam construir
portos, fundar cidades, manter um exército próprio e até cobrar impostos. Era praticamente
entregar as chaves do Acre para estrangeiros. Foi aí que entrou em cena Plácido de Castro,
um militar gaúcho que organizou um verdadeiro exército de seringueiros. Com apoio direto
do governador do Amazonas Silvério Néri, que era contrário ao domínio boliviano,
eles iniciaram a chamada Revolução Acriana. Entre agosto de 1902 e janeiro de 1903,
enfrentaram as tropas bolivianas em diversas batalhas, até finalmente tomarem Rio
Branco – Capital do Acre. Era a terceira vez que se proclamava a República do Acre.
O Brasil finalmente decidiu resolver a situação. O Barão do Rio Branco, nosso
ministro das Relações Exteriores, propôs uma solução diplomática: comprar
o território. Em 17 de novembro de 1903, foi assinado o Tratado de Petrópolis: o Brasil
pagaria 2 milhões de libras esterlinas à Bolívia, algo entre 2 e 2,5 bilhões
de reais em valores atuais, e se comprometeria a construir uma ferrovia
para ligar as bacias dos rios Madeira e Mamoré, permitindo que a Bolívia escoasse sua produção
pela bacia amazônica até o porto de Belém. O nome, inclusive, nasceu de um erro
de português! Um seringueiro, não muito familiarizado com a escrita, ao mandar uma carta
para seu patrão em Belém – o Visconde de Santo Elias – acabou escrevendo “Acre” em vez de
“Aquiri”, como o rio era conhecido pelos habitantes locais. O erro acabou pegando, e assim
nasceu o nome de um futuro estado brasileiro. A história do Acre não tinha começado
muito bem, e à medida que o tempo foi passando, parecia que tava no começo.
A ferrovia Madeira-Mamoré se transformou numa tragédia tão grande que a expressão ‘ir
para o Acre’ virou sinônimo de morrer na época. Dos 22 mil operários envolvidos em sua construção,
2 mil perderam suas vidas, vítimas principalmente da malária e outras doenças tropicais.
O número exato de mortos jamais será conhecido. Quando finalmente ficou
pronta, funcionou pouco e mal: a borracha sul-americana já estava em declínio
vertiginoso no mercado mundial a partir de 1910, superada pelas plantações inglesas na Ásia.
Mesmo após tanto sacrifício, o Acre continuou sendo tratado como território de segunda classe.
Foi anexado ao Brasil apenas como Território Federal – uma subcategoria de Estado – o que
significava que toda a arrecadação de impostos sobre a valiosa borracha acriana ia direto para
os cofres da União. Os acrianos precisaram lutar por mais décadas: depois de muita resistência
e conflito político, só em 1962, os acreanos conseguiram transformar o território em Estado.
Mas esse trauma permanece até hoje. Em 2006, o então presidente boliviano Evo Morales
ainda expressava o ressentimento de seu país ao afirmar em entrevista que o Acre
havia sido “trocado por um cavalo”. E não era só uma figura de linguagem: a ferrovia
Madeira-Mamoré, prometida como compensação, se transformou num verdadeiro cemitério
de trabalhadores e hoje jaz em ruínas, um monumento ao que o historiador Paulo
Henrique Martinez chama de “manipulação da população pelos agentes diplomáticos
e econômicos no cenário internacional”. Parece um roteiro de filme
de comédia que deu errado: começou com um espanhol procurando
uma cidade de ouro que não existia, teve três repúblicas independentes, quase
virou território americano e acabou sendo comprado pelo Brasil – que, ironicamente,
nem fazia questão de ter aquelas terras. E o enredo só ficou mais estranho com o
tempo. Mesmo depois de virar estado em 1962, o Acre continuou sendo tratado como um grande
laboratório de experimentos do governo federal. Em 1970, quando os acrianos finalmente pensavam
que iam poder decidir seu próprio destino, Brasília teve outra ideia genial: mandar
mais gente para lá, dessa vez para derrubar a floresta e criar gado. É como se o
território fosse um quintal do Brasil, onde todo mundo acha que pode meter o bedelho.
Até na grafia o pessoal do Acre não tem sossego. Segundo o site do Senado, com o novo Acordo
Ortográfico, o adjetivo para designar quem nasce no Acre passou a ser grafado acriano,
com i. Essa é a única forma registrada pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
A forma acreano deixou de ser aceita oficialmente. A justificativa para a mudança é que o termo
Acre termina em e átono, assim como Açores. Quem nasce em Açores é açoriano, tal como
quem nasce no Acre é acriano. Já quem nasce na Coreia do Sul, por exemplo, continua a
ser sul-coreano, já que Coreia tem e tônico. E quando eu pergunto pro GPT piora, por
que ele me diz exatamente o contrário, então, eu não sei mais de nada.
Talvez por isso o Acre tenha desenvolvido uma identidade tão peculiar dentro do Brasil. Quando
alguém brinca dizendo que “o Acre não existe”, está esbarrando em séculos de uma história em que
o estado foi tratado como uma espécie de ficção: um lugar distante onde o governo brasileiro
só lembra que existe quando precisa fazer algum experimento ou resolver algum problema.
É uma ironia que um território que o Brasil não queria, que tentou devolver para a Bolívia, e
que depois administrou como uma colônia distante, tenha se tornado um dos símbolos mais marcantes
do nosso imaginário nacional. Enquanto outros estados passam despercebidos, o Acre conseguiu
a façanha de ‘não existir’ tão intensamente que isso virou sua marca registrada.
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