Por que tanta GENTE tem MEDO de AVIÕES?
0Imagine que você está em um voo quando o
piloto do seu avião faz o seguinte comunicado. Você ficaria mais calmo ouvindo essas instruções? Eu imagino que não. E se, ao invés de pegar um voo
de duas horas com turbulência, você passasse as mesmas duas
horas viajando de carro? Em qual viagem você se sentiria mais seguro? Eu presumo que na viagem de carro. E se eu te dissesse que, estatisticamente, a
chance de um voo comercial sofrer um acidente sério é de 1 em quase 14 milhões, enquanto
o risco de um acidente fatal em um carro, segundo dados dos Estados Unidos,
é muito maior, de 1 em 95? Qual você escolheria? Sabendo racionalmente
das probabilidades nas duas opções, você provavelmente se
sentiria mais seguro de carro. Por que mesmo conhecendo os riscos, o avião não te passa uma sensação real de
segurança? Por que afinal as pessoas têm tanto medo de um transporte tão seguro como o avião
e quase nenhum receio de andar em um veículo tão suscetível a acidentes quanto um carro. Nesse vídeo eu vou te mostrar que a
culpa é quase toda do seu cérebro. Immanuel Kant foi o primeiro a
diferenciar a psicologia da filosofia. E com essa separação, a ciência passou
a investigar como os humanos pensam. E um dos estudos mais importantes da psicologia
experimental foi realizado por Hermann von Helmholtz em torno do ano de 1850. Nesse estudo,
Helmholtz usava uma parede cheia de letras e pedia para um voluntário ou voluntária olhar para um
ponto fixo nessa parede que não tivesse nenhuma letra. E além de olhar, ele também pedia para a
pessoa focar toda a atenção nesse ponto fixo sem mover o olhar. Em seguida, ele
iluminava, por um breve instante, as letras ao redor do ponto fixo
para onde o voluntário olhava. Isso acontecia tão rapidamente que não era
possível identificar qual letra tinha sido iluminada. E depois, ele pedia que o voluntário mantivesse
os olhos no ponto inicial, mas direcionasse a atenção para a região que foi iluminada. E o resultado foi revolucionário, porque
pela primeira vez a ciência demonstrava que o foco da nossa visão e o foco da nossa
atenção são duas coisas diferentes. Eu sei que isso parece extremamente óbvio pra
mim e pra você, porque nós experimentamos isso diariamente. Mas esse experimento demonstra categoricamente
que a atenção é algo independente dos sentidos humanos. É por isso que você baixa o volume do som do
carro pra poder ver melhor enquanto dirige, por exemplo. É óbvio que o som do carro não afeta a sua
visão, mas ele pode afetar a sua atenção. Isso é uma evidência de que você não dá o
mesmo grau de atenção a todos os estímulos que os seus sentidos percebem, já que você é
capaz de, entre aspas, modular a intensidade deles. Foi com isso em mente que o psicólogo experimental
americano Donald Broadbent propôs a teoria do filtro. estar numa sala cheia de pessoas e
que essas pessoas estão conversando. Imagine também que, no meio de toda essa falação,
você fica atento a apenas uma conversa. Mas como é que em meio a esse batalhão de
estímulos visuais e auditivos, eu consegui pescar algo tão específico sem pedir para que
as outras pessoas falassem menos ou mais baixo? Segundo Broadbent e a teoria do filtro, o nosso cérebro tem a capacidade de processar
primeiros aspectos físicos dos estímulos. E depois ele filtra o que segue adiante
para o processamento consciente. Já o conteúdo restante é simplesmente
bloqueado pelo nosso cérebro. Nesse caso, o que passou pelo
filtro. Se eu falar o seu nome, Thiago, você vai prestar atenção no vídeo, mesmo se você estiver distraído. Para mostrar isso, eu vou te pedir para imaginar
aquela mesma sala cheia de pessoas conversando. Você continua prestando atenção
à conversa sobre Minecraft, quando, de repente, alguém fala bem alto. Ao ouvir esse chamado, você para de ouvir a
conversa e a sua atenção se volta imediatamente para quem falou do doce. É brigadeiro! A partir de um raciocínio como esse,
Trisman percebeu que o cérebro não bloqueia. Ele apenas enfraquece a influência
do que não parece tão relevante. Mesmo capturado por um tema que, para você,
seja mais interessante, como Minecraft, alguém chamar o seu nome ou oferecer um brigadeiro é um
estímulo forte o bastante para burlar esse filtro. No seu caso, o que você não consegue ignorar? O que sempre chama sua atenção? Escreve aqui nos comentários! Aliás, antes de continuar, uma coisa muito rápida. E agora sim, de volta ao vídeo. Isso acontece porque a nossa atenção funciona de
maneira seletiva. Ou seja, o que você percebe não é uma representação imparcial de tudo que os
seus sentidos captam no mundo ao seu redor. Um outro experimento que demonstra o quão
poderosa é a nossa capacidade de atenção é esse daqui. Esse vídeo mostra dois grupos de pessoas
trocando passes com bolas de basquete. A sua tarefa é simples. Você precisa
contar quantas vezes os jogadores de branco vão passar a bola entre si. Preparada
ou preparada? 3, 2, 1, roda o vídeo! E aí, conseguiu contar quantas
vezes eles passaram a bola? A resposta certa é 15. Se você acertou, parabéns. Pouco importa. O que interessa de verdade é se você percebeu ou não uma pessoa fantasiada de gorila
que passou bem no meio do vídeo. Se você viu, talvez você se
surpreenda com o fato de que a maior parte das pessoas não percebeu isso. O experimento e a pesquisa de Daniel
Simons e Christopher Chabri foram tão surpreendentes e efetivos
que levaram o prêmio Ig Nobel, dado aos feitos científicos mais improváveis, que
primeiro fazem rir, mas que também fazem pensar. E se o vídeo do gorila invisível não
prova que a nossa atenção é seletiva, eu não sei o que prova. E digo mais, se o fato das pessoas
não notarem a presença do gorila demonstra que a atenção é seletiva, o fato de que elas ficam surpresas com isso, sugere que a nossa racionalidade
também é. Ou seja, nós achamos que sim. Mas, na verdade, não estamos cientes dos limites das nossas capacidades de processar informação. Se estivéssemos, não seria
surpreendente a informação de que a nossa atenção tem vários pontos cegos. O trabalho do psicólogo e
economista Daniel Kahneman chama esses pontos cegos do nosso
raciocínio de vieses cognitivos. Kahneman explica essa tese no livro
Rápido e Devagar, no qual ele sugere que nós temos duas formas de pensar. Uma delas é a forma rápida, que busca chegar em conclusões aceleradas com base na intuição. E a outra é a forma devagar, usada quando nós construímos raciocínios lógicos ou prestamos atenção em algo de forma intencional. Essas capacidades são
úteis, mas cada uma tem funções diferentes. Se alguém chama pelo seu nome numa festa,
o seu pensamento rápido logo identifica a direção de onde veio o som. E nesse caso, você não tem opção. Você não consegue escolher não escutar o seu
nome, porque identificar palavras e processar informações sensoriais básicas são
tarefas instintivas para a nossa mente. Mas se você nota que quem chamou o
seu nome é uma pessoa que você acha terrivelmente chata, quem entra em
ação é o seu pensamento devagar. Porque você começa a bolar,
intencionalmente, um jeito de fugir dali, fingindo que não ouviu o seu nome. Nós humanos nos identificamos
mais com o pensamento devagar porque acreditamos que a nossa identidade está
atrelada à nossa capacidade de raciocinar. Só que ao fazermos isso, nós ignoramos
que a intuição tem um papel fundamental na forma como nós agimos, dominando as
nossas ações na esmagadora parte do tempo. E isso acontece, em parte, justamente
pelo fato da intuição ser irracional, já que é muito mais difícil notar
quando é ela que está no comando. E finalmente, esse é o momento perfeito
pra gente voltar a falar sobre medo de avião. Medo é uma resposta instintiva do nosso
corpo que nos faz reagir diante do perigo, seja pra fugir dele ou pra evitar se expor a perigo. E é impossível mudar algo instintivo de uma
hora pra outra com apenas fatos e lógica. Você pode até usar o pensamento racional
pra preparar um plano que te permita andar de avião apesar do medo, fazendo com que esse medo vá desaparecendo à medida que você se
acostume a andar mais e mais de avião. Mas você não pode escolher não ter medo quando
algo que parece perigoso chama sua atenção. Assim que o piloto do começo
do vídeo mencionou turbulência, a sua mente, através do pensamento rápido, acessou de forma instantânea suas memórias sobre
acidentes de avião e entrou em estado de alerta. E isso acontece, entre outras razões,
porque o pensamento rápido é muito mais barato para o nosso cérebro e para o nosso corpo
em geral. Mas o pensamento devagar necessita de muito mais energia, extraída a partir do açúcar
contido no sangue. Ou seja, pensar com calma por muito tempo exige mais do
organismo. E, por tabela, cansa muito mais. E quando o seu cérebro fica
cansado, significa que ele tem pouca energia mental para realizar tarefas difíceis.
E aí ele começa a recorrer a pensamentos intuitivos sem você nem mesmo notar.
Esse fenômeno se chama depleção de ego. Para demonstrar isso, o psicólogo social americano
Roy Balmeister fez o seguinte experimento. Ele selecionou um grupo de voluntários que deveria assistir a um vídeo para interpretar
a linguagem corporal de um personagem. Só que durante a exibição do filme, apareciam
palavras aleatórias interrompendo o vídeo. Palavras essas que os voluntários
foram instruídos a ignorar, porque no fundo eram usadas com o objetivo único
de cansar o pensamento devagar dos participantes. E depois do vídeo, os voluntantes fizeram
uma prova cheia de pegadinhas do tipo A mãe de Maria tem cinco filhas. As quatro primeiras são Lala, Lele, Lili e Lolo. Qual é o nome da quinta filha? Nessa hora, o pensamento rápido salta e diz Lulu. Mas não! A quinta filha da mãe de Maria
se chama Maria. No fim do teste, foi possível constatar que o grupo
que não consumiu açúcar na limonada caía mais nas pegadinhas com mais
frequência do que o grupo que consumiu. Ou seja, o grupo que não repunha o estoque
de energia ficava mais cansado e começava a recorrer aos pensamentos
intuitivos sem se dar conta disso. E talvez esse seja o grande ponto cego da nossa
mente. Nós não somos muito bons em diferenciar os momentos em que estamos pensando de forma
intuitiva daqueles em que nós realmente estamos raciocinando com calma. E aqui nós
estamos quase prontos para responder porque nós temos tanto medo de avião.
Mas já sabemos que quando a nossa atenção recebe sinais de perigo o
nosso cérebro responde com pensamentos intuitivos acionando a sensação
de medo. O que falta responder é, de onde vem os pensamentos
de que aviões são tão perigosos, se na verdade eles são bem mais seguros
do que outros meios de transporte que nós usamos quase diariamente? A nossa intuição parece estar intimamente conectada com as memórias que nós conseguimos
acessar com facilidade. Se você, como a maior parte das pessoas, não voa
de avião com frequência, as suas memórias sobre aviões serão
constituídas em grande parte pelo que você vê e ouve falar sobre eles na
ficção e principalmente na imprensa. E notícias, conceitualmente,
tratam de eventos relevantes que geralmente fogem da normalidade cotidiana. Você não vai ver uma notícia
na capa de um jornal falando ”Avião decola com sucesso do aeroporto de
Congonhas” porque esse é o esperado. Se fosse sem atraso, aí sim poderia ser notícia A lógica
do jornalismo é destacar justamente o contrário Por isso, aeronaves se tornam
notícias justamente quando elas caem E acidentes aéreos costumam contar com grandes
coberturas da imprensa por causa da magnitude e do fato de que geralmente
eles terminam em tragédias Vídeos de internet, rádio e TV publicam
vídeos do acidente, investigam as causas, entrevistam testemunhas, familiares
e especialistas por horas ou até dias a fio. E de certa forma isso até é
justificável, já que se trata de um assunto que tem muito interesse público. Mas ao mesmo tempo,
quanto mais notícias desse tipo forem veiculadas, isso pode alimentar um medo desproporcional
em quem consome essas notícias. Agora, isso não Não acontece porque a mídia controla o
que você pensa. Isso não existe. Por outro lado, os veículos de comunicação podem,
sim, influenciar sobre o que você pensa. Essa é uma diferença sutil, mas muito importante. É isso que diz a teoria do
agendamento, ou agenda setting. A ideia proposta por Maxwell McCombs e Donald
Shaw nos anos 1970 diz que os meios de comunicação têm o poder de escolher qual vai ser
a pauta das discussões da sociedade. Numa analogia, a escolha do que é e do que
não é assunto tem paralelos com o experimento de Herman Von Helmholtz. Ambos decidem onde a luz vai brilhar, com
o potencial de guiar a atenção do público. Algum tempo antes de eu gravar esse
vídeo, um avião que saiu da Índia rumo à Inglaterra caiu logo depois
de decolar na cidade de Ahmedabad. Com uma notícia desse porte, jornais de todo o
planeta acabam convergindo pro mesmo assunto, que vai se desdobrando em diversas
matérias com recortes diferentes, que no jargão jornalístico se chama suíte. Incrivelmente, dentre as 242 pessoas que
estavam a bordo, uma única sobreviveu, o que já é improvável. As imagens do britânico Vivash
Kumar Hamesh andando logo depois do acidente inundaram as redes e os canais
de notícias de todo o mundo. Foram entrevistas e mais entrevistas
com ele e com familiares. Em resumo, o caso gerou uma
grande comoção internacional. E no meio disso tudo, surgiu a informação
de que o sobrevivente ocupava o assento 11A, que fica próxima à saída de emergência
do avião. A partir dessa informação, grandes veículos ouviram peritos
em aviação dizerem que cada acidente é diferente, sendo impossível prever
chances de sobrevivência só pela localização do assento. Agora, adivinha se adiantou falar isso? Essa reportagem do jornal Times of India reportou
que, depois de vir à tona o assento milagroso, o número de passageiros dispostos
a pagarem mais pela sensação de segurança e paz oferecida pelas poltronas
próximas a saída de emergência aumentou. Mesmo com os especialistas afirmando que esses
lugares, no máximo, oferecem mais espaço pra pernas. Porque no meu caso é muito importante.
Conclusão, é quase inevitável associar aviões com acidentes, porque basicamente só se
fala disso quando o assunto é voar. E sim, você especificamente pode pensar que não é só
porque um avião caiu que todos eles são inseguros. Mas mesmo a sua falta de medo
é expressa em contraposição à ideia de que aviões sofrem muitos acidentes. Ou seja, o que isso significa que você só se opõe àquela ideia porque ela
está pautando o debate público? Essa ideia provavelmente nem
passaria pela sua cabeça em um dia normal. E isso é o efeito do agendamento. Ninguém fala do nada que hoje mais de 100 mil
voos pousaram com sucesso ao redor do mundo. Mas falamos, apesar dos acidentes, voar ainda
é bem mais seguro do que andar de carro. Exatamente… como eu fiz nesse vídeo. Meu Deus, eu fui pautado pela mídia! Agendamento não é algo maligno, mas sim
a consequência das escolhas dos assuntos entendidos como relevantes em
um ecossistema de comunicação. Da mesma forma que a nossa atenção e nosso
raciocínio são limitados, os recursos e o tempo de um canal de TV, de uma página de
ménis ou de um canal do YouTube como esse daqui também são finitos, e por isso é preciso
fazer escolhas sobre os temas que abordamos. Isso não quer dizer que essas decisões sejam
inquestionavelmente boas, mas sim que elas são inevitáveis. Então uma das explicações do porquê de
nós termos medo de aviões é porque a nossa atenção, que é muito limitada, é constantemente
direcionada para os mesmos tipos de eventos. E como basicamente só ouvimos falar de
aviões em tragédias, nós assimilamos involuntariamente a percepção de que situações
como essas são a regra e não a exceção. Às vezes o problema não é o que nós conseguimos
focar, mas o que somos levados a focar. Mas talvez essa também seja a beleza da história,
porque só de mudar o foco dá pra descobrir um mundo novo. Inclusive, a gente deixou
vários gorilas escondidos nesse vídeo. Muito obrigado! E até a próxima!