RS: Um Ano Depois das Enchentes | O que Mudou?
01 de maio de 2024 – O Rio Grande do Sul
decreta estado de calamidade pública. Em poucos dias, o Rio Grande do Sul deixou de
ser um estado em alerta para se tornar o palco da maior tragédia climática de sua história.
Pontes ruíram. Bairros desapareceram. Milhares ficaram sem água, sem casa e sem respostas.
O Brasil parou. Parou pra acompanhar e pra ajudar. Mas depois que a água desceu e as coisas foram
aos poucos voltando ao normal, a cobertura jornalística das enchentes diminuiu nacionalmente
e o público naturalmente foi perdendo o interesse. Só que os problemas não terminaram
aí. Aliás, só começaram. Promessas não cumpridas, obras paradas, escolas
sem aula e cidades inteiras ainda tentando se levantar — um ano depois. Enquanto isso, abrigos
viraram cenário de caos, doações sumiram, e até as bombas de drenagem foram desligadas.
Mas o pior de tudo era que já haviam preocupações de que essa tragédia poderia
acontecer, e decidiram ignorar. Então, por que nada foi feito?
E um ano depois, algo mudou? O que começou como uma sequência de chuvas fortes,
se transformou rapidamente na maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul. Entre
os dias 27 e 29 de abril de 2024, os primeiros alertas de perigo já estavam sendo emitidos.
No dia 29, o Instituto Nacional de Meteorologia declarou alerta vermelho para volumes extremos
de chuva, resultado de uma massa de ar quente bloqueando a frente fria sobre a região Sul.
No dia seguinte, 30 de abril, vieram as primeiras cinco mortes e os relatos de cidades isoladas e
pontes desabando, como aconteceu em Santa Tereza, a 70 km de Caxias do Sul. O número de municípios
afetados saltou para 77. A partir de 1º de maio, o estado de calamidade pública foi decretado.
Já eram mais de 19 mil pessoas impactadas e 10 mortes confirmadas — metade delas, pessoas
idosas. As causas variavam entre descargas elétricas, deslizamentos e afogamentos.
No dia 2, o número de óbitos disparou: 19 mortes em apenas 24 horas. A Defesa Civil
alertava para inundações severas, com destaque para o risco de rompimento da barragem da Usina
Hidreletrica 14 de Julho. O Lago Guaíba, em Porto Alegre, atingiu a marca histórica de 4,77 metros
e começava a inundar o Centro Histórico da cidade. Até o dia 5 de maio, mais de 840 mil pessoas
foram afetadas. A capital ficou sem abastecimento, a rodoviária submersa, centros de treinamento
de clubes alagados. O governador Eduardo Leite declarou: “O Estado vai precisar de um plano
de recuperação semelhante ao Plano Marshall”. No pico da tragédia, em 12 de maio, o Guaíba
ameaçava subir novamente para níveis recordes, com previsão de 5,5 metros. A essa altura, mais
de 2 milhões de pessoas haviam sido impactadas, 145 estavam mortas.
O que o Rio Grande do Sul viveu não foi apenas uma enchente. Foi
a maior tragédia climática da sua história. Dados de 18 de maio indicavam que 735,5
mil estavam desalojados ou desabrigados. Mais do que números, foi o colapso de uma
estrutura inteira: o Aeroporto Salgado Filho foi fechado por tempo indeterminado, a energia
elétrica foi cortada em mais de 400 mil pontos, e 186 municípios ficaram sem internet
ou sinal de telefone. O abastecimento de água foi interrompido em mais de 1 milhão de
residências. Em Porto Alegre, 85% da população ficou sem água em pleno mês de maio.
Na mobilidade, pontes desabaram, rodovias inteiras foram destruídas e
bairros inteiros sumiram sob a água. Quando se ouve a expressão “a cena era
de guerra” você não entende muito bem até ver uma na sua frente. Essa foto aqui eu tirei
quando levava marmitas para um ponto de coleta, e foi o mais perto que cheguei dessa expressão.
Essa é a BR 116 que liga Novo Hamburgo a São Leopoldo, e quando eu cheguei no posto
da polícia rodoviária, parecia que estava chegando em uma fronteira de um país em guerra
e que mais a frente iria encontrar trincheiras. E o que mais choca é que, mesmo diante de
tudo isso, um ano depois, há quem ainda viva sem casa, sem rumo e sem perspectiva.
Em 2020 a pandemia separou as pessoas, e isso foi um problema. A enchente reuniu as
pessoas, e esse é um problema maior ainda. Desabrigados dividiam espaços nos alojamentos.
Não demorou muito para acontecerem brigas, discórdias, confusão, e no meio de tudo, alguns
desabrigados com celular na mão o dia inteiro sem levantar um dedo para ajudar os outros.
Houve prisões por saques, vandalismo e até estupros em abrigos. O governo precisou acionar
a Força Nacional e contratar mil policiais da reserva para reforçar o patrulhamento
nas ruas e nos centros de acolhimento. Ao todo, mais de 130 pessoas foram presas
até maio, muitas por crimes contra vítimas da tragédia. E como se não bastasse, o Ministério
Público passou a investigar um esquema de desvio de doações que teriam sido usadas como moeda de
troca eleitoral em pelo menos quatro cidades. Esse tipo de acontecimento sempre mostra o
melhor e o pior do ser humano e da sociedade. E pra não ficar só no “pior”, vimos muita
solidariedade do resto do Brasil e até do mundo. Pessoas se uniram pelos resgates, para
socorrer quem precisava e também teve quem trabalhou nos bastidores, produzindo marmitas e
recolhendo doações para abastecer os necessitados. Tivemos até abrigos para animais de estimação,
que chegavam aos montes assustados e sem rumo. Enquanto muitos cidadãos comuns se doavam
e se esforçavam para ajudar uns aos outros, a recuperação não dependia só da vontade da
população. E foi muito dolorosa e demorada. Obras de prevenção contra enchentes são complexas
e levam tempo — e isso é compreensível. Mas o pós enchente não deveria ser. São coisas mais
simples, como refazer o asfalto ou recolocar o mobiliário urbano. 4 meses depois do ocorrido
já deveriam estar resolvidas, mas não estavam. Porto Alegre ainda enfrentava um colapso social.
Em setembro de 2024, famílias ainda viviam em abrigos, outras acampavam às margens da BR-116,
que passa pelas principais cidades do estado, e muitas pessoas sequer haviam conseguido acessar
o aluguel social prometido. Ao lado da Avenida Castelo Branco, basicamente uma autoestrada que
é a principal via de acesso à cidade de Porto Alegre, famílias viviam em condições sub-humanas,
com moradias improvisadas e insalubres. Havia também uma promessa do governo federal
de transformar prédios públicos desocupados em moradias para os desalojados — mas, até
aquele momento, não se teve mais notícia da iniciativa. Como apontava a reportagem
de Gauchazh, “não é só transferir. Será preciso realizar obras de adaptação”.
Nas rodovias, o que se via eram soluções improvisadas que só aumentavam o transtorno de
quem precisava se deslocar. E o problema não é só das estradas públicas, por que até concessões
privadas, como a da BR-386, seguiam com problemas. Eu fiz esse vídeo aqui em 13 de maio, essa é a BR
116, principal via que liga a região metropolitana com Porto Alegre. Os carros andavam a 5km/h. Era
uma recuperação lenta demais, mas era o que tinha. Todo o sistema de transporte
foi afetado por muito tempo. Somente em 24 de dezembro, sete meses depois
da enchente, é que o Trensurb, o trem que liga Porto Alegre à região metropolitana,
conseguiu reabrir as estações Mercado, Rodoviária e São Pedro, em Porto Alegre. Nesse
meio tempo, milhares de passageiros passaram meses enfrentando superlotação nos ônibus
e trajetos a pé para chegar ao trabalho. Mesmo com a reabertura parcial, o serviço ainda
operava com restrições. A reconstrução da via férrea exigia obras contínuas, e o serviço
de trens seguia incompleto, com baldeações por ônibus aos domingos e após às 20h.
Em setembro, o Aeroporto Salgado Filho seguia fechado. A pista principal havia sido
submersa e ainda não havia previsão concreta para a retomada total da operação. A
cidade e a região inteira permaneciam sem seu principal terminal aéreo, afetando
diretamente a logística e o turismo regional. Desde o dia 27 de maio, a Base Aérea de Canoas
começou a receber voos comerciais, como uma alternativa provisória ao Aeroporto Salgado Filho.
Como solução, a Fraport montou um terminal temporário no ParkShopping Canoas, que fica a
cerca de 4 quilômetros da pista. Era lá que os passageiros faziam o embarque e desembarque, com
transporte até o aeródromo sendo feito por ônibus. Mas em muitos casos, passageiros ainda
precisavam ir até o aeroporto em Caxias do Sul, a mais de 2 horas de distância de Porto
Alegre, ou até o Aeroporto de Florianópolis, aproximadamente 8 horas de distância.
Ambos considerando um trânsito normal. Inclusive, final de julho pesquisei o preço
de passagens para São Paulo. A única opção era em Florianópolis e a passagem na mesma semana
chegava a custar 10 mil reais para ida e volta. Só em 21 de outubro que o primeiro voo pousou
no aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre. No início de setembro, a reconstrução
ainda parecia estar engatinhando. Se você queria saber se uma região havia sido
afetada, bastava ver se havia empilhamento de colchão e móveis em frente as casas, manchas
de barro até mais da metade das casas, cercas derrubadas ou cheias de sujeira e mato,
que foi trazido pela água e ficou preso ali. Enquanto isso, algumas coisas
básicas ainda não tinham sido feitas. A dragagem dos canais de
escoamento seguia como plano, mas não havia previsão concreta de execução.
O caso mais emblemático da falência do sistema de drenagem de Porto Alegre veio em dezembro, oito
meses depois da enchente. Após uma simples chuva de verão, o Centro Histórico voltou a alagar.
O motivo: as casas de bomba estavam desligadas, mesmo com o alerta de instabilidade climática.
Esse episódio deixou claro que, mesmo meses depois da tragédia, pouco havia sido feito
para corrigir falhas básicas de prevenção. Em novembro, quase sete meses após a tragédia,
cinco das 14 pontes destruídas ainda não tinham sequer previsão de início das obras. A maioria das
travessias afetadas estava sob responsabilidade do governo estadual, e a população seguia
fazendo rotas alternativas muito mais longas, elevando os custos e o tempo de deslocamento.
Ainda em janeiro de 2025, existiam 41 pontos de bloqueio nas rodovias gaúchas e
o governo projetava um prazo de dois anos para a reconstrução total dos
13,7 mil km de estradas danificadas. Além disso, o assoreamento dos canais prejudicava
o transporte hidroviário. Em dezembro de 2024, houve encalhes de embarcações e
a dragagem do canal de Itapuã, por exemplo, só começou no fim de
novembro — oito meses após o desastre. As escolas públicas foram duramente atingidas
e, em dezembro, muitas ainda estavam em obras, funcionando parcialmente ou com estruturas
improvisadas. Alunos da Região Metropolitana e do Vale do Taquari, por exemplo, tinham aulas
em espaços compartilhados, com turnos reduzidos. Mais do que atraso nas aulas, faltou suporte
emocional. Crianças afetadas pela enchente, muitas das quais perderam suas casas
ou parentes, ainda não tinham acesso regular a atendimento psicológico.
Os meses que seguiram a tragédia mostraram uma sequência de lentidão,
falhas e promessas não cumpridas. O retorno do Trensurb só no Natal, o Centro
Histórico alagando de novo em dezembro, e pontes sem prazo para obras mostram que a reconstrução
seguiu muito aquém da urgência do desastre. O Ministério Público, em abril de 2025,
foi contundente: “as falhas no sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre
ocorreram por ‘omissões cometidas pela prefeitura ao longo do tempo’”
Poucas semanas após o desastre, já se sabia que as obras de prevenção do
PAC de 2012 foram completamente ignoradas, colocando a cidade em sério risco. Muitos dos
diques, casas de bomba e obras de macrodrenagem prometidas anos antes ainda estavam paralisadas,
atrasadas ou sem projeto executivo finalizado. Mesmo com a liberação de recursos e
promessas de acelerar essas intervenções, em maio já era evidente: o que deveria
ter evitado a tragédia ficou no papel. Mas aconteceu e na hora de reconstruir
a coisa também não foi boa. E se pouco foi feito quando o Brasil todo
tava olhando pra isso, imagina um ano depois, quando ninguém fala do assunto e o resto
do Brasil mal lembra do que aconteceu? Será que passado um ano
alguma coisa mudou de verdade? Tem uma frase que eu gosto muito,
“No Brasil até o passado é incerto”. Acredite, 2024 não foi a primeira vez que a cidade
de Porto Alegre enfrentava uma cheia desse porte. Até aquele momento, a enchente de 1941 havia
sido a maior já registrada em Porto Alegre, com o Guaíba atingindo 4,76
metros acima do nível normal, alagando bairros inteiros e deixando
milhares de pessoas desabrigadas, mostrando que eventos extremos não eram
novidade para quem vive às margens do Guaíba. Mesmo assim, mais de 80 anos depois, ainda
havia quem duvidasse que algo parecido pudesse voltar a acontecer.
Mas não Pedro Valente. A fala dele em um vídeo de 2021
já alertava: eventos extremos como a enchente de 1941 podem se repetir.
Porto Alegre até aprendeu com o episódio de 41, implementou bombas, diques e sistemas
de contenção. Mas o tempo mostrou que aprender uma vez não é suficiente.
Quando o Rio Grande do Sul enfrentou sua maior tragédia climática, já existiam alertas. Não
foi só culpa da chuva. Foi omissão, descaso com a manutenção, e ignorar os avisos da Defesa Civil.
Um ano depois, ainda estamos tentando entender quem faz o quê. Governo do Estado, prefeitura,
União… todo mundo promete alguma coisa, mas ninguém realmente coordena. E quando
ninguém lidera, tudo se perde. Não dá pra enfrentar uma crise sem organização.
Essa confusão ficou ainda mais clara quando o governador e o prefeito de Porto
Alegre viajaram para a Holanda atrás de soluções. A ideia era boa — aprender com um país
que entende de enchentes. Mas a viagem foi muito criticada. Porque, enquanto eles estavam lá, os
especialistas daqui — como Pedro e tantos outros da UFRGS — já falavam disso tudo desde 2018.
Buscar exemplos lá fora é válido. Mas é difícil entender por que o conhecimento produzido aqui
dentro foi deixado de lado. Por que tantos estudos foram ignorados? Por que demorou tanto para agir?
Enquanto isso, a vida segue difícil para muita gente. Ruas cheias de buraco. Lixo acumulado.
Casas de bomba desligadas. Pontes sem previsão de conserto. Famílias morando em abrigos ou
acampadas na beira da estrada. E um ano depois, o que temos são mais promessas do que soluções.
Promessas que nem foram cumpridas O Painel da Reconstrução, lançado pelo Grupo
RBS, escancara esse atraso: menos de 9% das 25 mil moradias prometidas foram entregues,
e nenhuma das grandes obras de prevenção foi licitada até agora. E, um ano depois,
ainda há 22 pontos com bloqueio em rodovias. Isso porque apenas 28% dos R$ 10,4 bilhões
necessários para reforçar a malha viária foram garantidos até agora, e o impacto disso
segue real: a indústria gaúcha calcula perdas de R$ 14 bilhões com a tragédia.
E mesmo com a liberação de algumas pontes na RS-130 e BR-386, a infraestrutura não
está sendo preparada para novos eventos extremos. Investimentos definitivos seguem
em fase de estudo, sem data para início. Famílias seguem isoladas em áreas
rurais, atravessando produtos com cordas ou enfrentando estradas de chão precárias
para conseguir atendimento médico ou trabalhar. Algumas pessoas chegaram a mudar de cidade por não
conseguir sair de casa para dar à luz ou estudar. Demorou sete meses para o trem voltar
a circular. Oito meses para começarem a dragar os canais. Um ano e ainda tem
escola funcionando em espaço improvisado. A enchente de 2024 não foi só chuva. Foi um
retrato da nossa falta de preparo. Foi a prova de que aprender uma vez não basta. Porque a água
pode até passar, mas se nada mudar, ela volta. E aparentemente no Brasil a gente
vê isso tudo como algo normal. Prevenir é caro e demorado, e no longo prazo
não compra voto, por que ninguem de fato vê que as coisas estão melhorando, então eles decidem
ignorar. Reconstruir também é caro e demorado, mas não tem muito o que fazer, o estrago já foi feito.
Uma obra de prevenção some embaixo da terra, não tem fita pra cortar e não tem placa com nome
de político. E a tragédia infelizmente é o melhor momento pra eles se promoverem. Porque aí dá pra
aparecer na TV e prometer reconstrução. No fim, a enchente vira palco de campanha,
e se chover de novo todo mundo fica surpreso e volta tudo desde o começo.
E você concorda com isso? Você que é do RS sofreu nas enchentes? Comenta aqui abaixo e
não esquece de me dizer o que achou desse vídeo Agora, pra descobrir como a nova inteligência
artificial do YouTube funciona e como você pode usar ela pra crescer um canal e construir
um negócio na internet postando poucos vídeos por mês, confere uma aula grátis no
primeiro link da descrição, ou apontando a câmera do seu celular para o QR code que ta
aqui na tela antes que essa aula saia do ar. E pra entender por que o Brasil é tão
burocrático e como isso atrapalha a sua vida, confere esse vídeo que tá aqui na tela.
Então clica nele aí que eu te vejo lá em alguns segundos. Por esse vídeo é
isso, um grande abraço e até mais.