VÍCIO DIGITAL: o demônio que está matando a sua atenção (saiba como sair dessa armadilha)
1Domingo, 3 da tarde, entediado, você pega um livro na estante que você comprou há meses, abre a primeira página e 30 segundos depois você tá rolando o feed do Instagram. Você chama isso de falta de disciplina, mas uma pesquisa publicada na Nature no final de 2024 mostrou algo perturbador. As redes sociais não estão te aliviando do tédio, pelo contrário, elas estão criando ainda mais tédio. Você não tem déficit de atenção. Você tem um vício cuidadosamente criado por engenheiros. Você não tá distraído. Você foi treinado para nunca mais conseguir focar. Isso não é só um problema do mundo moderno. Na verdade, já lá no Egito, no século monges cristãos descobriram esse problema e deram para ele um nome sugestivo, o demônio do meio-dia. O que esses monges descobriram no Egito séculos atrás e o que a neurociência sabe hoje sobre o seu cérebro podem explicar porque a sua mente está sempre procurando uma distração e também pode mostrar o que você pode fazer para acabar com isso. Primeiro vamos falar do aparente paradoxo aqui. Nós nunca tivemos tanto entretenimento à nossa disposição. Temos Netflix, YouTube, TikTok, Instagram, Facebook, temos tudo aqui, ó, no na ponta do dedo. Teoricamente, nós deveríamos ser a geração menos entediada da história, mas não é isso que acontece. Em 2020, um estudo com mais de 100.000 estudantes americanos revelou algo chocante. Os níveis de tédio aumentaram 1.14% ao ano de 2010 a 2017. Parece pouco, mas para você entender a gravidade, esse aumento no tédio é comparável ao aumento das taxas de ansiedade e depressão na mesma década. Mas o que é exatamente o tédio? Tdio não é não tem nada para fazer. Existe uma definição bem precisa na ciência que eu vou ler aqui para você. Tédio é um estado aversivo de querer, mas ser incapaz de se engajar em atividades satisfatórias. é caracterizado por um ciclo de mudança atencional, disparado por uma lacuna entre o quanto você quer estar engajado e o quanto você realmente está. Ou seja, o TED não é quando você não tem nada para fazer, é pelo contrário, é quando tem um monte de coisa para ser feita, mas você não tem vontade, você não se sente motivado a fazer nenhuma. É por isso que a distração digital não rouba só o seu tempo, ela rouba a sua vida interior. O estudo da Nature identificou as cinco maneiras exatas como as redes sociais criam ainda mais tédio. E eu vou citá-los aqui para vocês. A divisão da atenção. Os jovens americanos, que onde foi feito o estudo, recebe uma média de 237 notificações no celular por dia e cada notificação interrompe a atenção, diminui a performance e faz você verificar o telefone, né? O resultado disso, você pede a capacidade de manter o foco sustentado. É impossível se concentrar em alguma coisa se a cada 2 minutos o seu celular vibra com a notificação de uma rede social. Agora imagina a vida desses coitados que usam o tal do Apple Watch, que fica com aquela eh, não é um relógio, né? Aquilo é uma algema apitando no seu braço o teu, se o tempo inteiro. Você quer dizer, você não tem paz com aquilo. Eu mesmo tenho um amigo com quem é possível ter uma conversa porque você tá conversando com o cara e ele fica o tempo inteiro assim, parece que tá tomando um choque e olha aquela né? Quer dizer, o cara não consegue prestar atenção nem na pessoa de carne e osso que tá à frente dele. Mesmo se o celular tiver guardado, ele tá recebendo notificação no braço. Então veja, o cara não precisa tirar o celular do bolso e olhar pra tela para tirar o foco, para distrair o sujeito. Basta aquele, o cérebro dele já começa, tem uma notificação, preciso ver, preciso ver, preciso ver. É insuportável. O outro mecanismo é a elevação do nível desejado de engajamento, ou seja, a exposição crônica recompensas digitais eleva o seu padrão do que que é suficientemente necessário. Um livro que antes te satisfazia, agora você vai achar ele lento demais. Ou seja, você tem um feed cheio de luzinha piscando, cheio de música, cheio de bunda de mulher gostosa, cheio de coisa legal para você ver. Tudo aquilo é muito atraente, né? Tudo aquilo te dá um engajamento muito alto e quando você pega algo que é monótono, trabalhoso, não te dá a mesmo o mesmo nível de satisfação. E aí o número de curtidas que você pode ter numa postagem sua lá na rede social se torna mais importante e drena mais a sua atenção do que, sei lá, talvez os insightes que você possa ter de estar sentado olhando pela janela e pensando na morte da bezerra. Por exemplo, é mais importante você tirar uma foto do prato que você tá comendo, postar na rede social e esperar os likes e comentários dos seus amigos, do que saborear a porcaria da comida junto com a pessoa com quem você convidou para jantar. Outro mecanismo é erosão de sentido. Informações online são fragmentadas e incoerente por natureza. Ou seja, você vai vendo no feed primeiro um vídeo sobre cachorrinho, depois você vê um carrossel sobre a propaganda de um carro. Depois você vê umas mulher gostosa na academia. Depois você vê um vídeo de humor, né, humorista, o corte lá de um um standup. Depois você vê uma notícia sobre uma tragédia na, sei lá, na África. Primeiro, elas são fragmentadas, elas são pequenas, as informações nunca tão completas e elas não fazem sentido uma com as outras, elas são todas totalmente desconectadas. Elas são muito rápidas e são desconectadas. Por exemplo, como que um post sobre pizza se relaciona com um tweet sobre a exploração espacial em Marte lá do Elon Musk? E como é que essas coisas se relacionam com você? Você tá com fome? Você tá pensando em pizza? Você tá preocupado com a exploração de Marte? Por que que você tá olhando essas coisas? A verdade é que seu cérebro fica mal nutrido de significado. É um monte de coisa, um monte de informação aleatória, desconexas entre si e que não fazem sentido para você. Outro mecanismo com que as redes sociais aumentam o tédio é o custo de oportunidade elevado. Ou seja, os smartphones oferece uma alternativa mais atrativa e mais fácil para qualquer atividade. Antes, as melhores alternativas para uma tarefa era simplesmente não fazer nada, era sentar e, como eu disse, ficar pensando na morte da bezerra, que pensar na morte da bezerra é uma atividade fundamental para o ser humano. Antes era isso que a gente tinha para fazer. Ah, você quer dar uma enrolada, né? Era não fazer nada, era dar uma voltinha, era ficar pensando, era o devaneio e a autorreflexão. Agora não. Agora são vídeos e são conversas digitais, são videogame, seja lá o que for o que tiver no seu celular, que seja fácil e rápido de consumir. No meu caso, tempo atrás era jogar Angry Bird. O negócio é tão absurdo que eu me dei conta desse problema e decidi acabar com o Angry Bird do meu celular quando eu percebi que eu jogava Angry Bird quando o semáforo fechava. Eu tinha ali 30 segundos, não sei quanto tempo dura o semáforo, 1 minuto. Eu conseguia pegar o celular e jogar uma partidinha de Hungry Bird enquanto o semáforo tava fechado. E depois de centenas de buzinaços, né, eu falei: “Porra, é, eu tô fazendo alguma besteira aqui”. E deletei o negócio da minha vida. Você já parou para pensar quantas vezes você abre o Instagram ou lê uma mensagem no WhatsApp enquanto você tá parado no sinal? O pior ainda, enquanto você tá dirigindo com o carro em movimento e você tá se distraindo olhando rede social. O outro mecanismo é a estratégia ineficaz de enfrentamento. As pessoas usam as mídias digitais para aliviar do tédio, mas os estudos como esse da Nature mostram que isso intensifica o tédio ao invés de aliviá-lo. É como você beber água salgada para matar a sede. E aqui a gente tem um ciclo vicioso perfeito. É tédio, rede social, alívio temporário, mais tédio e mais compulsão por mais rede social. E como eu disse, esse problema não é novo. Vamos voltar 16 anos do tempo para conhecê-lo melhor. Egito, século monges cristãos se isolam no deserto da Tebaída para se dedicar completamente a Deus. Mas havia um demônio que não temia a luz do dia. Evagrio pôtico, um dos mestres espirituais mais respeitados do monasticismo cristão, descreveu com precisão clínica essa força em seu tratado práticos. O demônio da assídia, também chamado de demônio do meio-dia, é o mais pesado de todos. Ataca o monge por volta da quarta hora e o acedia até a oitava. Primeiro faz o sol parecer mover-se lentamente, como se estivesse quase móvel, e o dia parece ter 50 horas. Depois o obriga a manter os olhos fixos sobre a janela, a odiar sua cela, a observar o sol para ver se falta muito para a nona hora e a olhar para aqui e para ali. Se algum dos irmãos inspira-lhe a versão pelo lugar onde habita, por seu mesmo modo de vida, pelo trabalho manual e ao final lhe sugere a ideia de que a caridade desapareceu entre os irmãos e que não há ninguém para consolá-lo. É aqui que vem a parte que vai te deixar de cabelo em pé. Evagrio pôtico continua. Este demônio o impulsa então a desejar outros lugares onde poderia encontrar tudo o que necessita e exercer um ofício menos penoso. Chega até sugerir-lhe que agradar ao Senhor não é assunto de lugares. A Deus se pode adorar em todas as partes. Soua familiar. Eu seria mais feliz em outro lugar. Esse trabalho não faz sentido. Eu poderia fazer algo mais útil. Séculos depois, o Ald Hooksley, que escreveu o famoso admirável Mundo Novo, escreveu também um ensaio sobre a Assídia e traduziu essa experiência espiritual numa linguagem ainda mais profunda, pois de repente parecia a pobre vítima que o dia era intoleravelmente longo e a vida desoladoramente vazia. Ele ia à porta de sua cela e olhava para o sol e se perguntava se um novo Josué o havia detido no meio do caminho pelos céus. Então voltava para a sombra e se perguntava que bem estava fazendo naquela cela ou se havia algum propósito na existência e voltava suas meditações para afundar através do desgosto, da lacidão, nas profundezas negras do desespero e da descrença sem esperança. Troque a cela por escritório, janela por celular, trabalho o manual por tarefa importante e você terá uma descrição perfeita do que acontece quando tentamos ler um livro, trabalhar profundamente ou simplesmente ficar em silêncio. Os monges fugiam da oração pra fofoca, da contemplação silenciosa pras conversas inúteis e do trabalho manual pros devaneios sem propósito. Hoje nós fugimos do livro pro Instagram, do trabalho pro TikTok e da conversa real, cara a cara, pra rolagem infinita no Instagram. O seu Instagram é o seu novo demônio do meio-dia e você nem percebeu que ele venceu. Você é a versão do monge moderno, só que sem oração, sem rotina, sem Deus e com o celular na mão. É o mesmo demônio. Ele só mudou o endereço. Mas a Sídia não desapareceu com os mosteiros medievais. Na verdade, ela evoluiu, se transformou e acabou se tornando uma inspiração artística. O Huxley, lá no ensaio dele sobre a Sídia, ele capturou essa transformação de uma maneira genial. É um fenômeno muito curioso esse progresso da assídia, da posição de ser um pecado mortal, merecedor da condenação, para a posição primeiro de uma doença e, finalmente, de uma emoção essencialmente lírica, frutífera na inspiração de muito da literatura mais moderna característica. E a Sídia, segundo o Huxley, ela evoluiu em três atos ao longo da história. Durante a Idade Média, a Sídia era considerada um dos oito vícios principais. era pecado mortal. Já durante o renascimento, a Sídia passou a ser considerada uma doença, tanto que o Button a descreveu como melancolia, ou seja, eram vapores e humores que viam do baço e subiam pra cabeça e devia ser tratado com dieta e exercício. E já no romantismo, essa mesma condição se tornou uma inspiração poética, a angústia existencial como um tema nobre da arte. E o Hux identificou a causa profunda dessa mudança. Outras épocas testemunharam desastres, tiveram que sofrer desilusões, mas em nenhum século as desilusões se seguiram umas às outras com tal rapidezinterrupta como o vigésimo, pela boa razão de que em nenhum século a mudança foi tão rápida e tão profunda. E o Huxley concluiu com uma frase assustadoramente atual: “O mal do século era um mal inevitável. Na verdade, podemos reivindicar com certo orgulho que temos direito à nossa assídia. Conosco não é um pecado, nem uma doença das hipocondrias. É um estado de espírito que o destino nos forçou. Ele escreveu isso aqui em 1923. Ele não podia nem imaginar que a gente ainda viria criar máquinas perfeitas para amplificar esse tédio. Você não tá deprimido, você só tá se afogando em significado vazio e chamando isso aí de estética. São Gregório Magno, no século VI disse que a Assídia tem seis filhas. A primeira é a malícia, que é o prazer em ver as outras pessoas falharem, se d mal. A segunda é o rancor, que é o ressentimento constante. A terceira é a pulsilanimidade, que é aquela covaia moral, uma covardia espiritual, que é o medo de tentar e começar coisas difíceis. A quinta é o torpor, que é uma lentidão com relação aos deveres mais importantes, que é a nossa boa e velha procrastinação. E a sexta, que é crucial pro nosso tempo, é a inquietação do espírito, que o Joseph Piper no século XX traduziu como a agitação errante da alma. E essa inquietação toma a forma daquilo que São Tomás de Aquino chamou de curiositas, que não é a busca pela verdade, nem uma sede de conhecimento, mas é a curiosidade ruim, uma fome desordenada de novidades. Tomás Jaquino foi muito específico, ele chamou isso aí de inspecto espetaculorum, o vício de buscar espetáculos que excitam os baixos instintos. E ele ainda alertava: “Essa curiosidade torna a pessoa inclinada aos vícios da luxúria e crueldade por causa das coisas que vê representadas.” Isso foi escrito lá no século XI. Hoje a gente chama isso de pornografia, de vídeos de briga no Instagram, de tretas no Twitter, de doom screwing no Instagram para ficar vendo tragédia. Mas ainda é a mesma alma inquieta, pulando de estímulo em estímulo. Quanto mais vê, menos sente. Quanto mais consome, mais precisa consumir. Quantas vezes você hoje abriu o celular sem saber porquê? Não, meu filho, você não é curioso. Você só é viciado em se distrair da sua própria alma. Já no século XVI, o poeta romântico Henin escreveu um poema que foi traduzido pelo Machado de Assis de uma maneira assim magnífica, que traduz exatamente que é o retrato perfeito do homem moderno diante do tédio. Eu vou lê-lo aqui para vocês. Vem o doutor fazer-lhe uma consulta. A doença que me punge esteriliza a mocidade e o espírito resulta de uma chaga que nunca cicatriza. Muito embora comum a toda a gente, a de que sofro atrose hipocundria tanto me torna pensativo e doente que já nem sei o que é paz nem alegria. Sendo o mais sábio clínico do mundo, sois também um filósofo notável. Do peito humano aoscutador profundo, curareis este mal inexorável que me esmaga o organismo fibra fibra, que me nevoua o cérebro e o condensa. Eu tenho um coração que já não vibra, suporto uma cabeça que já não pensa. Tédio mortal, tédio agoureiro, que me envenena e escurece os dias. É como os beijos dados a dinheiro numa noite de orgia. Refletindo, diz o médico ao cliente: “O amigo tem razão, o padece realmente, contudo, a enfemidade, o busque e o devora é um produto fatal do século de agora. Uma emoção vibrante, um abalo violento pode curá-lo, creia, apenas num momento. O tédio é uma mordaz, uma total loucura, é uma treva interior a grande noite escura. Onde se esquece tudo, a sorte, a vida amada, o nosso próprio ser e só se lembra o nada. Diga-me, alguma vez amou? Nunca em seu peito estrugiu das paixões o temporal desfeito, como a vaga do mar que se agita e escapela ao soturno rumor do vento e da procela? Nunca, doutor. Pois, meu caro, procure a agitação constante. Já viajou? Já visitou a Grécia, a Oceania, o Oriente, a Terra Santa, os sítios onde tudo hoje evoca e decanta as glórias de uma idade morredoura e eterna que a mesquinha e desumbra a geração moderna. Doutor, percorri como Judas. O mundo é a humanidade e entre as mulheres todas, cujas bocas beijeis em bacanais e bodas, mulher nenhuma eu vi sobre a terra, tamanha que para mim não fosse uma visão estranha. Como fui? Voltei sem achar o lenitivo para este mau doutor que assim me traz cativo. Pois frequente o circo, amigo. A figura brejeira do famoso Alequim, que a esta cidade inteira palmas e aclamações constantemente arranca, talvez sim lhe restitua a gargalhada franca. Veja agora que meu mal está perdido. O truão de que falas, o palhaço querido, que anda no coliseu assim tão aplaudido, tem o riso de morte, um riso mascarado que encobre a dor sem fim do tédio e do cansaço. Sou eu, doutor. Sou eu, este palhaço. Essa última linha é um soco no estômago. O paciente percebe que ele mesmo é um entretenimento e ele é tanto o espectador quanto o palhaço. Quantas vezes você já sentiu isso? Rolou o feed por horas, viu um monte de vídeos engraçados e no final saiu se sentindo vazio. Como se você fosse um palhaço consumindo outros palhaços. Quantos res você viu hoje? De quais deles você se lembrava 3 minutos depois? No final você se distrai para não encarar que sua vida ficou parecida com o seu feed do Instagram. Parulhenta, fútil e esquecível. E essa inquietação errante do espírito que os filósofos medievais descreveram com tanta precisão, hoje conseguimos ver acontecendo em tempo real dentro do seu cérebro. E pra gente entender como quebrar, interromper esse ciclo do tédio, a gente precisa entender o que acontece dentro da sua cabeça naquele domingo à tarde em que você tenta pegar um livro para ler, mas acaba rolando o feed do Instagram. O artigo da Nature revelou algo crucial. O tédio tem uma função regulatória importante. Ele informa que a situação atual carece de significado e realização, motivando você a procurar fazer algo a respeito. O tédio, ele deveria promover algumas coisas como uma intenção prósocial, ou seja, fazer você ter vontade de encontrar pessoas importantes para você, pelo menos naquele momento, para ter conversas significativas, profundas, agradáveis, ou seja, interagir com pessoas cara a cara, né? Além disso, o tédio, ele promove a recuperação de memórias nostálgicas, faz você lembrar da sua infância, do seu pai, da sua mãe, das pessoas que você gostava, das pessoas que você não gostava, das coisas boas e ruins que aconteceu, do seu cachorrinho, do seu bonequinho, do Playmobil que você perdeu lá no no ralo do tanque da lavanderia, esse tipo de coisa, né? E ele leva a autorreflexão, porque é no momento de tédio, quando você tá lá pensando na morte da bezerra, que você começa a pensar a respeito da sua vida, não só do passado, mas do futuro, que você vai fazer, o que que eu tô fazendo aqui é o famoso domovim, domô, poncovô, de onde eu vim, onde eu estou e para onde eu vou. É isso aí o que você faz quando você tá entediado. E isso é fundamental pra existência humana e pro nosso cérebro. Então, toda vez que você entra nesse estádio de tédio, é o seu cérebro dizendo: “Bom, agora eu preciso me engajar em algo significativo”. Mas vai lá a mídia digital e sequestra esse sistema de autorregulação. A dopamina não é o neurotransmissor do prazer, como a psicologia POP eh diz por aí. Ele é o neurotransmissor da busca. Ele dispara quando você antecipa uma recompensa, não quando você a recebe. A dopamina, ela é como um trailer emocionante que nunca vira filme. E segundo a teoria da habituação afetiva, que é uma teoria da neurociência, a exposição repetida a estímulos prazerosos reduz a nossa sensibilidade a eles. Quando você vê uma notificação no celular, a dopamina dispara antes mesmo de você pegar o celular e abrir o aplicativo. Quando você abre e vê o conteúdo da notificação, há um pequeno prazer, mas imediatamente depois para para manter a homeostase, que é aquele equilíbrio fisiológico que o seu corpo procura, o seu cérebro produz o oposto neurológico do prazer, que não é a dor física, é um estado de leve desconforto, de inquietação, um vazio que ele é tecnicamente chamado de estado afetivo negativo. é o preço homeostático do prazer artificial. Isso é uma coisa fácil de perceber, por exemplo, aqui no YouTube. Quando você termina de ver um vídeo que você achou legal, você fica naquele estado eufórico de prazer. Foi legal o seu cérebro, que massa ver isso. Dopamina, dopamina, dopamina, né? Tá muito bem, né? você ganhou aquela recompensa, automaticamente o seu cérebro começa a puxar esses níveis de dopamina para baixo, porque você não pode ficar excitado por tanto tempo. Curiosamente, isso causa o desconforto e faz você querer mais, querer mais dopamina, mais notificação, mais vídeo, o ciclo se autoalimenta. E esse pequeno desconforto que às vezes é imperceptível, mas se você parar e prestar atenção nisso, você consegue perceber, faz que você clique no próximo vídeo, porque o seu cérebro pedindo, sabe? a coisa gostosinha que eu senti ao ver esse vídeo que acabou de passar. Então, eu quero sentir de novo, vamos ver outro vídeo, vamos procurar outro vídeo, vamos procurar outro vídeo e assim por diante. E o que acontece? Os vídeos do YouTube são mais longos e ali você até, sei lá, pode dedicar sua atenção e ter algum aprendizado ali, mas quando você entra nos shorts ou nos res ou no TikTok, são vídeos de, sei lá, 1 minuto, 30 segundos, não sei quanto tempo são, e o seu cérebro fica ainda mais maluco atrás disso, porque agora ele não precisa ficar vendo 20 minutos de vídeo como este aqui. 30 segundos basta para ele ter um pico de dopamina. Agora ele quer outro. Ele quer outro porque ele não suporta aquele desconforto, vamos dizer assim, entre um vídeo e outro, que é a busca do seu organismo por um equilíbrio homeostático. Enfim, é como você está numa esteira de doce. Quanto mais você come, mais fome você tem. A outro aspecto importante aqui, o nosso cérebro, ele tem duas redes principais. A primeira é a rede de atenção executiva, que é aquela, vamos dizer assim, parte do cérebro que funciona quando você está extremamente focado, quando você tá executando uma atividade, tá trabalhando, estudando, né? Essa atenção executiva tá totalmente voltada àquela atividade que você tá fazendo. A outra rede que se ativa é o nosso default mode network, ou seja, é o nosso modo padrão. É o jeito que a gente tá quando a gente não tá prestando atenção em nada. Quando você não tá focado em nada específico, é o verdadeiro pensar na morte da bezerra. Sabe quando você tá sentado assim olhando ãen box dos homens, entendeu? Esse é o nosso modo padrão, né? O cérebro não tá focado em nada, não tá realizando nenhuma atividade específica que exige atenção. O DMN, né, o The Full Mode Network, ele é essencial porque ele processa a memória, ele planeja o futuro, é durante ele que o nosso cérebro gera insightes. É literalmente quando seu cérebro faz sentido das experiências que você tem, quando ele organiza as memórias, quando ele organiza aquilo que você aprendeu durante o dia. Por isso que você precisa dormir, por exemplo, à noite, né? Pro seu cérebro organizar a sua memória, pegar tudo aquilo que você aprendeu durante o dia, jogar o que é lixo fora e guardar lá na sua memória de longo prazo aquilo que importa. Mas toda vez que você sente tédio, que é justamente o momento em que o esse modo padrão entrou em funcionamento, ele tá ativo, você pega o celular porque você se sente entediado e você precisa de uma distração. E isso é como interromper constantemente o processamento mental mais profundo do qual você precisa. é o seu cérebro tentando lembrar quem você é, qual a sua história, qual a sua identidade e você fica interrompendo isso aí com memes ou como se você estivesse dormindo e quando você tá entrando no sono rain lá profundo, quando você vai começar a sonhar, alguém te acorda. E isso repetido todas as noites, todos os dias. E aí, meu filho, se o seu cérebro não consegue mais processar sua memória, ele não consegue mais dar conta dos vários estímulos que você recebe ao longo do dia, ele não consegue organizar a sua experiência, você não sabe mais quem você é, simplesmente porque você não deu tempo pro seu cérebro descobrir. Então, agora que a gente sabe exatamente o que tá acontecendo no seu cérebro, como quebrar esse ciclo? Bom, primeiro lugar, a gente precisa de uma estratégia de emergência e vamos ser honesto, né? De nada adianta eu ficar aqui falando sobre atividades significativas, né, de sei lá, oração, leitura, quando você tá ali no sofá com o celular na mão, sentindo aquele vazio opaco, né, doido para se distrair. Nessas horas você não precisa de motivação. O que você precisa é de um botão de emergência. Você quer sair disso? Então para de agir como uma criança mimada que precisa de motivação para tudo. Uma palavra amiga. Não, você precisa fazer coisas. E a primeira coisa é interromper o gesto automático. Qual que é o gesto automático? É esse aqui, ó. Você tá lá entediado, põe a mão no bolso que você já até sabe onde tá o celular. E ah, você precisa interromper esse gesto. O que que é interromper o gesto? Você vai pegar o celular, ó, joga na gaveta, põe lá na gaveta do banheiro, desliga o celular, leva para longe, joga fora, dá pro cachorro comer, faça alguma coisa, mas não fica com o celular e não fica assim na esperança de que, ah, não, é só eu não pegar, não, eu tenho força de vontade. Esqueça, interrompa o gesto automático. Então, tira o celular da mão, literalmente, coloca ele em outro ambiente. Segunda coisa, mude o corpo. Você precisa se movimentar. Levante, vai para outro cômodo, dá uma volta no quintal, dá uma volta na rua, né? Faça alguma coisa, se movimente, vai no banheiro, joga água na cara, porque o tédio ele se instala no corpo parado. Em terceiro lugar, faça algo minimamente concreto, com um mínimo de intenção. Ou seja, lava um copo sujo que tá na pia, arruma uma gaveta, desliga a luz da garagem que tá acesa, copia uma frase no livro, vá oração, faça alguma coisa com o mínimo de intenção, mas também algo que exige um mínimo de esforço, né? Não vai querer cortar a grama, cuidar do jardim, não. Você não vai conseguir fazer isso. Você tá desmotivado, meu filho. E veja, o importante aqui não é fugir do tédio, é justamente o contrário, é encará-lo como gente grande. É não fugir do tédio para distrações no primeiro, segundo. Não pegar o celular, não ligar a televisão, não ir pro Netflix, não fazer nada. Encarar o tédio em silêncio, reconhecer, falar: “Porra, tô entediado para caramba”. Que chati é reconhecer isso, né? E não fazer nada, né? Para se distrair. Faça isso que eu falei, se levante, se movimente, se livre do celular e faça algo mínimo com mínimo de intenção. Porque o importante aqui não é sentir vontade, é recusar o abandono, às distrações, né? Não deixar a alma escorregar pro vazio digital. O Evagre, o Pôntico dizia que o trabalho manual é o antídoto contra a sídia. Por quê? Porque ele te reconecta com uma realidade física que tem começo, meio e fim. E o mais importante, isso não é produtividade, é presença. Você não precisa de motivação, você não precisa produzir nada, você precisa de um ato concreto. Agora, e você ainda tá aqui, assistiu 20 minutos, nem sei quanto tempo tem esse vídeo, sem pular, sem colocar no rapidinho. Olha, isso aí já é um ato de resistência, é uma pequena vitória contra o ciclo do tédio digital. Agora eu tenho um desafio para você. Quando esse vídeo acabar, não clique em outra aba. Não vá direto pro próximo vídeo. Fique em silêncio por 2 minutos. Só isso. 2 minutos com você mesmo, com seus pensamentos e com aquele pequeno desconforto que você certamente vai surgir. Tente identificar esse desconforto. Se pergunta, por que que eu tô desconfortável? Por que que eu preciso ver outro vídeo? Eu não posso ficar aqui 2 minutos em silêncio. Cronometre se precisar 2 minutos. Esse é o desafio. Se você conseguir fazer isso, sustentar o silêncio através do tédio, sem fugir, você já começou a se libertar. E comenta aqui o que que você vai fazer com o seu tédio agora. E lembra, o tédio, ele não é o vazio, ele só é a casca de um sentido perdido. E quando você parar de fugir dele, ele vai te transformar. Obrigado por resistir até agora aqui comigo e até o próximo vídeo.







