por que você NÃO LEMBRA de ser UM BEBÊ?

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Por que você não lembra de ser um bebê? Quando você era um bebê, a barriga da sua mãe 
era o seu mundo. Era quentinho e aconchegante. Até que um belo dia, esse mundo ficou claro. Seus 
pulmões se encheram de ar e você chorou. MUITO. Certamente aquele foi um momento memorável 
pra sua mãe e seu pai… mas não pra você. As lembranças de quando éramos pequenos 
parecem um tanto borradas hoje em dia, enquanto certas coisas que aconteceram mais 
recentemente estão frescas em nossa memória. Às vezes lembramos de coisas aleatórias, 
tipo a placa de um carro que vimos por acaso, mas você não consegue lembrar o que 
causou aquela cicatriz no seu queixo. É, eu SEI que você tem uma cicatriz no queixo. 
Eu tenho bem aqui debaixo da barba. Pois é, é como se as memórias dos nossos primeiros 
passos e palavras estivessem escondidas por trás de uma neblina misteriosa, em contraste com 
a nitidez dos acontecimentos mais recentes. Mas afinal, por que nós não lembramos 
dos primeiros momentos da nossa vida? (Vinheta) A capacidade de lembrar é essencial, ela desempenha um papel crucial em nosso 
funcionamento social, emocional e cognitivo. Nossas recordações fazem parte da 
base de nosso senso de identidade, elas gravam nossas experiências que moldam 
quem somos. Nossas memórias direcionam nossos pensamentos e escolhas, moldando nossas reações 
emocionais e possibilitando o aprendizado. Assim, a memória se torna um elemento central no 
desenvolvimento cognitivo. E em um mundo inundado de informações, compreender a complexidade e 
a importância da memória é algo fundamental. Mas… se a memória é tão crucial assim, por que será que não lembramos de certos 
acontecimentos? Por que será que não nos lembramos de sermos bebês? E por que será 
que outros momentos permanecem tão vívidos em nossas mentes? Quem decide o que merece 
ser guardado ou jogado fora de nossa mente? Certo, muitas perguntas. Mas 
antes de buscar essas respostas, primeiro temos que entender como 
as nossas memórias se formam. A memória, em geral, passa 
por três fases iniciais: a aquisição, o armazenamento e a evocação. Na fase de aquisição, os estímulos 
de uma experiência são gravados e codificados em uma memória 
considerada frágil. Ou seja, é como quando você acabou de ler uma 
coisa e qualquer tropeço você se esquece. No armazenamento, a memória é estabilizada 
para ser consolidada como memória de longo prazo. E esse armazenamento pode ser 
fortalecido com treino e repetição. Nesse caso você já leu aquela informação mais 
vezes e já começa a criar familiaridade. Por fim, na evocação as memórias que foram 
armazenadas são recuperadas e trazidas de volta à consciência quando necessárias. Aqui 
a informação entra pra valer na sua memória. Ok, isso é interessante, mas acontece que as 
coisas na prática são mais complexas. Nem todas as memórias são criadas como iguais. 
Existem diferentes tipos de memória. A memória que chamamos de memória de trabalho, 
por exemplo, diz respeito à pequena quantidade de informações que podem ser mantidas na 
mente e utilizadas na execução de tarefas. Imagine que você está conversando com 
um amigo em um ambiente movimentado, daí ele te dá um número e pede 
para você ligar para outro amigo. Enquanto seu amigo diz o número, sua 
memória de trabalho entra em ação. Ela funciona como uma espécie 
de “papel temporário” na mente, segurando brevemente as informações necessárias 
para realizar aquela tarefa imediata. Você escuta o número, repete 
mentalmente, enquanto, ao mesmo tempo, continua a interagir na conversa. Isso é a 
memória de trabalho em ação! MULTI-TASKING! Ela permite que você processe e 
utilize informações temporárias, como um número de telefone, para realizar uma 
ação específica, no caso, fazer uma ligação. A memória de trabalho não é completamente 
diferente da memória que chamamos de memória a curto prazo. A memória a curto prazo 
pode guardar uma quantidade limitada de informações de forma temporária 
em um estado muito acessível. Por exemplo, imagine que você está conversando 
com uma pessoa com sotaque estrangeiro e acidentalmente muda sua fala para combinar com 
o sotaque desse indivíduo. Nesse caso você está sendo influenciado por um aspecto até então 
não consciente de sua memória de curto prazo. Assim, podemos pensar que a 
memória de trabalho inclui a memória de curto prazo e outros 
mecanismos de processamento que ajudam a utilizar essa memória em um curto 
prazo, depois geralmente acaba esquecendo. Em contraste a isso, temos 
a memória de longo prazo, que armazena uma vasta quantidade 
de informações ao longo da vida. Os armazenamentos das memórias 
de curto e longo prazo tem duas diferenças importantes: na 
duração e na capacidade. Sobre a duração podemos dizer que os itens 
armazenados na memória de curto prazo se degradam desse tipo de armazenamento conforme o 
tempo passa, já os de longo prazo duram bem mais. Agora quando falamos de capacidade estamos nos 
referindo a um limite para a quantidade de itens que a memória pode armazenar, que no caso da de 
curto prazo é bem menos que na de longo prazo. A memória de longo, é claro, também 
tem duas peculiaridades. Geralmente, ela é dividida em dois tipos: Memórias 
explícitas e memória implícitas. Imagine a cena: você está em um museu de arte, 
admirando uma exposição fascinante. De repente, seus olhos se fixam em uma 
pintura que parece familiar, mas você não consegue lembrar o nome do artista. Diante da obra, você fecha os olhos, concentra-se 
e revive mentalmente sua última visita ao museu. Lentamente, as lembranças se desdobram: você 
estava com amigos, rindo e apreciando a arte. A imagem do nome do artista surge em sua 
mente, e você se lembra de ter lido sobre ele na última placa informativa. Nessa situação, 
a lembrança é possível graças à memória explícita. Esse tipo de memória nos permite recordar 
fatos presentes em nossa consciência, como eventos específicos e conhecimentos do mundo. Ok, fantástico, mas agora vejamos 
como é a memória implícita. Imagine que uma criança está determinada 
a aprender a andar de bicicleta. Ela monta na bicicleta, suas pernas tremem, suas mãos 
agarram firmemente o guidão. Com o apoio de um adulto, ela dá suas primeiras 
pedaladas meio que cambaleando. Mesmo se essa criança passar 
anos sem andar de bicicleta, se ela tentar andar de novo, ela 
vai conseguir sem tanto esforço. Esse feito acontece graças a memória implícita. Essa memória, diferente da explícita, nos 
ajuda a recordar fatos não conscientes, como falar nosso idioma de origem ou tocar 
um instrumento. O que é bastante útil. Tá, mas mesmo quando somos adultos e 
nosso cérebro já está mais desenvolvido, tem coisas que não conseguimos lembrar, 
enquanto outras estão vívidas em nossa mente. O que explica isso? Por que é 
tão difícil lembrar de ser um bebê? Para entendermos isso melhor, vamos 
precisar do conceito de um outro tipo de memória. Uma memória que está dentro 
do contexto das memórias explícitas, e que conhecemos como: memórias episódicas. As memórias episódicas dizem respeito 
à capacidade de recordar eventos específicos e experiências pessoais 
em um contexto de tempo e espaço. Você consegue se transportar 
mentalmente para a sua festa de aniversário do ano passado? Talvez sim! Recorde os detalhes: quem estava presente, o local onde comemorou e os 
sentimentos que sentiu na ocasião. Essa viagem pela memória permite 
lembrar não apenas os eventos, mas também as emoções e as circunstâncias que 
tornaram aquele momento único e memorável. Se você consegue se recordar desse momento, 
é sua memória episódica que está trabalhando. As memórias episódicas têm o poder de nos 
transportar para momentos já vividos. Nós podemos reviver e refletir sobre o momento, e com 
base nisso, tomar melhores decisões no presente. Aquelas experiências que fazem nosso coração bater mais rápido ou que evocam emoções são 
chamadas de experiências emocionais. E essas experiências ficam mais preservadas 
em nossa mente. Enquanto experiências mais “mundanas” se desfazem mais facilmente 
de nossos armazenamentos da memória. Imagine uma tarde ensolarada no parque, você está cercado pelo aroma fresco das flores 
e pelos risos alegres de crianças brincando. Em um momento especial, você recebe a notícia 
surpreendente de que foi promovido para o cargo que tanto sonhou em seu trabalho, o 
que faz seu coração acelerar de alegria. A combinação única de emoção e cenário cria uma 
experiência que se tornará uma memória duradoura. Apesar do cérebro não reter todos 
os detalhes de forma precisa, é menos provável que você 
esqueça dessa experiência. Agora, em contraste a essa 
experiência tão marcante, imagine uma manhã comum em que 
você está procurando as chaves do carro em casa. Nada extraordinário 
acontece, é apenas um momento rotineiro. Enquanto você as encontra e segue com seu dia, esse breve episódio de procurar as chaves 
pode se tornar uma memória mundana. A simplicidade da situação, sem elementos 
emocionais marcantes, muitas vezes faz com que esse tipo de memória seja facilmente esquecido 
em meio a outras experiências mais significativas. É como se o cérebro decidisse dar 
menos destaque a eventos cotidianos, deixando-os escapar com 
facilidade da nossa lembrança. Essas memórias simples, embora parte 
integrante do nosso dia a dia, muitas vezes desaparecem na vastidão dos acontecimentos 
mais notáveis registrados por nossas cabeças. Mas quando falamos de memórias 
emocionais episódicas, existe um tipo que pode ser mais forte: 
as memórias emocionais negativas. As memórias emocionais negativas são 
carregadas de conteúdos negativos que causam sentimentos desagradáveis 
ou sofrimento. Um acidente de carro, um término de relacionamento, 
a perda de um ente querido. Os indivíduos tendem a ter um viés de 
negatividade em relação às memórias, ou seja, é provável que ocorra um viés em direção 
a lembranças negativas de eventos ou informações. Esse viés sugere uma tendência para 
lembrar ou processar mais intensamente informações negativas em comparação 
com informações neutras ou positivas. Em pacientes que sofrem com transtorno 
de estresse pós-traumático, as memórias podem aparecer mais vívidas e 
cheias de detalhes do que nunca. Esses pacientes podem ter como sintoma 
reexperienciar persistentemente um evento traumático. Com a presença de lembranças 
indesejadas perturbadoras, pesadelos, flashbacks, angústia emocional e reatividade 
física após exposição a gatilhos traumáticos. Na literatura científica, também 
encontramos um outro conceito associado a pacientes com estresse 
pós-traumático: Flashbulb Memories ou “memórias lâmpada-de-flash”… 
Devia ter um nome melhorzinho. Enfim, essas memórias se referem a memórias vívidas e altamente detalhadas de eventos 
significativos e emocionalmente carregados. Essas memórias são frequentemente comparadas à 
intensidade e nitidez de uma fotografia tirada com uma “lâmpada de flash”, capturando 
detalhes específicos do momento. Exemplos comuns de “flashbulb memories” 
incluem recordações nítidas de eventos como desastres naturais, ataques terroristas 
ou outros acontecimentos impactantes. Por outro lado, também é possível que 
alguns indivíduos que experienciam eventos traumáticos não consigam descrever o evento. Um exemplo real, infelizmente comum, é o de uma 
testemunha que não vamos revelar a identidade, uma vítima de tortura sexual diagnosticada 
com Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Após ter sido preparada para testemunhar em várias 
ocasiões, foi incapaz de descrever os eventos relacionados à experiência de situações repetidas 
de estupro durante seu cativeiro durante a guerra. Ela foi descrita na situação de testemunho 
como uma pessoa com manifestações físicas de tremores em todo o corpo, aumento 
de transpiração e boca seca. Ela, coitada, que inclusive teve 
que beber água várias vezes. A psicóloga de apoio à testemunha descreveu 
ela como alguém que parecia ter dificuldade em lembrar detalhes, até mesmo se questionando 
por que não conseguia recordar certos momentos. Isso é visto, inclusive, no manual diagnóstico 
e estatístico de transtornos mentais. Um dos possíveis sintomas para transtorno de 
estresse pós-traumático, descrito no manual, diz respeito à incapacidade de recordar algum 
aspecto importante do evento traumático. Isso acontece devido a um fenômeno 
conhecido como amnésia dissociativa. A amnésia dissociativa é caracterizada pela 
incapacidade de lembrar informações pessoais importantes, frequentemente associadas 
a eventos traumáticos ou estressantes. A pessoa experimenta uma desconexão 
entre a identidade e a consciência, o que leva à incapacidade de recordar 
partes específicas do passado. É chamada de “dissociativa” porque está ligada a um mecanismo de defesa psicológico 
chamado dissociação. Na dissociação a pessoa se desconecta emocionalmente ou 
mentalmente de experiências traumáticas. Podemos pensar então, que nosso cérebro 
gosta de aprender e também de nos proteger. Muitas vezes ele entende que voltar 
a memórias negativas é importante para que a gente consiga aprender com 
ela e tomar melhores decisões depois. Por outro lado, algumas vezes essas memórias 
podem ser tão sofridas e dolorosas, que na tentativa de nos proteger da dor, nosso 
cérebro dificulta a evocação delas. Mas, no final das contas, nosso cérebro 
está fazendo o melhor que pode. Por outro lado, nós não tivemos acontecimentos 
importantes só quando adultos. E nossos primeiros passos? Nossas primeiras comidas? Porque 
será que não lembramos de ser um bebê? Apesar da existência de diversos tipos de 
memória, como vimos, quando falamos de memória, a maior parte das pessoas assume que 
estamos falando da memória explícita. E talvez seja por isso que muitos pensam que 
não temos a memória desenvolvida quando bebês. Por um tempo acreditou-se que crianças 
não conseguiam criar representações estáveis de eventos, então não conseguiam 
lembrar-se desses eventos. Afinal de contas, não é provável que você consiga 
trazer à sua consciência eventos e situações que aconteceram quando 
você tinha quatro meses de idade. Mas não é bem assim… O fenômeno que se refere à memória subdesenvolvida ou limitada quando somos bebês, 
é chamado de Amnésia Infantil. Você consegue se lembrar de quando 
disse suas primeiras palavras? Talvez sua festa de aniversário de um ano de 
idade? Bom, há grandes chances de não. Assim, você pode até encontrar algumas pessoas 
que afirmam se lembrar de determinadas situações quando bebês. Mas como saber se são 
memórias reais ou uma recordação baseada em fotos ou histórias contadas pelos 
outros? Talvez sejam memórias falsas. Em alguns estudos, foi observado que nos 
primeiros três a quatro anos de vida existe uma relativa falta de memórias autobiográficas, 
ou seja, as memórias sobre eventos pessoais. E aí, só depois de mais velhos, até 
aproximadamente os seis a sete anos de idade, é que as memórias autobiográficas 
ganham um aumento aos pouquinhos. Assim, nós podemos entender que a memória 
de eventos autobiográficos não é um fenômeno de tudo ou nada. Mas sim, açgo que se 
desenvolve gradualmente ao longo dos anos. E esse desenvolvimento vai 
depender de alguns fatores, como: a maturação do Sistema Nervoso Central, 
o nível de emoção e importância de um determinado evento e a capacidade 
de contar histórias, por exemplo. Inclusive a capacidade de contar histórias 
demora uns anos pra se estabelecer. Ela se desenvolve quando a criança já adquiriu 
habilidades linguísticas suficientes para descrever eventos em uma sequência temporal. Mas então, já que se desenvolve gradualmente, isso quer dizer que quando somos muito 
bebês realmente não temos memória? Na verdade temos sim! Como vimos anteriormente, existem alguns tipos 
de memória. E nos nossos primeiros meses de vida é possível que já tenhamos desenvolvido uma 
memória que chamamos de memória procedural. A memória procedural faz 
parte das memórias implícitas, e envolve recordações relativas ao movimento 
do corpo ou como usar objetos no ambiente. O exemplo do aprender a andar de bicicleta, é um 
tipo de memória procedural. Assim como amarrar os cadarços do sapato. No início, pode parecer 
complicado lembrar da sequência de movimentos, mas à medida que você pratica repetidamente, 
sua memória procedural entra em ação. Com o tempo, esses movimentos 
se tornam automáticos, e você consegue realizá-los sem precisar 
pensar muito sobre cada passo. Além disso, também foram feitos estudos 
para avaliar memórias explícitas em bebês tão novos quanto seis meses de idade 
por meio da imitação. Os pesquisadores viram que esses bebês conseguiram imitar as 
ações em determinada quantidade de tempo. Por exemplo, bebês de seis meses de 
idade lembraram das ações por vinte e quatro horas. Enquanto isso, bebês 
de nove meses de idade lembraram das ações por um mês. Já bebês de vinte 
meses de idade, lembraram por um ano. Assim, podemos entender que a maneira 
como a memória melhora com o tempo, medida pelo comportamento, está 
alinhada ao desenvolvimento do cérebro. Então talvez a questão não seja sobre 
termos ou não a memória quando bebês, mas qual tipo de memória estamos utilizando 
em determinado momento dessa fase. Ainda, apesar de avanços nas pesquisas, ainda 
existem muitos mistérios a serem desvendados. A complexidade desse fenômeno 
desperta a nossa curiosidade, mostrando que há muito mais a explorar e 
entender sobre como a memória funciona. E ao explorarmos a complexidade da memória, reconhecemos sua importância na formação 
de quem somos e como enfrentamos o mundo. A memória é uma ferramenta valiosa 
para aprender com o passado, mas também é moldada por mecanismos de defesa 
que visam preservar nosso bem-estar emocional. E como vimos, a memória desempenha 
um papel crucial em nossa vida, influenciando nosso senso de identidade, 
direcionando nossos pensamentos e decisões, moldando nossas reações emocionais 
e permitindo o aprendizado. Ela é essencial para nosso 
desenvolvimento cognitivo. Em suma, a memória é um verdadeiro tesouro 
que molda quem somos e como percebemos o mundo ao nosso redor. Desde os primeiros 
momentos de nossas vidas, ela está lá, mesmo que de maneira sutil ou limitada, 
influenciando nossas ações e reações. Compreendendo a complexidade desse fenômeno, nos 
deparamos com um vasto campo de possibilidades, desafios e descobertas. E mesmo 
com todo o conhecimento acumulado, o vasto território da memória continua a nos 
desafiar, convidando-nos a continuar nossa jornada de descobertas e aprofundamento 
nesse fascinante aspecto da mente humana.

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