Por que o BRASIL não tem BOMBAS ATÔMICAS ?
0Essa foto é o registro de um momento
crucial da história do Brasil. No dia 18 de setembro de 1990, o então presidente
Fernando Collor de Mello jogou não uma, mas literalmente duas pás de cal sobre o
plano de uma bomba atômica brasileira. O local da ação não foi escolhido ao acaso. O buraco que aparece na imagem é o Poço
de Testes Nucleares, escavado na Serra do Cachimbo, no sul do estado do Pará. Essa estrutura era parte de um programa secreto
criado pela ditadura militar, tocado em paralelo ao projeto nuclear. Esse sim, bem conhecido, que é
voltado à geração de energia. O assunto do vídeo de hoje é um dos pedaços
mais obscuros da nossa história e que permaneceu quase três décadas na clandestinidade. ele só foi descoberto depois que o
Brasil voltou a ser uma democracia cinco anos depois dos militares deixarem o poder. E a notícia virou um escândalo internacional. Mas pouco depois do programa vir à tona, a
ação de Collor enterrava, tanto de maneira concreta quanto simbólica, a busca
do Brasil por uma bomba atômica. Mesmo assim, os esforços brasileiros para
dominar tecnologias nucleares foi, e ainda é, crucial para o Brasil enquanto país. A gente pode até não se dar
conta disso no dia a dia, mas ainda vivemos em um mundo em que
tecnologia nuclear é extremamente importante. E quem sabe, eu diria que até fundamental. Desde o bombardeio dos Estados
Unidos sobre a cidade japonesa de Hiroshima e Nagasaki, no fim da Segunda Guerra
Mundial, o mundo nunca mais testemunhou o uso de armas nucleares em combates. Mas nós ainda vivemos na sombra delas. Os cinco países com assentos permanentes
no Conselho de Segurança da ONU, os únicos com poder para vetar
qualquer proposta ou decisão, são os mesmos cinco países com o maior
poderio nuclear do planeta Terra. E isso não é coincidência. E esses mesmos países que
monopolizam armas nucleares costumam classificar como ameaças existenciais, o possível uso ou produção de armas
nucleares por nações fora desse círculo. Resumindo, o domínio de um país
sob a tecnologia nuclear está diretamente relacionado à sua posição hierárquica em um cenário global que favorece justamente os
que já se inseriram nessa ordem mundial atômica. E a essa altura do vídeo, eu imagino
que você esteja cheio de perguntas. Qual é a posição do Brasil nisso tudo? O quão perto nós chegamos
de ter uma bomba nuclear? Por que nós nunca fizemos uma? Mas se você quiser entender o porquê
de o Brasil não ter bombas nucleares, nós precisamos voltar no tempo para entender como a maior tragédia nuclear da história mudou o Brasil e o mundo para sempre. Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, o Brasil chegava à reta final de um processo de
industrialização que começou na década de 30. O plano da época era que a nossa economia
não dependesse mais apenas da exportação de produtos primários como
café, açúcar e borracha. Só que quase como uma ironia do destino, a
maneira que o Brasil encontrou para se inserir no recém-formado clube de potências nucleares foi justamente a matéria-prima. Mas não qualquer uma. Em 1945, o Brasil começou a exportar areia
monazítica, que é usada para produzir plutônio. Para quem não sabe, aliás, o Brasil tem
reservas relevantes de matérias-base para produção de combustível
nuclear, incluindo urânio. E quem assinou o acordo pra comprar a areia
monazítica da gente na época foram os Estados Unidos, que naquele mesmo ano se consolidaram
como a primeira potência nuclear da história. Mas o pagamento que o Brasil
queria não era só dinheiro. O objetivo também era receber compensações
específicas, que incluíam a transferência de tecnologias e informações pra
desenvolver uma indústria nuclear nacional. Em paralelo, a democracia brasileira se fazia
presente em todas as discussões internacionais possíveis sobre armas nucleares. E os nossos representantes se apresentavam
nesses fóruns com opiniões que, no geral, eram bastante independentes. Foi assim, inclusive, que o Brasil tentou
negociar com a França e com os Países Baixos a compra das primeiras usinas nucleares, em 1946. Naquele ano, o Brasil também participou
das discussões sobre a formação da IADA, sigla em inglês para Autoridade
Internacional de Desenvolvimento Atômico. A ideia de criar a agência foi
apresentada pelos Estados Unidos logo antes de uma reunião da
Comissão de Energia Atômica da ONU. E na proposta, a entidade teria a missão de
conduzir o mundo a um acordo de desabamento nuclear completo, no qual todas as
bombas atômicas seriam destruídas. Na prática, a sugestão era retirar essas armas
das mãos dos países e colocar uma organização supranacional independente no controle
absoluto das tecnologias nucleares. Para isso, uma das tarefas do órgão seria obter
e armazenar informações completas e atualizadas sobre as fontes mundiais de minerais
estratégicos para a produção nuclear, como urânio e tório. Mas a proposta nunca foi pra frente por discordâncias entre os
governos dos Estados Unidos, que ainda era o único
detentor de bombas nucleares, e a União Soviética, que um par de anos depois seria a segunda
nação a desenvolver armamentos nucleares. E mesmo se houvesse um acordo, a proposta resolveria um problema
ao mesmo tempo em que criaria outro. Se a iniciativa saísse do papel, seria
a IADA que ganharia um poder descomunal. Ela poderia negociar o preço que bem quisesse
para matérias-primas de armas atômicas e ainda por cima escolher revendê-la para países, entre aspas, de confiança,
criando novas desigualdades. Ah, e só um detalhe, a fundação
da IADA nunca aconteceu. Ela só foi discutida por um bom tempo. Em 1957, a Agência Internacional de Energia Atômica foi criada. E ela sim perdura até hoje. O Brasil, representado nas discussões pelo almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva, até aceitaria algo assim se,
além de dinheiro, o nosso país também recebesse tecnologias nucleares como contrapartida extra pela venda das
matérias-primas que o Brasil tinha. Tinha de sobra, inclusive. Só que essa intenção brasileira de
desenvolver a própria indústria nuclear era vista com desconfiança pelas
principais potências nucleares, os Estados Unidos, o Reino
Unido e a União Soviética. Se um país domina o uso energético e
industrial de tecnologias nucleares, ele tem energia limpa. Mas ele também está a um passo de desenvolver
bombas atômicas de forma independente, e não era do interesse das principais potências do mundo permitir que um país
periférico acumulasse esse poder. Era do interesse delas que qualquer
ordem nuclear internacional limitasse a capacidade de novos países se
tornarem potências nucleares. E, do outro lado, países com pretensões nucleares não queriam deixar que acordos
internacionais travassem suas ambições. Até porque fazer uma bomba nuclear é a parte,
entre muitas aspas, fácil dessa história. Difícil mesmo era ter acesso aos materiais
nucleares necessários para alimentar esses dispositivos. Ah, e se você gosta das camisetas que eu
uso nesses vídeos, a promoção da caixa o Brasil dava os primeiros passos pra dominá-la. E aqui eu preciso deixar mais claro o que eu
quero dizer com dominar tecnologias nucleares. O projeto brasileiro era bem objetivo. A intenção era dominar o ciclo de
combustível nuclear, que requer seis etapas, das quais as duas primeiras o Brasil
não teve problemas para executar. A primeira é minerar rochas que contêm urânio.
A segunda é filtrar o minério de urânio, ou seja, separá-lo de tudo que não é interessante.
O primeiro obstáculo veio na terceira etapa, que era converter o urânio extraído
em hexafluoreto de urânio, ou UF6. O bolo amarelo, como também é chamado,
é a forma química mais conveniente usada para se chegar à quarta etapa do
processo, que era enriquecer o urânio. Mas o que exatamente é isso? O minério de urânio puro é composto de
dois isótopos, o urânio-238 e o Urânio-235. E é esse segundo tipo o que tem as propriedades
mais interessantes para se usar tanto em reatores quanto em bombas. Submarinos nucleares, por exemplo,
precisam de urânio com 20% do isótopo-235. Já as bombas precisam que esse
percentual ultrapasse os 80%. O problema é que o Urânio-235 representa menos de
1% da composição do minério de urânio na natureza. E para se conseguir o domínio do ciclo nuclear, um país precisa ser capaz de criar urânio com
altas concentrações do isótopo de urânio-235, que se consegue justamente através
do chamado enriquecimento de urânio. São esses dois estágios, a
conversão e o enriquecimento, que são o grande problema tecnológico
na busca do domínio do ciclo nuclear. Já a quinta etapa é a produção de
combustível para uso em usinas. E a última é o uso desse
combustível na geração de energia. Um país com a capacidade de
executar todas essas capacidades é um país que domina o ciclo de energia nuclear. E essa indústria abre as portas para
diferentes aplicações dessa energia, como em submarinos e bombas nucleares, e permite
até mesmo a exportação de combustível nuclear. Só que dominar esse ciclo não é nada fácil. Os Estados Unidos foram os primeiros, em 1945, seguidos pela União Soviética quatro anos depois. Em 1952, a Inglaterra também chegou lá com ajuda dos Estados Unidos. E depois de um hiato que durou oito
anos, a França foi a próxima em 1960. E a China também entrou pra lista
de potências nucleares em 1964. Por mais que o objetivo do Brasil não explicitasse
o interesse em desenvolver bombas atômicas, existia sim o interesse em
dominar a tecnologia nuclear. E olhando pra trás, isso faz todo sentido. Mas na época, nem todo mundo
estava convicto da importância da energia nuclear para o futuro do planeta. Por aqui, o grande defensor da importância
de se tornar autossuficiente no assunto foi o próprio almirante Álvaro
Alberto da Mota e Silva. Cientista da Marinha e especialista em explosivos, foi ele quem liderou no Brasil os primeiros esforços para dominar
o ciclo nuclear na década de 50. Na época, já sob o governo
democrático de Getúlio Vargas, uma das primeiras atitudes do
país foi fundar uma organização para direcionar e financiar as pesquisas na área. Em 1951, foi criado o CNPq. Até hoje, o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico é um dos principais órgãos públicos responsáveis por financiar todo tipo de pesquisa no Brasil. Ou seja, as origens dos esforços
científicos modernos do Brasil estão diretamente ligadas às ambições
nucleares lideradas pelo almirante Alberto. Ainda no início dos anos 1950, o Brasil também
comprou um acelerador de partículas e começou a buscar mais possíveis parceiros além dos
Estados Unidos para vender material nuclear em troca de estrutura e conhecimento. A parceria que mais gerou frutos
foi com a Alemanha Ocidental. De lá vieram inúmeros cientistas para dar aulas e ajudar
com transferência de tecnologia. O Brasil, inclusive, tentou recrutar um dos descobridores do urânio
para o projeto nuclear brasileiro, mas isso acabou nunca acontecendo. Apesar de um começo otimista,
o sucesso das ações brasileiras foi limitado pela pressão das potências nucleares. Foi essa pressão que impediu a
Alemanha de vender ao Brasil as ultracentrífugas usadas para enriquecer o urânio. O Brasil só ia conseguir adquirir esse aparato quase uma década depois do
começo das renegociações. Já em 1955, o governo de Juscelino
Kubitschek conseguiu adquirir um reator nuclear comprado pelo
governo dos Estados Unidos. Além disso, os institutos de pesquisa
estavam avaliando a ideia de produzir reatores de urânio puro,
que não precisam de urânio enriquecido ou de tecnologia nuclear
avançada para serem implementados. Um deles acabou sendo comprado
pelo Brasil junto com a França. Na política internacional, o Brasil mantinha
uma posição pró-desarmamento nuclear, desde que isso não impedisse de avançar
nos chamados projetos pacíficos. Mas isso não era muito bem
visto pelas potências nucleares, especialmente depois da crise
dos mísseis de Cuba em 1962. Esse foi o momento da Guerra Fria em que a
União Soviética e os Estados Unidos chegaram mais perto de um conflito nuclear direto. Depois do episódio, evitar que outro país
das Américas tivesse armas nucleares virou uma pauta importante política na Casa Branca. Mas mesmo assim, o Brasil avançava nesse sentido. Não existem evidências de que o
governo desejava uma bomba nuclear, mas os equipamentos adquiridos
nos anos 50 poderiam ser empregados para a produção de armas nucleares. Isso levantou preocupações principalmente nos
nossos vizinhos mais próximos, como a Argentina. Mas a guinada do Brasil para perseguir a bomba
atômica acontece de fato com o golpe militar. Em 1964, o Brasil se tornou uma ditadura,
e a ruptura democrática trouxe uma série de mudanças políticas internas e externas, já que,
no contexto da Guerra Fria, o governo de generais era completamente alinhado aos Estados Unidos,
o que a gestão de João Goulart não tinha sido. Inicialmente, esse alinhamento parecia indicar
que o Brasil aceitaria um acordo que limitasse as suas capacidades nucleares, exatamente como os
primeiros tratados de não-proliferação nuclear, que começaram a ser escritos em 1965. Assinar um TNP significaria congelar os avanços
nucleares do país para qualquer finalidade. Se o Brasil assinasse o tratado, as exigências de vigilância internacional tornariam quase impossível chegar
ao domínio do ciclo nuclear. Só que, contra todas as expectativas,
o Brasil se recusou a assinar o TNP. Apesar da ditadura ter rompido
com várias práticas anteriores, a posição sobre tratados de
não-proliferação continuou a mesma. O Brasil só assinaria um acordo assim caso tivesse
garantias de que poderia continuar o estudo e o uso pacífico de tecnologias
nucleares de forma independente. E o argumento brasileiro era o seguinte. Um acordo de não-proliferação precisava ser um
ponto de partida para países em desenvolvimento dominarem a tecnologia, e não um ponto final
para garantir hegemonia nuclear às nações que já tinham essas bombas. Não assinar o tratado foi um desafio e tanto, porque significava abrir mão de
uma certa boa vontade da comunidade internacional. E isso forçou o Brasil a ser mais independente
nas escolhas sobre como desenvolver tecnologia nuclear. A saída foi procurar cooperação em outros
países que também se opuseram ao acordo, como a Índia e a África do Sul. Só que o resultado dessas
parcerias foi bem limitado. Mesmo assim, dominar o ciclo de
produção de combustível e energia nuclear ainda era a grande
meta do projeto brasileiro. Por isso, enquanto buscava aliados no
exterior, o governo militar tomava, em 1968, a decisão de construir a primeira usina
nuclear do país em Angra dos Reis, no sul do estado do Rio de Janeiro. Mas as pretensões do Brasil
foram afetadas a partir de 1974. Naquele ano, a Índia realizou o teste
de uma bomba nuclear, a Smiling Buddha. E isso aumentou a pressão para que países
assinassem o Tratado de Não-Proliferação. A pressão chegou ao ápice em 1975, quando
uma reportagem no jornal The New York Times acusou o Brasil de loucura
nuclear depois de o país tentar comprar a tecnologia da Alemanha Ocidental. Essa negociação também era vista como uma
falha no tratado, já que o país europeu era signatário do TNP, mas o Brasil não. O presidente americano da época, Gerald Ford,
não desconfiava tanto do Brasil e estava disposto a manter uma cooperação
nuclear limitada com o nosso país. Mas ele sofria uma oposição pesada no Senado, liderada por Jimmy Carter, que viria
a sucedê-lo no comando da Casa Branca. No primeiro ano de mandato dele, em 1978, a CIA publicou um relatório sobre as
capacidades nucleares da América Latina, sugerindo que a Argentina e o Brasil poderiam chegar a ter as próprias bombas
em um período de até cinco anos. E a partir dali, impedir que o Brasil
e outras nações avançassem nas agendas nucleares virou um ativo eleitoral para o Carter. Ele chegou a propor que fosse proibida qualquer
venda de tecnologia nuclear para países não signatários do TNP. A pressão do Carter fez com que fosse proibida
a venda de urânio para o Brasil abastecer a usina de Angra 1. O urânio prometido pelo governo americano
só ia chegar 5 anos depois do previsto. O projeto nuclear brasileiro ganhou atenção da
pior maneira possível. Não existia mais qualquer forma do país dominar o ciclo de combustível
nuclear por meio de cooperação externa. Então, sem alternativas, a ditadura militar decidiu começar um projeto completamente próprio. E o principal, ele era secreto. Em 1978, o Brasil começou a investir no
que ficou conhecido como Programa Paralelo. A iniciativa foi organizada pelos militares, mas contou com a colaboração de
instituições de pesquisa civis, como o Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares de São Paulo. O objetivo era o domínio completo do ciclo de combustível nuclear sem
depender de favores externos. Com isso, o Brasil seria capaz de alcançar
qualquer tecnologia nuclear que quisesse. E o plano era chegar a esse estágio trabalhando
simultaneamente em diferentes subprojetos. O projeto REMO tinha como objetivo desenvolver
um mini-reator para um submarino nuclear cujo casco seria construído pelo projeto Chalana. Mas o pulo do gato foi o projeto Ciclone,
que visava desenvolver supercentrífugas para enriquecer o urânio. O primeiro fruto veio em 1979, quando o Brasil aprendeu a produzir o hexafluoreto
de urânio em escala industrial. Em temperatura ambiente, esse composto
apresenta uma cor amarela bem típica, motivo do apelido de yellow cake, ou bolo amarelo. E quando aquecido a mais de 57 graus
Celsius, o que era um bolo vira um gás amarelo que permite enriquecer o
urânio com o uso de supercentrífugas. Mas aqui tem um detalhe importante. Lembram quando eu falei dos dois tipos
de urânio que existem dentro do urânio? Nós temos o 238 e o 235. O primeiro é estável, mas ele não é tão eficiente. Já o segundo é bem mais escasso, mas também é o responsável pelas
reações nucleares mais intensas. E o que determina a diferença entre os dois
é o número de nêutrons no núcleo de cada um. O urânio-238 tem 146 nêutrons
e o urânio-235 tem 143. Essa diferença de 3 nêutrons que torna o
urânio-235 mais instável e apenas 1,27% mais leve. Você deve lembrar que apenas 0,7% do
urânio mineral é composto pelo urânio 235. E esse percentual deve ser de pelo menos 5% para
que o urânio seja útil para abastecer uma usina nuclear. Para se obter essa concentração ideal, a
física se utiliza da minúscula diferença de massa entre os dois isótopos por meio
de uma manobra que só foi possível graças à tecnologia de centrífugas
desenvolvidas pelo programa paralelo. E uma forma bem didática de demonstrar como isso funciona é a seguinte. Pegue uma garrafa vazia. Agora enche o interior dela com um pouco de água e
deixe o resto vazio. Na sequência, gire a garrafa. Nesse momento você vai ver que a
água é empurrada para o fundo da garrafa. Já o ar, que é mais leve, acaba se concentrando
no lado oposto, que fica mais perto da tampa. O resultado é o mesmo se
você trocar água por urânio. Mas não tente isso em casa. Ao girar um tubo com urânio
gasoso, o urânio 235, que é mais leve, tende a se concentrar
perto do eixo de rotação. Já o urânio 238 é jogado pra fora. Ou seja, girar gás de urânio causa uma
separação entre os dois tipos de urânio. Com isso, é só coletar a
parte com mais urânio 235, converter o gás de volta para
a forma metálica e voilá! Você acaba de produzir urânio enriquecido. E de quebra, ainda dá para
aproveitar a parte que sobra, que é formada basicamente por urânio 238 quase
puro, ou urânio depletado para os íntimos. Ele é bem importante para
a indústria porque é usado na fabricação de munições altamente perfurantes e contra pesos industriais. E você pode até estar se perguntando onde
que tá a dificuldade de enriquecer urânio se o conceito da supercentrífuga é tão simples. E de fato, na teoria parece fácil, mas não é como se desse para fazer isso
usando uma garrafa ou uma máquina de lavar. O desafio da engenharia pra colocar esse
conceito em prática é muito absurdo. Os números exatos são secretos, mas a estimativa é que as centrífugas
precisam de uma taxa de rotação de dezenas de milhares de vezes por segundo. Não é à toa que elas são
chamadas de super centrífugas. Essa frequência é tão alta que produz
energia suficiente para gerar uma força na ordem de MILHÕES de vezes a gravidade na Terra. E se você está achando que essa
história de projeto nuclear secreto parece muito uma coisa de filme
de espião, você está certo. Na época, a ditadura usava
diversos artifícios de inteligência para avançar na produção de
centrífugas, entre eles, a espionagem. Ela foi usada para superar
um dos grandes obstáculos enfrentados pelo Brasil na fabricação desses
equipamentos, que era o rolamento magnético. Essa tecnologia é necessária para fazer as máquinas girarem milhares de
vezes por segundo sem quebrar. Como essa era uma parte fundamental na corrida
nuclear, não dava pra importar a tecnologia porque todo mundo que detinha o conhecimento
guardava a receita a sete chaves. Mas sem ele, tentar desenvolver o
mecanismo do zero levaria muito tempo. E pra superar o obstáculo, os militares
apelaram pra espionagem industrial. Um espião brasileiro adquiriu na Alemanha uma
bomba de vácuo que usava rolamentos magnéticos. O equipamento foi trazido ao
Brasil em uma mala diplomática, que legalmente não pode ser
revistada em voos internacionais. Foi graças à espionagem que os
cientistas do IPEN conseguiram desvendar como construir rolamentos
magnéticos para uma supercentrífuga. E não só desvendar, mas também aperfeiçoar. De acordo com o diplomata Luiz Augusto de Castro
Neves, foi a partir desse episódio de espionagem que IPEN desenvolveu o circuito de
rolamento magnético mais avançado do mundo, significativamente melhor do que outros métodos de
enriquecimento usados em outros cantos do planeta. O Brasil também traficou antigas
centrífugas de enriquecimento da Alemanha, transportadas aos pedaços e escondidas
em caixas de eletrodomésticos, como batedeiras e chocolateiras. Você pode não estar acreditando,
mas a espionagem era pra valer. Num desses episódios, um diplomata
brasileiro traficou 101 interruptores industriais de prata necessários
para alimentar as supercentrifugas. Disjuntores como esses eram um segredo
industrial comercializado só dentro da França. Menos de um ano depois, um paquistanês foi preso
por transportar exatamente o mesmo componente. Os esforços científicos combinados com
a atuação dos agentes da inteligência vieram a dar frutos na década de 80. Em 1984, o IPEN começou a enriquecer
urânio em um processo 100% nacional. E mesmo sendo bem sucedido desenvolvendo
a própria capacidade de produção nuclear, o Brasil não desistiu de buscar
parcerias internacionais. Duas foram especialmente notáveis. A primeira delas aconteceu entre os
dois maiores países latino-americanos. Historicamente, Brasil e Argentina
nutriram de uma grande rivalidade. Os argentinos reclamavam até
que a hidrelétrica de Itaipu foi construída muito perto da fronteira do país e que mesmo assim eles nunca
foram envolvidos no processo. Mas, para além das diferenças, a Argentina,
que também vivia uma ditadura militar, era muito crítica de tratados
de não-proliferação e também contava com um projeto nuclear bem avançado, mais até do que o brasileiro. A busca de ambos por autossuficiência no
setor até gerou o receio de que os vizinhos poderiam se meter numa corrida nuclear
entre si, igual a Índia e o Paquistão. Só que, para surpresa geral, a relação entre o Brasil e a Argentina
foi uma direção completamente diferente. Os dois se aliaram! Primeiro, nas críticas que
ambos tinham à ordem internacional nuclear. E como os dois frequentemente se frustravam
ao buscar parceiros internacionais na área, o Brasil e a Argentina resolveram firmar uma parceria entre si e começaram a abrir
os próprios programas um para o outro. Em 1980, a Argentina passou a fabricar
combustível nuclear para o Brasil, que em troca produzia equipamento
pesado para as usinas argentinas. E em 1983, o Brasil foi avisado
com antecedência de que a Argentina anunciaria ao mundo ter dominado
o ciclo do combustível nuclear. Esse acordo de benefício mútuo entre agentes
regionais que não travava as ambições de um e de outro era exatamente o tipo de tratado
que os dois defendiam, diferente dos termos oferecidos por países que já
tinham tecnologia nuclear. O entrosamento foi tanto que até as
disputas sobre Itaipu foram resolvidas, e em parte graças ao entendimento em torno das demandas sobre tecnologia nuclear. Se geralmente armas nucleares geram hostilidade, nesse caso elas funcionaram como uma plataforma
de cooperação, que cresceu ainda mais depois que os dois países voltaram a ser democracias. Mas foi ainda durante os anos de chumbo que o Brasil chegou mais perto de
ter a própria bomba nuclear. Na metade da década de 80, a ditadura daria lugar
à democracia depois de 21 anos de repressão. E foi nessa reta final que alguns militares
da Força Aérea tiveram uma ideia que, digamos, foi um tanto quanto mal calculada. Para marcar o fim do regime e celebrar
os avanços nucleares do período, eles pensaram que seria uma boa ideia
simplesmente explodir uma bomba nuclear. Importante, tudo de maneira pacífica. Sim, você ouviu direito. A ideia era usar uma bomba atômica como se fosse
fogo de artifício para marcar o fim da ditadura militar. Mas calma, porque piora. O urânio usado nessa hipotética bomba atômica comemorativa não teria como ser brasileiro, já que não daria para produzir
material nuclear suficiente a tempo. Mas isso não seria um problema, já que a
China tinha vendido alguns quilos de urânio e plutônio para os militares estudarem. Como estava à disposição, eles pensaram
que o material poderia ser reaproveitado na produção da bomba. Só esqueceram o detalhe de que o uso dos insumos
para esse fim era proibido pelos próprios termos da negociação com os chineses. Ok, provavelmente essa sequência
de frases seja a mais absurda que eu já falei na história desse
canal, então eu vou resumir. Uma ditadura militar anticomunista ia explodir uma bomba atômica fabricada
com plutônio vendido pela China comunista pra comemorar o próprio fim. Realmente o Brasil não é pra amadores. Só que por mais maluca que seja essa ideia, ela
sintetiza a capacidade que a energia nuclear tem de não fomentar só a destruição, mas
também impulsionar a cooperação mesmo entre diferenças. O projeto atômico era tão importante pro
Brasil a ponto de fazer integrantes de um regime repressor com um claro viés ideológico
adotarem uma postura pragmática e universalista. O que isso significa na prática é que, se
você tivesse tecnologia nuclear pra oferecer, a ditadura aceitaria trabalhar com
você, não importa quem você seja. Isso quer dizer, então, que a ideia de
explodir uma bomba atômica em 1985 era boa? Não. Nem um pouco. O Brasil ainda estava se recuperando da
acusação de loucura nuclear dos anos 70. Explodia uma bomba nuclear, mesmo que
só de maneira comemorativa, e eu não acredito que eu tive que dizer isso em voz alta,
ia validar décadas de suspeitas internacionais de que o Brasil buscava armas nucleares
e não o uso pacífico de energia. Felizmente, cabeças frias prevaleceram. E em 15 de março de 1985, José
Sarney assumiu a presidência da República sem que uma bomba
nuclear explodisse no mesmo dia. Vocês conseguem imaginar o Sarney
fazendo o primeiro discurso como presidente civil em mais de 20 anos com
uma nuvem de cogumelo gigantesca no fundo? Pois então, quem sabe isso
aconteceu em um universo paralelo Isso nos leva ao próximo
capítulo nuclear brasileiro. Uma das primeiras atitudes do
Congresso depois do fim da ditadura foi justamente investigar o programa
secreto nuclear que o Brasil ainda mantinha. E pra isso foi criada a Comissão Vargas,
presidida pelo cientista nuclear José Israel Vargas. Mas o relatório final da
comissão foi meio estranho. Os militares até foram repreendidos por não
terem comunicado a existência do programa paralelo já no processo de redemocratização. Mas, por outro lado, eles meio que
receberam parabéns pelo sucesso do projeto, que seria continuado no Brasil
democrático por cientistas civis. O tamanho do projeto também foi reduzido, em parte pelo aprendizado
com o desastre de Chernobyl, mas também por causa de acidentes
radiológicos como o Césio-137 em Goiânia. Mas como as capacidades nucleares eram
extremamente importantes pro país, a pesquisa até poderia ser reduzida, mas definitivamente ela
não seria congelada por governo nenhum. A partir daí, o Programa Paralelo
virou oficialmente o PNB, sigla pra Programa Nuclear Brasileiro. A posição do Brasil em relação à tecnologia
nuclear é basicamente a mesma há mais de 70 anos, em um dos únicos projetos de Estado
que sobreviveu tanto ao começo quanto ao fim da ditadura. E se essa informação não é o
suficiente para te convencer do quão importante tecnologia nuclear é para
a política, eu não sei o que mais pode ser. Por falar em política, em 1985 o Brasil assinou
um acordo de cooperação nuclear com a Argentina, que depois evoluiria para um
acordo de segurança mútua. Hoje o Brasil vigia as ambições
nucleares argentinas e vice-versa. Isso garante que nenhum dos dois
vai buscar armas nucleares e que os dois vão ter capacidades tecnológicas similares, o que garante estabilidade na nossa região. Dois anos depois, em 1987, o Brasil
chocou a comunidade internacional com um anúncio de que havia dominado o ciclo nuclear, incluindo a tecnologia de supercentrífugas
para enriquecimento de urânio. E a reação a esse anúncio ilustra o quão
complicada é a relação entre tecnologia nuclear e cooperação internacional. Por um lado, um projeto nuclear secreto bem
sucedido assustou os países que já tinham armas nucleares. Por outro, esses países mostraram mais disposição
do que nunca para cooperar com o Brasil, porque agora nosso país parecia ter algo a oferecer. Como segundo presidente do novo período
democrático, Collor começa uma série de ações para demonstrar que o Brasil está disposto a desistir
de armas nucleares e, em troca, ser visto como um Estado nuclear legítimo. As pás de cal que ele jogou sobre o bueiro
de testes na Serra do Cachimbo é uma ação que simboliza muito bem esses objetivos. O Itamaraty então começa a preparar
o terreno para o Brasil finalmente assinar o Tratado de Não-Proliferação em 1998, porque agora o país já conseguia
produzir combustível nuclear. Logo, os impeditivos para se desenvolver
a tecnologia já não eram mais uma questão. Tanto é que o Brasil virou
exportador de combustível e desenvolveu o próprio submarino nuclear. Bombas atômicas estão entre as tecnologias
mais perversas já inventadas pela humanidade. Mas é preciso cuidar de atribuir esses
horrores à energia nuclear como um todo. Se a história nuclear do
Brasil nos ensina alguma coisa, é que ela pode, sim, ser fonte de conflito. Mas também de cooperação. Foram as ambições nucleares brasileiras
que incentivaram a fundação de um dos órgãos mais importantes para
a ciência do nosso país. Foi a abertura diplomática em busca de parcerias nucleares que aprofundou nossas relações
bilaterais com diversos países e até resolveu profundas disputas sobre Itaipu com
nosso maior e mais importante vizinho. No nosso mundo, a tecnologia nuclear é um ponto central e o
Brasil passa longe de ser um país perfeito, mas a nossa história nessa área
mostra que nós somos capazes de criar o nosso próprio futuro
nos nossos próprios termos. Mesmo nos momentos de maior tensão,
nós somos capazes de escolhas que não usam nossas diferenças a favor
do conflito, mas sim da união. E eu acho isso poético. Espero que essa história tenha cativado vocês. Muito obrigado, e até a próxima.