Preços baixos, monitoramento e gamificação: a estratégia da Temu para se tornar gigante
0Quando você abre o aplicativo da Temu, não parece que você tá numa loja, parece que você entrou num cassino virtual. E, óbvio, isso tudo é parte de uma estratégia. Tem roleta girando, cupom relâmpago explodindo na tela, cronômetros contando segundos até o desconto sumir. Tudo a preços tão baixos que parece mentira. É compra, mas tem uma carinha de bet, né? Foi com essa fórmula que em 12 meses a Temu saltou do anonimato por topo dos apps de compras no Brasil. Superou a Amazon e Shopping Downloads. Em maio, o site bateu 250 milhões de acessos, tirando do topo dessa métrica o Mercado Livre. Essa explosão da TEMU que tá acontecendo agora no Brasil já aconteceu antes em outros países, inclusive nos Estados Unidos. E por trás desse fenômeno tem uma empresa misteriosa com sede na Irlanda, chefes chineses e com modelo de negócios e uma estrutura societária que são uma grande fonte de dúvidas, a PDD Holdings. Nesse spotlight, a gente vai desmontar o jogo da Temu, investigar quem banca esses preços e mostrar como a estratégia chinesa mudou as regras do e-commerce aqui no Brasil e no mundo todo. Enquanto eu conto essa história, não se esquece de seguir o Invest News. [Música] O motor da Temu é um modelo de negócios conhecido como Consumer to Manufacture C2M. O aplicativo cruza as buscas, curtidas e os itens dos carrinhos para prever a tendência de demanda em tempo real. Com esses dados, ela encomenda lotes mínimos a fábricas chinesas que topam margens inferiores às praticadas em marketplaces tradicionais. Em troca, a plataforma ganha acesso direto a consumidores estrangeiros. Esse modelo permitiu que a TEMU e a sua controladora, PDD Holdings, criassem uma operação global a partir do zero e tudo isso em menos de 3 anos. Assim, ela consegue escala. Um dos pontos centrais na estratégia da Temu é promover uma enchurrada de anúncios. Acho pouco provável que você não tenha sido impactado por propaganda deles nas suas redes sociais ou em algum banner de um site qualquer. E a grana que eles gastam com propaganda não é trivial, não. Em 2023, a Temu foi simplesmente a maior anunciante da meta nos Estados Unidos, que é dona do Insta e do Face. Naquele ano, ela também ficou entre as cinco empresas que mais gastaram dinheiro com anúncios do Google na maior economia do mundo. Teve ainda os anúncios no Super Ball, enfim, a gente tá falando de bilhões e bilhões de dólares, principalmente com anúncios nas redes. Essa estratégia é replicada em cada novo mercado da TEMu. Isso ajuda a explicar aquele número que eu falei aqui no começo, né? Os 250 milhões de acessos brasileiros só no mês de maio. Isso no site, tá? ainda tem o app. A TEMU e os produtos que ela vende são onipresentes na internet. Assim a TEMU consegue acessos. Ah, e tem um aspecto bem nosso que ajuda a entender o apelo da TEMu pro consumidor brasileiro. Tem uma oferta inédita, né, no sentido de que ela vende muito produtinho que a gente nunca viu e frequentemente custa ali bem menos do que a gente imaginava que custaria. É uma experiência que você já deve ter tido também com outras plataformas, principalmente asiáticas, como a Shope, AliExpress e Shin. É uma reação típica de consumidores de países com economias mais fechadas como o nosso. Aí vem outra parte importante, a gamificação da compra. Comprar na Temu é uma experiência entre a diversão e a ansiedade. Cupons, recompensas, interação constante. Aí você vai colocando coisa no carrinho. Essa interação toda é monitorada e usada de maneira inteligente pela TEMu. O tempo na página, a hesitação no clique, a taxa de abandono, é o e-commerce levado ao extremo da eficiência algorítmica, o que reduz o chamado custo de aquisição do cliente, que é uma métrica bem importante para varistas. Assim, a Temu consegue finalmente vender. Resumindo, a estratégia é investir pesado em publicidade para atrair consumidores ocidentais ao aplicativo da Temu. Lá, algoritmos e inteligência artificial trabalham para aumentar o engajamento do cliente em potencial, antecipar os desejos dele e as preferências também. Os produtos são enviados aos milhões direto das fábricas da China, o que elimina intermediários e garante preços baixos. Só que tem muito especialista do setor calculando que essa operação toda ainda assim faz a Temu perder dinheiro. Então, quem banca? É hora da gente falar da PDD Holdings. [Música] A dona da Temu é a PDD Holdings, a mesma dona do Pindudu, que é um varegista chinês gigantesco que diz ter só na China 900 milhões de usuários ativos. Seria então essa operação chinesa a parte lucrativa do negócio, a que banca o prejuízo com as operações do aplicativo Irmão Temu nos outros países? A PD surgiu em 2015 na China. Ela foi fundada por um ex-engheiro do Google chamado Colin Hang, que hoje é uma das cinco pessoas mais ricas da China. O produto matador ali foi justamente o Pindudu, que misturava compras coletivas, lembra do grupinhos. A ideia é transformar o ato de comprar em entretenimento. Aí o app explodiu entre os consumidores chineses, especialmente os de renda mais baixa e que moravam em áreas rurais. A PD chegou a abrir capital na NASDAQ em 2018 e aí a internacionalização começou em 2022, quando surgiu a réplica do PIN Dudu para outros mercados. ATM. É isso. 2022 a gente tá falando de um fenômeno super recente, só que essa operação da PDD é cercada de mistério. Oficialmente a PDD tem sede em Dublin, mas todas as decisões partem de Shangai. A estrutura societária é opaca e confusa. E a PDD opera por meio de entidades registradas em paraísos fiscais, como Ilhas Caimã, e também utiliza estruturas conhecidas como VI, com contratos difíceis de rastrear. Eles também não tm CFOL desde 2023. Tudo isso dificulta o escrutínio regulatório e a responsabilização legal em caso de controvérsias. Além disso, no dia a dia, os funcionários usam pseudônimos e a empresa terceiriza quase tudo, logística, atendimento, até servidores. O Financial Times fez uma matéria sobre isso no ano passado. Não há dados públicos sobre os resultados financeiros específicos da TEMU. Os balanços consolidados da PDD também não revelam margens, subsídios ou performance por país. É mistério sobre mistério. Enquanto isso, crescem os alertas regulatórios. Um relatório do Congresso americano classificou a TEMU como uma empresa de risco extremo para trabalho forçado. A União Europeia detectou metais pesados em brinquedos vendidos pela plataforma. Em 2023, o Google chegou a remover o app da PIN Dudu da sua loja de aplicativos depois de identificar que versões dele que podiam ser baixadas fora do Google Play tinham códigos maliciosos feitos para monitorar os usuários. E tem ainda o impacto ambiental disso tudo, né? Encomendas fracionadas, embarcadas por via aérea, com altíssimo volume de resíduos, com grande parte dos produtos virando lixo pouco tempo depois. A Temu mandou uma nota aqui pro Invest News. Ela diz que proíbe totalmente o trabalho forçado, que os vendedores que atuam com ela precisam seguir um código de ética. Eles rebateram a avaliação de especialistas que dizem que a Temu opera com prejuízo para ganhar mercado. Só que eles não apresentaram números que atestem a sustentabilidade financeira do negócio. Ah, eles também disseram que coletam só informações mínimas necessárias dos usuários e que sempre informa outra aspa quando há possibilidade de coletar dados adicionais para finalidades específicas. Fecha aspas. Para fechar, então vamos falar de Brasil. [Música] A Temu tá fazendo um ano de Brasil e cara, eles chegaram chegando, repetindo aquela receita que eu detalhei agora a pouco. Existem vários rankings que medem esse mercado super dinâmico de varejo online. Vários deles mostram que a TEMU foi rapidinho lá para cima, brigando com os líderes Mercado Livre, Shopee e Amazon em número de usuários ativos e em acessos. Eu falei com dois especialistas em varejo brasileiro e eles me ajudaram a entender que a Temu compete mesmo com os outros asiáticos como Shope, AliExpress e Shin, porque eles jogam esse mesmo jogo, o de usar algoritmo em tempo real para ajustar a oferta, gamificar a compra e convencer o consumidor a importar itens mais baratos. Só que claro, a Temu também acaba concorrendo com os players tradicionais daqui, tipo Magalu, Casas Bahia, Amazon, Mercado Livre. E essas empresas tão de olho nessa concorrência crescente e competente. Ao que tudo indica, a TEMu ainda tá testando as águas do varejo brasileiro. E esse é um momento importante para fazer isso, porque a Temu tá sendo muito afetada pelas tarifas que o Trump impôs aos produtos vindos da China. Ou seja, as vendas dos Estados Unidos, que são mercado gigantesco, tão caindo e aí ela precisa abrir novos mercados, conquistar novos consumidores. A TEMu não inventou o e-commerce, nem o marketing agressivo, nem a gamificação, mas ela levou tudo isso a um outro patamar e globalmente e muito, muito rápido. Foi de um app na China em 2022 para uma operação em mais de 90 países hoje. A questão é se esse modelo é sustentável em todos os aspectos dessa palavra. A resposta talvez esteja em como os governos vão reagir ou em como os concorrentes vão contra-atacar e, claro, nas escolhas que os consumidores vão fazer. Por enquanto, as roletas da Temu continuam direto. [Música]